O deficit dos Hospitais
1. A situação financeira dos hospitais públicos continua a ser preocupante: as receitas são relativamente constantes e as despesas sobem a um ritmo bem superior aos 10% entre períodos homólogos.
As consequências são inevitáveis: aumento das dívidas a fornecedores, prazos de pagamento que ultrapassam os 300 dias! Para esta situação concorrem dois factores essenciais: do lado da receita, a inadaptação do modelo de pagamentos à rápida evolução do modo de produção hospitalar, do lado da despesa, a incapacidade das administrações controlarem o aumento dos custos, designadamente nas áreas dos medicamentos, dispositivos médicos e recursos humanos.
2. O modelo de financiamento dos hospitais denota falhas visíveis na valorização relativa da actividade hospitalar. Pior do que isso, a utilização de um índice de case-mix médio, de aplicação geral a toda a produção que implica internamento, não contempla devidamente aumentos de actividade registados em áreas mais complexas e mais caras. Deste modo, saem fortemente penalizados os hospitais que desenvolvem, com mais intensidade, novas actividades ambulatórias, como hospitais de dia, cirurgia ambulatória ou tratamentos com forte intervenção técnica. Por outro lado, saem também fortemente penalizados os hospitais que apresentam crescimentos marginais relevantes nas áreas de internamento mais diferenciadas, já que a elevação do seu índice do case-mix só será considerado, na melhor das hipóteses, no ciclo económico seguinte.
3. Do lado da despesa, o esforço que foi desenvolvido na negociação dos contratos-programa dos Hospitais, no sentido de conter o crescimento dos custos, parece, de facto, não estar a apresentar resultados consistentes.
As áreas dos produtos oncológicos, dos produtos biotecnológicos e dos antiretrovíricos, apresentam invariavelmente crescimentos próximos dos 25 a 30% ao ano, num processo aparentemente imparável de inovação terapêutica. Importa, quanto antes, tomar medidas de natureza transversal que definam, principalmente para estas áreas clínicas, normas de boas práticas, de aplicação obrigatória e universal.
Quanto aos recursos humanos, temos que interiorizar a ideia de que há recursos humanos a mais nalgumas áreas de alguns dos nossos maiores hospitais e de que há desperdícios que resultam do uso abusivo de horas extraordinárias e de tempos acrescidos em toda a rede hospitalar. Nesta matéria, o modelo de gestão empresarial não introduziu ainda um novo paradigma de remuneração dos profissionais, muito mais ligado à actividade do que às horas de trabalho contratualizadas. Esperemos o que as novas ideias para o pagamento do trabalho de urgência nos poderão trazer de positivo neste capítulo. De salientar que, a maior liberdade contratual permitida nos hospitais EPE, teve como efeito perverso, a disputa por bons profissionais, segundo mecanismos concorrenciais que fizeram subir fortemente os valores dos respectivos contratos. Tal situação não é coerente com o período de forte contenção de despesas em que todos devemos estar empenhados. E há que introduzir medidas urgentes de moralização.
4. Importa, neste contexto, registar o esforço que muitos hospitais têm feito noutras áreas, no sentido de exercer um controlo mais eficaz dos custos. Nas compras, tentando obter ganhos através de mecanismos de negociação mais competitivos e de modelos de aquisição em grupo que promovam a redução de preços. Nos sistemas de informação, através de novas ferramentas e novos programas que permitam o acesso, em tempo real, ao consumo dos serviços e ao perfil dos prescritores. Na estrutura organizacional, promovendo a criação e desenvolvimento de áreas intermédias de gestão, descentralizadoras de competências mas também de responsabilidades e que muito se aproximam do glosado conceito do “clinical governance”.
5. Há ainda muito a fazer. Promovendo, por exemplo, o aparecimento de empresas mistas entre os hospitais e entidades privadas em áreas como os meios complementares de diagnóstico e terapêutica. Que permitam a redução drástica das “gorduras” e façam investimentos que promovam a modernização dos serviços e uma melhor resposta aos nossos doentes. A entrada do SUCH neste novo conceito de “Serviços partilhados” poderá ser uma oportunidade para os nossos hospitais.
6. Não há de facto milagres! Sem recursos não conseguimos financiar devidamente o tratamento de novas doenças e dar qualidade técnica actualizada ao tratamento das doenças que já conhecemos. Sem eficiência, desperdiçamos recursos e ficamos a dever à sociedade “accountability” sobre a sua boa utilização. A reforma recentemente aprovada no Parlamento Alemão é a prova deste dilema: mais intervenção do Estado e 0,5% a mais de impostos e de rendimento das famílias para as despesas de saúde. Com excepção de Portugal, no período da contabilidade criativa de Luís Filipe Pereira, em todos os países europeus os problemas são semelhantes: nas tendências e nas propostas de solução. O saneamento financeiro dos nossos hospitais públicos parece ser de facto uma miragem! Não é apenas uma questão de gestão. É, no essencial, um problema político bem mais complexo e profundo. A ver vamos o que o futuro nos reserva…
Manuel Delgado, presidente da APAH, revista gestão hospitalar n.º 18 (junho 2006)
As consequências são inevitáveis: aumento das dívidas a fornecedores, prazos de pagamento que ultrapassam os 300 dias! Para esta situação concorrem dois factores essenciais: do lado da receita, a inadaptação do modelo de pagamentos à rápida evolução do modo de produção hospitalar, do lado da despesa, a incapacidade das administrações controlarem o aumento dos custos, designadamente nas áreas dos medicamentos, dispositivos médicos e recursos humanos.
2. O modelo de financiamento dos hospitais denota falhas visíveis na valorização relativa da actividade hospitalar. Pior do que isso, a utilização de um índice de case-mix médio, de aplicação geral a toda a produção que implica internamento, não contempla devidamente aumentos de actividade registados em áreas mais complexas e mais caras. Deste modo, saem fortemente penalizados os hospitais que desenvolvem, com mais intensidade, novas actividades ambulatórias, como hospitais de dia, cirurgia ambulatória ou tratamentos com forte intervenção técnica. Por outro lado, saem também fortemente penalizados os hospitais que apresentam crescimentos marginais relevantes nas áreas de internamento mais diferenciadas, já que a elevação do seu índice do case-mix só será considerado, na melhor das hipóteses, no ciclo económico seguinte.
3. Do lado da despesa, o esforço que foi desenvolvido na negociação dos contratos-programa dos Hospitais, no sentido de conter o crescimento dos custos, parece, de facto, não estar a apresentar resultados consistentes.
As áreas dos produtos oncológicos, dos produtos biotecnológicos e dos antiretrovíricos, apresentam invariavelmente crescimentos próximos dos 25 a 30% ao ano, num processo aparentemente imparável de inovação terapêutica. Importa, quanto antes, tomar medidas de natureza transversal que definam, principalmente para estas áreas clínicas, normas de boas práticas, de aplicação obrigatória e universal.
Quanto aos recursos humanos, temos que interiorizar a ideia de que há recursos humanos a mais nalgumas áreas de alguns dos nossos maiores hospitais e de que há desperdícios que resultam do uso abusivo de horas extraordinárias e de tempos acrescidos em toda a rede hospitalar. Nesta matéria, o modelo de gestão empresarial não introduziu ainda um novo paradigma de remuneração dos profissionais, muito mais ligado à actividade do que às horas de trabalho contratualizadas. Esperemos o que as novas ideias para o pagamento do trabalho de urgência nos poderão trazer de positivo neste capítulo. De salientar que, a maior liberdade contratual permitida nos hospitais EPE, teve como efeito perverso, a disputa por bons profissionais, segundo mecanismos concorrenciais que fizeram subir fortemente os valores dos respectivos contratos. Tal situação não é coerente com o período de forte contenção de despesas em que todos devemos estar empenhados. E há que introduzir medidas urgentes de moralização.
4. Importa, neste contexto, registar o esforço que muitos hospitais têm feito noutras áreas, no sentido de exercer um controlo mais eficaz dos custos. Nas compras, tentando obter ganhos através de mecanismos de negociação mais competitivos e de modelos de aquisição em grupo que promovam a redução de preços. Nos sistemas de informação, através de novas ferramentas e novos programas que permitam o acesso, em tempo real, ao consumo dos serviços e ao perfil dos prescritores. Na estrutura organizacional, promovendo a criação e desenvolvimento de áreas intermédias de gestão, descentralizadoras de competências mas também de responsabilidades e que muito se aproximam do glosado conceito do “clinical governance”.
5. Há ainda muito a fazer. Promovendo, por exemplo, o aparecimento de empresas mistas entre os hospitais e entidades privadas em áreas como os meios complementares de diagnóstico e terapêutica. Que permitam a redução drástica das “gorduras” e façam investimentos que promovam a modernização dos serviços e uma melhor resposta aos nossos doentes. A entrada do SUCH neste novo conceito de “Serviços partilhados” poderá ser uma oportunidade para os nossos hospitais.
6. Não há de facto milagres! Sem recursos não conseguimos financiar devidamente o tratamento de novas doenças e dar qualidade técnica actualizada ao tratamento das doenças que já conhecemos. Sem eficiência, desperdiçamos recursos e ficamos a dever à sociedade “accountability” sobre a sua boa utilização. A reforma recentemente aprovada no Parlamento Alemão é a prova deste dilema: mais intervenção do Estado e 0,5% a mais de impostos e de rendimento das famílias para as despesas de saúde. Com excepção de Portugal, no período da contabilidade criativa de Luís Filipe Pereira, em todos os países europeus os problemas são semelhantes: nas tendências e nas propostas de solução. O saneamento financeiro dos nossos hospitais públicos parece ser de facto uma miragem! Não é apenas uma questão de gestão. É, no essencial, um problema político bem mais complexo e profundo. A ver vamos o que o futuro nos reserva…
Manuel Delgado, presidente da APAH, revista gestão hospitalar n.º 18 (junho 2006)
4 Comments:
O Dr. MD, agora Gestor Hospitalar, até já admite empresas mistas na saúde. Noutros tempos, essa hipótese não era mais do que o caminho para a maldita privatização.
Mudam-se os tempos mudam-se as vontades e sobretudo há que ser "A VOZ DO DONO".
Caro Dr. MD: a má gestão de 2005 nos HH SA's está à vista, como o demonstram os resultados apresentados. E 2006 não vai por melhor caminho. Os novos gestores não têm desculpas por mais argumentos que procurem arranjar!
Encheram os HH com mais e mais AH's onde não faziam falta (não estou a por em causa a competência dos mesmos mas sim a sua veradeira necessidade)e descuraram os verdadeiros problemas da gestão.
Fica aqui um pergunta e um desafio ao Presidente da APAH: agora que está à frente de um Hospital, concretize os casos que conhece onde tenha havido contabilidade criativa na anterior gestão. Se o não fizer, tenho o direito de duvidar da sua honestidade.
Para MD a revisão do modelo de fnanciamento do nosso sistema de saúde é um dado adquirido.
Em termos de gestão e quanto ao objectivo de reequilíbrio das contas dos HH, MD atira a toalha para o chão, transferindo este ónus para o decisor político.
Assim, MD vai abrindo caminho para a ideia lançada por CC há uns meses atrás.
Não é difícil de prever o que o estudo encomendado por CC concluirá.
Ditosa Pátria que tais gestores da Saúde tens.
Será que li bem ?
MD vem defender o aumento dos impostos para financiar a Saúde ?
Os mesmos com mais encargos ?
Será justo ?
Quem disse que o MNSRM eram de venda livre ?
CC despachou a baixar o preço destes medicamentos !
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