quinta-feira, agosto 17

Financiamento do SNS

Escrevia há duas semanas atrás o Alerta: “Nós os profissionais do SNS sabemos que Portugal tem capacidade de dar saúde tendencialmente gratuita a todos os portugueses, como o vem fazendo há 30 anos. Haja coragem para acabar com compadrios, irmandades e afins!”
Cipriano Justo, um homem do SNS, um cidadão de confiança, escreve hoje no JP(17.08.06) sobre a “A complexidade do financiamento do SNS”:
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“ (…) Portanto, ao equacionarem-se modelos de financiamento, assumindo-se que o SNS se mantém na esfera pública, tanto a propriedade dos meios de produção como a sua gestão, há questões prévias que devem ser respondidas, atendendo aos valores éticos que regulam as nossas relações sociais: se a saúde tem um valor de troca, se continua a existir lugar para uma relação de agência entre prestador e utilizador, se os custos com o impacto sobre a saúde do laissez-faire do mercado devem continuar a ser indexados ao Orçamento de Estado e se deve manter-se o pagamento dos custos com cuidados que, no actual estado da ciência, nunca irão gerar retorno social.

O facto de Portugal gastar 10% do seu PIB com a despesa da saúde, praticamente a mesma percentagem de dois países em estádios tão diferentes de desenvolvimento social como a Grécia e o Canadá, terá seguramente a ver com uma das principais dimensões econométricas da questão, o valor do PIB, mas não lhe é seguramente indiferente a dimensão subjectiva representada pelas expectativas depositadas no sistema de saúde em resolver a generalidade dos problemas de saúde. Como não será estranha, no caso português, a circunstância de só 75% da esperança média de vida ser passada sem incapacidade, contra, por exemplo, 90% no caso italiano. Diria, por isso, que é na interactividade entre os dois lados da equação expectativas/PIB que reside a dificuldade em identificar os critérios que melhor consigam enquadrar um modelo de financiamento do SNS, uma vez que se trata de ajustar uma infinitude de necessidades a uma finitude de recursos. Sendo que as necessidades constituem uma intrincada mistura de padrões epidemiológicos de saúde/doença, interesses do mercado, representações sociais, valores dominantes, estilos de vida, trajectórias individuais e históricos político-ideológicos, e para lhes dar resposta os recursos requererem um modelo de gestão consistente com este complexo de necessidades. Daí que, para se obter um ajustamento mais bem correlacionável entre recursos e necessidades, seja desejável proceder-se à alteração do discurso latente que considera a saúde a excepção à regra, contribuindo-se dessa forma para reforçar a ideia de que a alternativa à saúde não é a saúde mas a doença. Se o modelo de financiamento do SNS que vier a ser escolhido continuar a ter implicitamente este suporte ideológico, nunca haverá recursos que resistam à voragem dos custos com consultas, meios complementares de diagnóstico e terapêutica, internamentos, cirurgias e medicamentos. Mas seja qual for o modelo que vier a ser adoptado, o financiamento do SNS deve ficar suficientemente blindado para conseguir responder à conhecida máxima de Chesterton: quando não há chapéus suficientes para passear, o problema não se resolve cortando algumas cabeças. "

"Assumindo-se que o SNS se mantém na esfera pública, tanto a propriedade dos meios de produção como a sua gestão".

CC já deu provas de não estar pelos ajustes quanto à manutenção destes pressupostos, defendendo a propriedade e gestão privada de alguns meios de produção do SNS. Vai ser importante, nos próximos tempos, a intervenção esclarecida dos cidadãos em defesa do SNS. Como faz CJ.

2 Comments:

Blogger Vladimiro Jorge Silva said...

Eis um artigo extraordinariamente inteligente, cujo autor está claramente preocupado com o futuro. Mas o Xavier tocou no ponto de partida: para já, a discussão é ideológca. E só depois disso se poderá analisar tecnicamente o problema.

8:47 da tarde  
Blogger ricardo said...

Excelente artigo a estabelecer algumas regras balizadoras da reforma do modelo de financiamento do SNS.
Seja qual for a solução proposta ela não deverá por em causa o funcionamento do SNS.

Entretanto, em termos de ganhos de eficiência há um extenso caminho a percorrer.

2:49 da tarde  

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