sábado, outubro 28

Benchmarking Clínico

merces casas

O termo anglo-saxónico Benchmarking, de difícil tradução numa só palavra, identifica a comparação dos processos de uma organização com as práticas que demonstraram os melhores resultados. É um processo contínuo de comparação para aprender com as organizações líderes que apresentam os melhores resultados.PDF - artigo completo
O Benchmarking é uma actividade bem estabelecida noutros sectores, onde já demonstrou a sua utilidade nos processos de melhoria contínua, mas tem uma penetração escassa no mundo sanitário. Isto, deve-se tanto às tradicionais dificuldades de medição objectiva dos resultados dos serviços de saúde pública, como à cultura predominante, essencialmente obscurantista e pouco propensa à circulação da informação objectiva. No entanto, a sua introdução no sector sanitário deveria ser mais fácil do que entre empresas concorrentes, já que a comparação entre hospitais pode sustentar-se em bases mais cooperativas, pelo menos nos serviços nacionais de saúde. Os hospitais e os seus profissionais são tradicionalmente adversos à comparação, quer por argumentos baseados na dificuldade técnica de realizar essas comparações, quer por aspectos subjectivos mais relacionados com uma cultura tradicional de opacidade. Neste meio, existe um conjunto de condições técnicas e organizativas para facultar informação do Benchmarking aos médicos, tal como mostra a tabela 1.

Requisitos básicos
As dificuldades técnicas de medição nos serviços de saúde pública derivam da variabilidade dos pacientes e da falta de equidade e utilidade das comparações de resultados (sejam estes custos, óbitos ou quaisquer outros) sem considerar a gravidade e as características dos pacientes tratados. Esta dificuldade foi superada tecnicamente há décadas com dois avanços importantes:
– A generalização nos países ocidentais de um conjunto de dados básicos comuns para todos os prepacientes hospitalizados. A sua implantação variou, segundo os países, entre as décadas de 50 e 80 do século passado e é amplamente conhecida por Conjunto Mínimo Básico de Dados (CMBD), tendo este sido o resultado de um consenso a nível europeu nos anos 70;
– A construção e difusão de Sistemas de Classificação de Pacientes que ajustavam os riscos ou a complexidade dos pacientes. Entre os muitos existentes, os Grupos Relacionados com o Diagnóstico (GRD) são os que se encontram internacionalmente mais divulgados para os pacientes hospitalizados.
Estes dois avanços conduziram à existência de enormes bases de dados internacionais, que permitem a comparação com muitos centros e países, além da possibilidade de realizar comparações equitativas e com significado ao ajustar as medições e estatísticas de acordo com a complexidade dos pacientes tratados.
As vantagens dos GRD resultam da capacidade de sintetizar os milhares de episódios atendidos anualmente por um hospital num conjunto manejável de categorias de consumo, clinicamente homogéneas, que se mostraram de grande utilidade em todas as áreas de planeamento e de gestão hospitalar. O uso dos GRD sedimentou-se na maioria das administrações sanitárias europeias como o principal instrumento ao serviço de várias políticas, que vão desde a orçamentação ao pagamento de serviços hospitalares, da celebração de contratos de serviços à avaliação das unidades hospitalares. Portugal foi pioneiro na Europa na sua utilização para a obtenção de orçamentos hospitalares mais equitativos e que incentivassem a eficiência. Curiosamente, ou quiçá precisamente por essa primeira utilização com fins orçamentais, usou-se menos extensivamente para a avaliação clínica e como ferramenta de apoio para os próprios médicos. Os dados tanto do CMBD como do GDR têm um grande potencial, já experimentado noutros meios, como base para a avaliação da actividade clínica.
O grau de pormenor trazido pelos GRD permite, partindo de uma perspectiva clínica, localizar os processos de atendimento de um hospital onde haja possibilidades de melhoria, comparando-os com os resultados observados noutros hospitais para os mesmos pacientes. Permitirá, ainda, destacar quais as suas áreas de excelência. Numa perspectiva clínica, esta capacidade dos GRD constitui o ponto de partida de uma verdadeira gestão orientada para processos de atendimento concretos, uma vez que é capaz de atribuir a esses processos um conjunto de indicadores chave para a qualidade e eficiência do atendimento. Nos pontos em que o GRD não tem precisão clínica suficiente, um bom registo de dados do CMBD permite melhorar a descrição dos casos com maior pormenor.
Da combinação do CMBD, enquanto instrumento de disponibilização da informação, com os GRD, enquanto instrumentos de segmentação da casuística, surgiu a possibilidade de obter conhecimento sobre a eficiência e os resultados da actividade médica hospitalar de forma comparável, compreensível e generalizada. Ambos são a base das melhorias de informação experimentadas pelos hospitais na sua gestão clínica diária. O terceiro requisito é a comparação com outros centros. Por que é tão necessária essa comparação? Por múltiplos motivos, mas, baseando-nos na existência demonstrada cientificamente de uma ampla variação de custos e resultados em medicina, porque é a única forma de:
– Conhecer a distância dos resultados próprios relativamente aos resultados habituais num meio similar;
– Quantificar a diferença ou "gap";
– Identificar objectivos realmente alcançáveis em situações semelhantes e não "gold standards" de base subjectiva ou de outros contextos.
A cultura que prevalece em muitos países europeus permite estes processos de Benchmarking exclusivamente sobre rigorosas bases de confidencialidade. Isto é, na realização das comparações com agregados de centros ou serviços, são mantidos no anonimato os resultados dos hospitais, de serviços ou de médicos. O que não impede de forma alguma que as comparações se façam.
Todos os países europeus preenchem os dois primeiros requisitos (dispor de dados e utilizar sistemas do tipo GRD), mas existem grandes diferenças quanto ao preenchimento dos outros dois requisitos: a generalização das comparações (ou Benchmarking) e, sobretudo, a colocação destas à disposição dos médicos como instrumento para a tomada de decisões com base nos resultados (...).
Merces Casas, Directora-geral da IASISTBarcelona, GH n.º 21, Out 06

2 Comments:

Blogger tonitosa said...

Estamos perante um importante instrumento de gestão. Na verdade o bechmarking leva-nos sempre à interrogação sobre as diferenças entre os nossos resultados e os de organizações líderes. Mas naturalmente a base de dados de comparação não pode ser a de uma realidade social diferente. Há que pensar que os resultados clínicos têm muito a ver com condicionantes externas que são diferentes de país para país e mesmo de região para região; e até na mesma região não é desprezível a caracterização sociológica da área de intervenção das unidades de saúde. Feitos estes ajustamentos, que devem ser introduzidos de forma gradualista, o benchmarking aponta-nos aquilo que poderemos esperar dos nossos indicadores e leva-nos a procurar encontar razões explicativas dos desvios positivos ou negativos. Mas este instumento de trabalho deve ser usado com algum cuidado. Desde logo porque a tendência é para que os profissionais aceitem aquilo em que estamos melhor, mas procurem de imediato afastar "esponsabilidades" ou encontra justificações para aquilo em que estamos piores. E não se trata afinal de julgar ninguém. O benchmarking não pode ser olhado como crítica aos serviços e aos profissionais. Trata-se antes de "motivar" a nossa organização para objectivos que (como se demostra) são possíveis. E uma vez feito o diagnóstico, os Gestores não podem deixar de proporcionar aos "serviços de produção" os meios que venham a ser consensulizados como necessários à obtenção de melhorias. Não o fazer será pôr em causa o benchmarking e desmotivar os profissionais.
Por outro lado deve ser acautelada a tendência para a inércia na melhoria de resultados nas áreas/actividades em que somos "melhores". A melhoria do bechmarking deve ser prosseguida nomeadamente com a criação de uma base de dados nacional, o que pressupõe o registo e disponibilização de informação pelos hospitais e outras instituições do nosso sistema de saúde.
PS: pelo menos em dois dos HH SA's foi dado início ao benchmarking tendo esses processos sido interrompidos o que naturalmente foi, no mínimo, estranho.

1:34 da tarde  
Blogger tonitosa said...

O Céu estava azul! A terra estava azul! Algumas "nuvens" surgidas na segunda parte acabaram por se dissipar.
Um "raio" fulminou "uma estrela" e os "deuses" protegeram o "agressor". A festa esteve linda, pá!
Um abraço ao Vivóporto, por razões muito particulares.

9:13 da tarde  

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