E as Unidades Locais de Saúde ?
«Os cuidados de saúde primários são o pilar central do sistema de saúde», é uma afirmação que consta no programa do Partido Socialista nas últimas eleições legislativas. No que concerne à articulação entre os centros de saúde (cuidados de saúde primários) e os hospitais, foi prometido pelo actual Governo, (ver programa), que «serão preparados ou aperfeiçoados, até ao final de 2005, normas e mecanismos de referenciação que permitirão priorizar o atendimento das situações urgentes e organizar a orientação do doente no sistema. Serão criados mecanismos que irão garantir a circulação de informação clínica, facilitando e estimulando o seguimento dos pacientes internados em hospitais pelos seus médicos de família, abrindo-lhes o acesso ao processo clínico hospitalar.»
Em documentação governamental colocada a discussão pública no sítio da Direcção Geral de Saúde (Agosto de 2005) pode ler-se a previsão de serem constituídas Unidades Locais de Saúde (ULS) como via para aprofundar a interligação dos centros de saúde com as restantes instituições de saúde locais, nomeadamente, com os seguintes objectivos:
• Criação formal de consultas hospitalares, regulares, nos centros de saúde a partir dos principais serviços hospitalares de referenciação de cada um, coordenadas e acompanhadas em conjunto pelos directores dos serviços hospitalares envolvidos e dos centros de saúde.
• Instalação de alguns meios complementares de diagnóstico e terapêutica para os cuidados de saúde primários, como no caso da bioquímica e hematologia mais correntes, dos ECG, da espirometria e de outros, poderá também vir a ser equacionada numa base de parceria e cooperação entre os hospitais e os centros de saúde.
• Rentabilização da capacidade hospitalar instalada, através da definição de uma carteira de serviços de diagnóstico e terapêutica, disponíveis aos centros de saúde da sua área de atracção.
Em 9 de Junho de 1999, foi criada a Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM), que passou a integrar os Centros de Saúde de Matosinhos, Senhora da Hora, S. Mamede de Infesta e Leça da Palmeira, bem como quatro extensões deste último (Perafita, Angeiras, Santa Cruz do Bispo e Cabanelas), que a partir de Maio de 2004 passaram a três extensões: Perafita, Santa Cruz do Bispo e Lavra.
A missão da ULSM consiste em identificar as necessidades de saúde das populações abrangidas e dar-lhes uma resposta integrada, oferecendo um contínuo de cuidados e serviços de fácil acesso e circulação que permitam ganhos em saúde, com eficiência técnica e social. Em 2001/02, por encomenda do Ministério da Saúde, através de equipa integrada no Instituto Nacional de Administração (INA), coordenada pelo Administrador Hospitalar Jorge Simões, foi efectuada a avaliação da ULSM com resultados positivos.
Mas vale a pena respigar do artigo «Unidades Locais de Saúde em debate» publicado em MEDI.COM, Boletim Informativo da Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos, de 15 de Novembro de 2005, a propósito do debate promovido pela Associação dos Médicos Gestores de Unidades de Saúde, em colaboração com a Associação Portuguesa de Engenharia da Saúde, (realizado no dia nove do mesmo mês, no Auditório da Ordem dos Médicos):
«Ao Dr. Nuno Morujão, Presidente do Conselho de Administração da ULSM, coube apresentar esta experiência… Atendendo à situação económica do País e ao facto dos recursos em Saúde serem sempre escassos, têm implementado medidas de racionalização nesta Unidade, que passam por protocolos de referenciação de consultas e por protocolos clínicos de actuação, pela realização de consultas de especialidades hospitalares nos centros de saúde (como é o caso da Pediatria, Endocrinologia, Ortopedia, Oftalmologia, Ginecologia, etc.). Outra medida que causou grande controvérsia na região foi a realização de meios complementares de diagnóstico, quer ao nível da patologia clínica quer da anatomia patológica, nos estabelecimentos que compõem a ULSM, dispensando os serviços convencionados. O Dr. Nuno Morujão defendeu que estes serviços são para ser partilhados pelas instituições, tendo sido instaladas colheitas nos centros de saúde que dispunham de estruturas adequadas. Esta medida implicou uma poupança de 612 mil euros, ao nível da patologia clínica, nos anos de 2003 e 2004, à qual acresce perto de 29 mil euros nos exames de anatomia patológica… Outra questão levantada durante o debate foi posta pelo moderador da sessão, o Dr. Luís Pisco, actual Coordenador da Unidade de Missão dos Cuidados de Saúde Primários. Pelas apresentações a que assistimos pareceria pacífico, ninguém de bom senso colocaria em causa a integração entre os dois níveis de cuidados ou a partilha de informação entre centros de saúde e hospitais. A grande questão reside, no entanto, se será preciso uma gestão comum da ULS, questionou o clínico. O Dr. Nuno Morujão defendeu que a existência de uma administração única à frente de uma Unidade Local de Saúde acaba por ser um aspecto facilitador, o qual torna mais fácil a gestão e a implementação de algumas medidas».
Penso que este respigo esclarece que a oposição ao desenvolvimento de outras ULS reside no espírito corporativo dos médicos dos centros de saúde.
Entretanto, vejamos o desabafo duma médica dum centro de saúde, registado no FÓRUM/SAÚDE do MUS– Movimento de Utentes da Saúde (ver em www.mus-portugal.org) no passado dia 19.05.2006:
«Sou Médica de Família no Centro de saúde de Águeda. Acabo de receber, devolvidas do Hospital de Águeda, 100 credenciais de marcação de consultas de oftalmologia e 7 de cardiologia com a seguinte nota: “para que informem da necessidade ou não da referida consulta. Não devem ser passadas novas credenciais, mas o médico deve escrever, nestas, mantém-se necessidade”. Das credenciais de oftalmologia, algumas são já a 3.ª via! Há doentes à espera desde 2001!!! As de cardiologia referem-se aos anos de 2004 e 2005. Como proceder em relação a esta aberração?».
Mais comentários, para quê?
Santos Cardoso/Administrador Hospitalar (ENSP),revista da ATEHP
Em documentação governamental colocada a discussão pública no sítio da Direcção Geral de Saúde (Agosto de 2005) pode ler-se a previsão de serem constituídas Unidades Locais de Saúde (ULS) como via para aprofundar a interligação dos centros de saúde com as restantes instituições de saúde locais, nomeadamente, com os seguintes objectivos:
• Criação formal de consultas hospitalares, regulares, nos centros de saúde a partir dos principais serviços hospitalares de referenciação de cada um, coordenadas e acompanhadas em conjunto pelos directores dos serviços hospitalares envolvidos e dos centros de saúde.
• Instalação de alguns meios complementares de diagnóstico e terapêutica para os cuidados de saúde primários, como no caso da bioquímica e hematologia mais correntes, dos ECG, da espirometria e de outros, poderá também vir a ser equacionada numa base de parceria e cooperação entre os hospitais e os centros de saúde.
• Rentabilização da capacidade hospitalar instalada, através da definição de uma carteira de serviços de diagnóstico e terapêutica, disponíveis aos centros de saúde da sua área de atracção.
Em 9 de Junho de 1999, foi criada a Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM), que passou a integrar os Centros de Saúde de Matosinhos, Senhora da Hora, S. Mamede de Infesta e Leça da Palmeira, bem como quatro extensões deste último (Perafita, Angeiras, Santa Cruz do Bispo e Cabanelas), que a partir de Maio de 2004 passaram a três extensões: Perafita, Santa Cruz do Bispo e Lavra.
A missão da ULSM consiste em identificar as necessidades de saúde das populações abrangidas e dar-lhes uma resposta integrada, oferecendo um contínuo de cuidados e serviços de fácil acesso e circulação que permitam ganhos em saúde, com eficiência técnica e social. Em 2001/02, por encomenda do Ministério da Saúde, através de equipa integrada no Instituto Nacional de Administração (INA), coordenada pelo Administrador Hospitalar Jorge Simões, foi efectuada a avaliação da ULSM com resultados positivos.
Mas vale a pena respigar do artigo «Unidades Locais de Saúde em debate» publicado em MEDI.COM, Boletim Informativo da Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos, de 15 de Novembro de 2005, a propósito do debate promovido pela Associação dos Médicos Gestores de Unidades de Saúde, em colaboração com a Associação Portuguesa de Engenharia da Saúde, (realizado no dia nove do mesmo mês, no Auditório da Ordem dos Médicos):
«Ao Dr. Nuno Morujão, Presidente do Conselho de Administração da ULSM, coube apresentar esta experiência… Atendendo à situação económica do País e ao facto dos recursos em Saúde serem sempre escassos, têm implementado medidas de racionalização nesta Unidade, que passam por protocolos de referenciação de consultas e por protocolos clínicos de actuação, pela realização de consultas de especialidades hospitalares nos centros de saúde (como é o caso da Pediatria, Endocrinologia, Ortopedia, Oftalmologia, Ginecologia, etc.). Outra medida que causou grande controvérsia na região foi a realização de meios complementares de diagnóstico, quer ao nível da patologia clínica quer da anatomia patológica, nos estabelecimentos que compõem a ULSM, dispensando os serviços convencionados. O Dr. Nuno Morujão defendeu que estes serviços são para ser partilhados pelas instituições, tendo sido instaladas colheitas nos centros de saúde que dispunham de estruturas adequadas. Esta medida implicou uma poupança de 612 mil euros, ao nível da patologia clínica, nos anos de 2003 e 2004, à qual acresce perto de 29 mil euros nos exames de anatomia patológica… Outra questão levantada durante o debate foi posta pelo moderador da sessão, o Dr. Luís Pisco, actual Coordenador da Unidade de Missão dos Cuidados de Saúde Primários. Pelas apresentações a que assistimos pareceria pacífico, ninguém de bom senso colocaria em causa a integração entre os dois níveis de cuidados ou a partilha de informação entre centros de saúde e hospitais. A grande questão reside, no entanto, se será preciso uma gestão comum da ULS, questionou o clínico. O Dr. Nuno Morujão defendeu que a existência de uma administração única à frente de uma Unidade Local de Saúde acaba por ser um aspecto facilitador, o qual torna mais fácil a gestão e a implementação de algumas medidas».
Penso que este respigo esclarece que a oposição ao desenvolvimento de outras ULS reside no espírito corporativo dos médicos dos centros de saúde.
Entretanto, vejamos o desabafo duma médica dum centro de saúde, registado no FÓRUM/SAÚDE do MUS– Movimento de Utentes da Saúde (ver em www.mus-portugal.org) no passado dia 19.05.2006:
«Sou Médica de Família no Centro de saúde de Águeda. Acabo de receber, devolvidas do Hospital de Águeda, 100 credenciais de marcação de consultas de oftalmologia e 7 de cardiologia com a seguinte nota: “para que informem da necessidade ou não da referida consulta. Não devem ser passadas novas credenciais, mas o médico deve escrever, nestas, mantém-se necessidade”. Das credenciais de oftalmologia, algumas são já a 3.ª via! Há doentes à espera desde 2001!!! As de cardiologia referem-se aos anos de 2004 e 2005. Como proceder em relação a esta aberração?».
Mais comentários, para quê?
Santos Cardoso/Administrador Hospitalar (ENSP),revista da ATEHP
3 Comments:
Quanto ao projecto das USL:
Mais um Titanic.
Vai uma aposta...
Estamos perante um casamento impossível: Centros de saúde / Hospitais.
Ou de um casamento a fingir, como acontece com a ULS de Matosinhos.
Meus amigos
Também penso que os cuidados de saúde primários (CSP), pelo seu papel curativo e essencialmente preventivo, se possam considerar o pilar central do sistema de saúde. Já agora porque não chamar ao “sistema de saúde”, Serviço Nacional de Saúde?
Mas o problema da interligação dos CPS com os cuidados de saúde hospitalares (CPS) foi desde há muitos anos, objecto de muitos estudos e da criação de modelos experimentais com o objectivo de melhorar a acessibilidade dos doentes quando a interdependência no diagnóstico e tratamento das patologias de que eram portadores necessitavam de coordenação. Mas toda esta preocupação parecia basear-se num só sentido. O sentido cuidados primários -- cuidados hospitalares.
Raramente se questionava a necessidade de no sentido inverso, cuidados hospitalares -- cuidados primários, haver necessidade da mesma atenção.
Todos nós ouvíamos nas reportagens dos “media” a que horas os doentes se tinham que levantar para conseguirem uma consulta no seu Centro de Saúde e do mesmo modo, não tão mediaticamente, sabíamos do tempo de espera que os doentes se viam obrigados a “esperar” para da mesma forma a conseguir, numa especialidade hospitalar.
Começou-se, na década de 80 fruto sob a pressão dessa mediatização a dar-se a importância devida à medicina familiar mas descurou-se, malgrado os múltiplos alertas, a formação duma maneira planeada não só em relação à quantidade de licenciados em medicina mas também à qualidade no que se refere à sua pós-graduação na área hospitalar. Tarde se corrigiram estes problemas de “reposição” da massa de licenciados em medicina mas a correcção que se realizou, não foi baseada em critérios fundamentados numa projecção a médio e longo prazo das necessidades, mas sim em função dos “numerus clausus” de acesso às velhinhas e novas Faculdades de Medicina que entretanto iam aparecendo, “numerus calusus” estes definidos pelas próprias instituições em função das suas capacidades e do seu “entender” de como a Medicina deveria ser “ensinada”.
Com o envelhecimento dos quadros médicos hospitalares que se prolonga por esta e próxima décadas associado à assimetria da sua distribuição regional, por um lado, e a um crescente aumento da procura de consultas de especialidade (devido à esperada melhoria da acessibilidade e à crescente medicina cada vez mais defensiva) verifica-se uma insuficiente resposta dos CSH face ao aumento crescente dos pedidos dos CSP.
E que foi feito?
Experiências piloto, das quais a mais emblemática foi a ULS de Matosinhos.
Mas então, com tão bons “ditos” resultados organizacionais e assistenciais que até conduziram à acreditação desta Unidade de Saúde, que fizeram os responsáveis governamentais e das ARS ?
Incentivaram a sua criação pelos restantes centros de atendimento primários e hospitalares espalhados pelo país?
Vontade foi demonstrada por CC em Junho de 2005 quando dizia que até 2006 iriam ser extintas as 18 sub-regiões de saúde e os Hospitais e Centros de Saúde deixariam de funcionar de forma autónoma e passariam a ter uma gestão integrada. http://dn.sapo.pt/2005/06/06/sociedade/governo_inicia_revolucao_administrac.html
E a exemplo do que sucedia com a USL de Matosinhos iriam ser, CSP e os CSH de todo o país, constituídos em USL(s) que unissem numa mesma gestão todos os cuidados necessários para servir a população de cada zona, com “autonomia financeira para gerir acordos com entidades privadas e sociais nas várias áreas: dos cuidados continuados aos laboratórios de análises, passando pelas clínicas médicas. Na prática, a ideia é integrar as funções administrativas das sub-regiões nos próprios serviços que prestam assistência.”
Que idílico isto era…
E que foi feito?
Desviou-se o objectivo das USL para as Unidades de Saúde Familiares (USF) e mudando-se só a letra “L” por “F” muda-se tudo o que anteriormente era o melhor para o cidadão.
O mesmo objectivo que CC propunha para as USL (em 2006 estarem todas – quantas?- a funcionar) foi o mesmo que também para 2006 propôs para as USF ( 100 unidades até ao fim do ano) e a aposta falhou.
Em que ficamos?
USF(s) cada uma com a sua gestão individual e contratos programa por objectivos a funcionarem desligadas dos Hospitais EPE(s), ou USL(s) com uma única gestão englobando Unidades Hospitalares e Centros de Saúde sem autonomia individual?
E sendo assim qual o papel dos Hospitais EPE(s) e das USF(s) que entretanto se vão constituindo “às pinguinhas”?
Que “trapalhada” (como alguém disse) ser Ministro CC… que trapalhada.
É melhor não dizer mais nada do que ainda muito teria para dizer.
É assim que se vai concretizando o Plano Nacional de Saúde.
Um bem estruturado comentário do colega J. F.. E sem que se façam críticas não baseadas em factos concretos.
Julgo que a organização de CPS e CSH segundo o medelo das ULS é complexa. Mas também não teria que ser generalizada a todo o território. Há hospitais que estarão mais adequados a gerir de forma integrada uma ULS do que outros, nomeadamente em função da sua dimensão. Por exemplo: não sendo impossível, uma ULS sob gestão do HSM em Lisboa pode não ser muito funcional. Ou talvez seja(?). Enfim a solução de Matosinhos poderia (e deveria) se alargada gradualmente. Mas não creio que tudo seja tão cor-de-rosa como tem sido anunciado pelo Dr. N. Morujão!
Enviar um comentário
<< Home