A Equidade do SNS
A promoção da equidade é um dos objectivos, e deve ser uma característica fundamental, de qualquer Serviço Nacional de Saúde. Em que medida o nosso SNS atinge este objectivo?
O SNS é tendencialmente gratuito para os utentes, o que significa que, do ponto de vista contributivo, tem a equidade que tiver o sistema fiscal. Passo adiante, porque o que agora me interessa é a equidade na vertente da utilização das prestações oferecidas às populações.
Proponho-me uma análise de grande globalidade e circunscrita à área hospitalar, mesmo sabendo, de antemão, que:
- há – deve haver cada vez mais – articulação e interdependência entre as áreas de prestação de cuidados (CH, CP e CC);
- as conclusões arriscam não ser diferentes do que, há muito, sabem quantos andam ligados à problemática da saúde. Na medida em que assim seja, servirão pelo menos para mostrar que, neste aspecto, tudo se mantém como era e como é difícil passar dos diagnósticos, por mais certeiros e fundamentados que sejam, para as soluções.
Assim, pareceu-me necessário considerar os seguintes aspectos: 1) como se distribui e como se estrutura a rede de serviços disponibilizada à população; 2) como funcionam os serviços prestadores (análise global dos indicadores do movimento assistencial); 3) análise da resposta do SNS, através da procura satisfeita, já que não é conhecida a procura total, e da disparidade do financiamento distribuído.
Com as limitações e com as dificuldades de tratamento da informação disponível, procurei a resposta no site do IGIF, donde foi recolhida a informação que vai reconfigurada (totalizada por regiões e por tipo de HH) nos quadros adiante apresentados.
Quadro n.º 1 - Distribuição e estrutura da rede
Os comentários possíveis (não sendo conhecida a distribuição dos médicos por distritos e concelhos) são quase desnecessários:
- A Região Norte tem 37,1 % da população e apenas 32 % dos médicos, enquanto que a de Lª+Alent+Alg, com 39,3% da população, dispõe de 45 % dos médicos;
- Na Região Norte há 1,91 camas/1000 habitantes, enquanto na Região Centro existem (sem contar com o Hospital Pediátrico, omisso nas estatísticas do IGIF) 2,70; a de Lª+Alent+Alg situa-se perto da Média, mas ainda assim 0,33/1000 acima da Região Norte.
- Mas a capacidade de internamento instalada deve também ser analisada na sua distribuição pelos grupos de hospitais:
- Como se mostra no quadro supra, a Região Centro, com 2,70/1000 Habitantes, é a única em que a maior percentagem das camas não está nos HHCC mas sim nos HHDD, oferecendo assim a melhor repartição: maior proximidade dos recursos significa maior acessibilidade;
- As restantes regiões apresentam distribuições globalmente mais comparáveis entre si, ainda que excessivamente mais concentrada nos HHCC na Região Norte.
Quadro .º 2 - Indicadores do movimento assistencial
- Confrontando o nº de Doentes Saídos/Cama (S/C), a Demora Média (D.M) e a Taxa de Ocupação (TO) das camas, dir-se-ia que a necessidade aguça o engenho e a Região Norte (que dispõe, como vimos, do menor índice de camas/1000 Habitantes) apresenta os melhores indicadores de funcionamento: respectivamente 38,23 (S/C), 7,2 (D.M.) e 75,8 (TO), contra 36,61, 7,6 e 76,1 na Região Centro e 34,75, 8,2 e 78,3 na Reg. L.ª+Alt+Alg;
- Mais ainda: a Região Norte apresenta a menor Demora Média nos três grupos de Hospitais que a integram e, se as restantes Regiões tivessem funcionado com os seus índices de D.M., teriam feito menos 403.531 dias de internamento, ou, em alternativa, teriam tratado mais 56.398 doentes (menos 103.194 dias ou mais 14.332 doentes na Região Centro e menos 302.872 dias ou mais 42.065 doentes na Reg. L.ª+Alt+Alg.), o que demonstra que não estou a falar de coisa pouca;
- Como reflexo da melhor distribuição atrás referida, a Região Centro apresenta a maior percentagem de doentes saídos do Grupo dos HHDD (39,3%), contra 26,6 e 36,8, respectivamente nas Região Norte e na Reg. L.ª+Alt+Alg., o mesmo acontecendo, embora com diferenças menores, no grupo dos “Hospitais Outros”, o que é importante em termos de acessibilidade para os utentes;
- Em consequência, no grupo dos HHCC a maior percentagem de doentes (52,7) verificou-se na Região Norte, contrapondo-se-lhe 45,1 na Reg. L.ª+Alt+Alg., e 36,5 na Região Centro.
Importante será também analisar, através dos recursos afectados, como se distribui pelas diferentes áreas a capacidade de intervenção hospitalar, porque essa distribuição é indicativa da estratégia de intervenção dos serviços prestadores:
Da informação contida no quadro supra pode concluir-se que:
- A Região Centro é de todas a que menor espaço atribui ao ambulatório programado (HD+CE), 24,0 %, contra 29,1 % e 28,5%, respectivamente nas Regiões Norte e L.ª+Alt+Alg., o que será de corrigir;
- A Região Centro é também a que afecta maior parte dos recursos às modalidades de Internamento e Serviço de Urgência (56,9 e 19,1 %, respectivamente), o que também não é positivo; as Regiões Norte, com 55,1 e 15,8 %, e a de L.ª+Alt+Alg, com 53,4 e 18,2 % estão melhor posicionadas, mas o ambulatório programado carece, inequivocamente, de maior desenvolvimento em todas as regiões, em consonância com a evolução técnica e na defesa da racionalidade na afectação dos recursos.
A resposta do SNS
Passemos agora a analisar o retorno do SNS à população servida, em 2005, a partir dos dois quadros seguintes:
Quadro n.º 4 - 1- Internamento 2. Hosp. Dia 3. Cons. Ext.
Desculpem-me o excesso de números, mas pretendi que a conclusão ressaltasse por si mesma e não deixasse dúvidas:
- As prestações do SNS são tendencialmente gratuitas para os utentes, o que significa que o O.E. pagou em 2005 por cada habitante (não por cada Doente!) quase – por causa do tendencialmente – 373,5 Euros na Região Norte, 440,5 na Região Centro e 487,9 na Região L.ª+Alent.+Algarve;
- De notar que a diferença entre as Regiões Norte e Centro (67,0 Euros) é muito maior do que a que vai da Região Centro (já com valores acima da média) para a de L.ª+Alent.+Alg. (47,4 Euros) e é totalmente inaceitável se, como deve, a comparação se fizer entre a Região Norte e a de L.ª+Alent.+Alg. (114,4 Euros por habitante).
É evidente que estas disparidades não se formaram em 2005; vêm de longa data e quem torto nasce…. Mas, na verdade, sabendo nós que a equidade não é produto da lei mas sim das decisões que a devem garantir, temos de pensar bem quando proclamamos a equidade do SNS que temos. Por mim, se residisse na Região Norte, emigrava!
AIDENÓS
11 Comments:
As dificuldades do tratamento da informação disponível podem deformar a análise como, aliás, é referido no post.
Este estudo (análise) parte do desempenho por regiões do SNS versando o movimento assistencial publicado pelo IGIF ("analysis-driven") e nas considerações finais projecta-se para políticas estruturais, nomeadamente no contexto da preparação dos próximos ciclos de programação.
É, por assim dizer, um exercício de suporte à acção ("policy-driven").
Seria, no entanto, premente ter tido em consideração outras varaiáveis assistenciais, alguma das quais estão - por outras razões - na ordem do dia.
Por exemplo - os Serviços de Urgência.
No contexto hospitalar, a análise dos dados do IGIF, mostra algumas "anomalias", nomedamente considerando o ratio HH's / população.
Usando a sua metodologia - por Regiões - os dados fornecidos, sobre o número global das urgências, são os seguintes:
Reg Norte: 2.045.684
Reg Centro : 1.949.770
Lx + V. Tejo: 1.882.980
Confrontando estes valores com a distribuição demográfica nacional podemos chegar a conclusão que existem distorções e diferentes "equidades" na estrutura de rede (observadas por por regiões).
Pergunto: este facto singular (só estou a considerar este) não será suficiente para influenciar a globalidade do movimento assistencial?
Podemos ter, portanto, "iniquidades" na estrutura de rede. Depois, a equidade das prestações oferecidas às populações será difícil no terreno.
Oh, Xavier, desculpe lá mas itso são contas de merceeiro. A sua análise, não permite inidicar a aberração que são os hospitais de Nível I, nem o facto das necessidades dos nossos idosos não serem satisfeitas pelos hospitais como estão organisados. E se fosse à procura dos dados sobre os re-internamentos e voltasse a discutir aqui a equidade à luz desses números? O Xavier é administrador hospitalar? Está a tentar dizer-nos o quê?
Um abraço
Não posso deixar de felicitar o Aidenós por este post . Pena é que o blogue não tenha uma resposta condigna, considerando o volume de trabalho e o desejo de esclarecer e de ajudar a detectar problemas que precisam de correcção. Infelizmente sobra neste blogue a má língua, alguns apenas para mostrar o seu nível ou a falta dele.Trocava já dez cromos que só sabem dizer mal por outra crónica do Aidenós.
O Aidenós trata da equidade na sua vertente geográfica. Penso que a equidade em saúde se traduz, simplificadamente, em igual tratamento para igual problema de saúde, seja qual for o rendimento, a classe, grupo social, raça ou região.
O que Aidenós mostra, concretizando com valores não com conversa fiada ou «supônhamos», é que há problemas na distribuição de recursos (médicos, camas), na sua utilização (frequência) e nos custos correspondentes.
Dentre os valores apresentados sobressai o escândalo que parece ser a utilização da urgência na região Centro - 819 por 1000 hab-, se comparada com as outras regiões ou se relacionada com a frequência da consulta na mesma região. Se tiver tempo farei um pequeno quadro que nos ajude a perceber o que se passa na urgência, internamente á Região Centro.
No que respeita á despesa por habitante tirei duas conclusões:
- A situação é mais grave ainda do que Aidenós considera porque a população que menos tem - no Norte o rendimento per capita é inferior-, é a que menos beneficia, via despesa do SNS.
- A maior despesa na região Centro parece dever-se à disponibilidade excessiva de recursos (camas, urgências) que tem como consequência uma utilização excessiva e a despesa correspondente.
Porque é grave esta despesa excessiva? Porque desvia recursos da saúde de melhores alternativas: 1ª uso em cuidados primários em vez de urgências inapropriadas, gastando menos;
2ª uso em região mais desfavorecida onde nivelaria a despesa por habitante e traria maior eficácia.
Outra vantagem seria que o Aidenós já não emigraria, e continuávamos a tê-lo aqui, porque fazem falta ao blogue os que querem um SNS melhor.
Excelente trabalho do Aidenós. Como de costume.
Temos de agradecer ao Aidenós o notável esforço feito para trazer até nós esta excelente análise.
Há efectivamente comentadores deste blog que nada mais fazem do que tentarem envenenar e lançarem a confusão.
É o caso do ex-such, ex-qualquer coisa.
Ainda recentemente o xavier aborreceu-se com o joaopedro por causa deste senhor. Acontece que o joao pedro tinha razão.
Sugiro ao xavier que apague todos os comentários de manifesta falta de qualidade ou de conteúdo provocatório.
O Aidenós rapidamente colocou-se entre os grandes (maiores) colaboradores deste blogue: Xavier, Vivóporto, Tonitosa, Semmisericódia, Guidobaldo e Vladimiro Jorge Silva.
Este post diz-nos porquê.
Uma pergunta talvez idiota.
A grande diferença entre regiões na afectação de recursos não reflecte o tradicional sistema de financiamento retrospectivo?
E de graus de eficiência de exploração do sistema de saúde entre regiões?
E de qualidade?
E de consumo excessivo de cuidados?
Dedicado aos maldizentes, maledicentes, ressabiados, opositores, recalcados, acanhados, invejosos, despeitados, boys desempregados, desalentados, cépticos, mal educados, desviados, partidarizados, obtusos, ensiesmados, teimosos, complexados, desanimados, empalados:
Graças às contas muito melhores que o esperado apresentadas pela Segurança Social e pelo Serviço Nacional de Saúde, o Governo conseguirá apresentar no próximo mês, em Bruxelas, um valor para o défice em 2006 inferior a 4,6%, a meta assumida no Programa de Estabilidade e Crescimento.
DE 16.02.07
Antes de embandeirar em arco não será prudente esperar pelo relatório do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado de 2006?
Parece-me que a de 2005 não foi lá grande coisa (nomeadamente...para a área da Saúde).
Caro é-pá,
Depois da vitória do SIM toda a gente anda preocupada com os consensos e outras coisas que tais, inclusivé o PR, para empastelar a coisa.
Perante esta excelente notícia, a mesma atitude, a tentar desvalorizar o feito.
As contas vão ser fiscalizadas também por Bruxelas...
Contabilizar Lisboa, Alentejo e algarve como uma Unidade por contraposição a outras duas, Centro e Norte, leva às maiores distorções da realidade.
E se não cruzarmos tais indicadores com a oferta/garantia dos cuidados de saúde primários, então aumenta exponencialmente o erro.
È que a realidade demonstra que os CS prestam um serviço muito mais efectivo a norte, no alentejo e até no algarve (embora menos que no norte e alentejo) do que nas restantes zonas do país.
Posto isto, temos que contrapôr uma população com médico de família, mais e melhor orientada e encaminhada para os cuidados diferenciados, a uma outra população sem médico de família, nem nenhuma orientação e que recorre amiúde ao SU, entupindo-o verdadeiramente.
Por outro lado as listas de espera, que também se reflectem no afluxo ao SU, pois que quanto mais se espera, mais recidivas se tem e entra-se num mais que vicioso ciclo.
E, meus senhores, este cenário é imbatível, infelizmente, no que à grande lisboa diz respeito. Por isso, não se pode meter aqui o alentejo nem o algarve.
De resto, o norte e o alentejo, são as regiões onde a relação médico-doente é mais estreita, a humanização de cuidados é melhor, o que condiciona, no caso pela positiva, toda a restante rede de cuidados.
E diga-se: quanto menos se gastar em saúde melhor!
Todos sabemos que os portugueses são, na europa, dos que mais "vão ao médico" e dos que têm pior saúde!
Caro Saudepe:
Se reler atentamente o texto verá que não desvalorizei.
Apelei à prudência ... o que é diferente.
Inferências...
exsuch:
Enciclopedistas, seres pragmáticos dos Séculos XVII e XVIII ...
Livre, por enquanto, vai sendo a blogosfera.
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