terça-feira, fevereiro 13

CC



Abriu a caça ao ministro da Saúde. Não porque Correia de Campos tenha sido desastroso no referendo ao aborto.

É verdade, teria sido preferível se ele não tivesse aparecido na campanha – falar não tem sido o seu forte –, mas a abstenção de ontem não é responsabilidade sua. O problema do ministro é outro. A dias de apresentar as contas da saúde relativas a 2006, Correia de Campos é considerado um dos elos mais fracos do Governo. Pior, só Manuel Pinho. Acontece que os números do Serviço Nacional de Saúde em2006 são bons. Ao contrário do habitual, não se gastou mais do que o previsto. É provável até que tenha sobrado uma folga. Como se explica, então, a fragilidade política do ministro da Saúde?

Vejamos. Correia de Campos é um ministro duro. Proibiu a compra de medicamentos inovadores nos hospitais para conter os custos. Forçou a negociação coma indústria farmacêutica para criar um tecto máximo de despesa. Aumentou o preço das taxas moderadoras. Cortou os gastos do Estado nas farmácias. Encerrou urgências e maternidades para poupar e melhorar a sua eficácia. Mexeu nas horas extraordinárias dos médicos. Introduziu formas efectivas de controlar a assiduidade dos funcionários. Ou seja, enfrentou corporações e adversários, atacou problemas, cometeu erros. Não se encolheu perante o monstro. Médicos, enfermeiros, administradores hospitalares – todos eles sentiram na pele a mudança. O cumprimento do orçamento reflecte esta energia positiva e este acompanhamento sem cedências.

Também é verdade que nenhum outro ministro da Saúde juntou tanto dinheiro para gastar. Não há derrapagens porque, desta vez, o orçamento não era um exercício inútil. José Sócrates atribuiu 8,7 mil milhões de euros à Saúde, um valor ajustado à realidade. Sem o orçamento rectificativo, o governo de Santana Lopes previra gastar cerca de 6,8milmilhões de euros, menos quase dois mil milhões. Claro, era pura ilusão: foi necessário gastar muito mais. O primeiro trunfo de Correia de Campos foi ter capacidade para obter um orçamento real. Assim, pôde entrar nos hospitais e exigir que o levassem a sério.
Dito isto, sobram as dúvidas. Um país sem estatísticas é um país que não se conhece. Na Saúde, a ausência de indicadores precisos, actualizados e públicos sobre a qualidade dos cuidados de saúde deixa muitas interrogações no ar. Permite todas as leituras políticas. Possibilita que se especule sobre o equilíbrio dos cortes efectuados. Daí a fragilidade de Correia de Campos. Além de poupar, ele terá que mostrar que está a melhorar o sistema, a cortar o desperdício, a aumentar a produtividade. Tudo isso sem pôr em risco a saúde das pessoas. Essa explicação tem sido insuficiente, hesitante, guerrilheira. Mais musculada do que informativa. Chegou, no entanto, o momento do ministro encontrar o tom certo. O que não conseguiu explicar no referendo ao aborto, deve conseguir fazê-lo nas políticas de saúde para 2007. Só assim derrotará os lóbis que o ameaçam. E que existem.
André Macedo, DE 13.02.07

20 Comments:

Blogger Vladimiro Jorge Silva said...

Uma mentira tantas vezes repetida acaba por ser tratada como verdade...
CC não forçou a IF a nada - antes pelo contrário: CC é provavelmente o MS que mais favoreceu a IF em detrimento dos outros stakeholders! Não cortou nos gastos do Estado com as farmácias - fê-los crescer menos, com base em medidas pontuais (só possíveis à custa dos doentes...), que só se podem aplicar uma vez e que mascaram o crescimento real.
Encerrou uma ou duas maternidades e ainda nenhum serviço de urgência de hospitais.
Não abriu uma única farmácia em todo o país.
Cedeu à ANF num acordo humilhante para o MS.
Perdeu a luta com a ANF pela possibilidade de pagar directamente às farmácias.
Recuou em todas as medidas inicialmente apresentadas contra os médicos.
Ou seja, CC apenas foi bem sucedido na arte de ser impopular. E é por isso que a sua cabeça está a prémio. Até porque há mais ministros com medidas duras e pouco populares cuja posição está bem consolidada.
À sua maneira pseudo-discreta, o DE fez mais um frete a CC.

10:49 da manhã  
Blogger Beveridge said...

Caro Vladimiro:
Subscrevo integralmente o seu post sobre o falhado CC (o ministério, obviamente).
Quanto ao Diário Económico, está a apenas saldar contas com quem o sustenta.

11:53 da manhã  
Blogger saudepe said...

Uma análise rigorosa.
Parabéns ao André Macedo.

12:55 da tarde  
Blogger saudepe said...

Toda a gente se esquece de um grande/pequeno pormenor: A Saúde é o ministério mais gastador, mais desgovernado. Em função do pacto de estabilidade, CC viu-se obrigado a definir como prioridade das prioridades o controlo da despesa.
A sua missão principal transcendeu o âmbito de actuação do seu próprio ministério.
E como resultado desta política temos a Saúde em dois anos sucessivos a cumprir rigorosamente os limites orçamentais.

Em relação à política do medicamento a redução dos preços dos medicamentos de 6% em dois anos sucessivos, fez-se à custa da Indústria e das farmácias. E isto exigiu confrontação.
As outras reduções fizeram-se também à custa dos doentes. E aqui será questionável se não se foi longe demais.

Quem está contra CC?
Autarcas, corporações em especial os profissionais médicos, ANF, Indústria, concelhias, todos queixosos, feridos nos seus interesses.
CC já deu provas de ser um adversário temível: corajoso, tenaz, conhecedor. Daí a única solução possível: conseguir a sua substituição para que fique tudo na mesma.

1:17 da tarde  
Blogger O Albino said...

oh, 'saudepe' está a brincar com a nossa inteligência? Em função do pacto de estabilidade? e o Luís Filipe Peeira? O CC viu-se obrigado a definir como prioridade das prioridades o controlo da despesa? E o LFP?
A sua missão principal transcendeu o âmbito de actuação do seu próprio ministério? Sim, chegou a sr editor do DE
Como resultado desta política temos a Saúde em dois anos sucessivos a cumprir rigorosamente os limites orçamentais???? e controlada a despesa? e melhorado o acesso? e se falássemos em listas de espera? Ficamos com a impressão de que o 'saudepe' é um membro do gabinete de CC uqe siranda no blogue em vez de trabalhar. Por isso dizem que o que sai do gabinete é fraquito do ponto de vista técnico e que CC está muito mal "adjuvado" a "assessorado".

1:46 da tarde  
Blogger O Albino said...

Este comentário foi removido pelo autor.

1:49 da tarde  
Blogger ricardo said...

Análise rigorosa.
Parabéns ao André Macedo.
Ou não viesse a seguir a liberalização das farmácias!

2:02 da tarde  
Blogger Peliteiro said...

«Oportuno e claro post de Vladimiro. O DE agora avalia os factos que ele próprio tem vindo a criar. Notável.»

Subscrevo Vladimiro e Guidobaldo.

2:06 da tarde  
Blogger Peliteiro said...

Ricardo,
A liberalização da propriedade das Farmácias terá tantos efeitos para a Saúde em Portugal como o terramoto de ontem.

É uma lei iníqua mas inócua!

2:08 da tarde  
Blogger Vladimiro Jorge Silva said...

Uma nota ao Saudepe: embora a redução de preços em 6% afecte inequivocamente as farmácias e beneficie o SNS (mas não directamente os utentes, pois as comparticipações diminuiram ou desapareceram), o seu impacto é muito menor que a redução da margem de lucro das farmácias, que não tem qualquer efeito sobre o SNS e apenas beneficia a IF.
Se CC apenas tivesse "mexido" nos 6% pode ter a certeza de que a ANF mal reagiria a essa medida (que aliás foi o que aconteceu).
Ou seja, nesta discussão não é legítimo utilizar como argumento a favor da "coragem" de CC factos que pouco afectam as entidades "atacadas". A verdade é que, exceptuando a questão das margens (que neste momento são as mais baixas da Europa), o saldo da governação de CC é favorável à ANF, que hoje está bem melhor que antes de CC ter chegado ao poder...!

2:19 da tarde  
Blogger cotovia said...

A Análise do que foi anunciado, realizado, meio realizado e que correu mal, é extensa.

Este artigo do André Macedo foca os pontos essenciais do processo de governação de CC sendo extremamente rigoroso em estabelecer o ponto de situação.
Uma peça de jornalismo de grande qualidade.

3:45 da tarde  
Blogger ochoa said...

Este comentário foi removido pelo autor.

4:00 da tarde  
Blogger ochoa said...

É preciso andar prá frente com o Sistema de Informação da Saúde. O último azar parece ter acontecido com o atraso na entrega do equipamento. É preciso dar a máxima prioridade a este projecto. A construção da plataforma de informação da Saúde devia ter sido para ontem, para deixarmos de andar no escuro a fazer palpites.

Tirando o problema de comunicação/contenção, Correia de Campos é o ministro mais brilhante do XVII Governo Constitucional.
Um grande ministro que está a mexer com o sector de alto a baixo.

O facto de estar com a cabeça a prémio só comprova que está a mexer com os interesses instalados.
Basta acompanhar as intervenções dos dirigentes médicos, para concluirmos que CC acertou em cheio no vespeiro.

Espero que das Jornadas Parlamentares do PS saia uma política de Saúde mais subtil, mais cínica, sem perder o seu carácter reformador de molde a que daqui a meia dúzia de anos possamos ter um sistema de saúde mais eficiente, mais justo e com enormes ganhos de saúde.

4:08 da tarde  
Blogger Xico do Canto said...

Como muito bem sintetizou André Macedo, CC enfrentou corporações, atacou problemas e cometeu erros.

Parece que o saldo da sua actuação é mais negativo que positivo. Poderá registar-se o controlo da despesa, a confirmar-se o pré anunciado resultado, outra vez anunciado, e a anunciar quando as instituições apresentarem as contas definitivas e o TC as sancionar. Mas nesta matéria não fará muito melhor que LFP, ainda que com outra metodologia.

Seguramente que ninguém esquecerá os seus pecadilhos:
a) encerrou Maternidades sem prévia explicação – o votante e autarcas não gostaram;
b) encerrou urgências, tentando emendar a mão nas explicações, mas – o votante e autarcas não gostaram;
c) disse que iria reduzir a despesa com medicamentos, sem custos adicionais para o doente, mas o que se sentiu foi o contrário para o doente – votante, que não gostou;
d) aumentou as taxas moderadoras e – o votante não achou graça nenhuma;
e) não satisfeito, criou novas taxas moderadoras, ditas de punição e – o votante jurou vingança;
f) cortou na bagunçada das horas extraordinárias do pessoal médico, que se queixa pessoalmente ao votante em campanha tipo porta à porta e – o votante, sem outras explicações, mais revoltado fica;
g) deu orientações para acabar com os horários acrescidos do pessoal de enfermagem e lá se cria mais uma frente anti voto;
h) com grande alarde anunciou que iria por a ANF nos eixos – saiu derrotado em toda a linha.
i) liberalização das farmácias – tanta parra para tão pouca uva;
j) venda livre de medicamentos – a montanha pariu um rato, dirá o JS arrependido do desgaste de imagem;
k) enfoque no consumo de genéricos – puxão de orelhas da AR.

Mas pior que estes seu pecadilhos são o seu imperdoáveis pecados mortais:
a) fala do que não deve falar, enquanto político e governante;
b) fala quando não deve falar;
c) fala descuidadamente;
d) não fala quando devia falar;
e) afronta desmesuradamente quem é mais forte que ele;
f) anuncia mais do que depois faz.

Que consequências se podem esperar:
a) das coisas acertadas que fez ninguém lhe presta público reconhecimento, principalmente o partido que usa e deita fora;
b) Os votantes desagradados não se irão esquecer nas próximas eleições;
c) E, obviamente, o partido precisa mais do Zé votante e, para bom entendedor meia palavra basta.

4:11 da tarde  
Blogger Linda said...

Infelizmente, não parece que Sócrates esteja disposto a 'estragr' o balão de oxigénio que conseguiu com esta 'vitória' no Referendo. Foi-lhe dificl defender que o mesmo acontecesse agora e tudo está planeado desde o inico para que, aos dois anos de governação, quando a coisa começa a ficar negra e a popularidade em risco de cair,houvesse uma 'vitória' eleitoral que aguentasse o barco até 2008 (entrentanto tem a Presidência Europeia para distrair o povo com as minorias étnicas). As medidas na Saúde estão correcta mas o CC é trapalhão e não tem qualidade técnica no gabinete para o ajudar a dar a volta. A menos que alguém consiga dar a volta ao Sócrates. Mas, o Rei vá nu...

4:57 da tarde  
Blogger martinho said...

Este comentário foi removido pelo autor.

6:52 da tarde  
Blogger martinho said...

Oh, linda! Que silêncio provocou o seu comentário!

6:53 da tarde  
Blogger helena said...

As políticas são acertadas. À falta de melhor critica-se o estilo, pormenores bagatelas.
O que está em auasa são os interesses individuais e de classe.

9:15 da tarde  
Blogger Clara said...

As políticas estão correctas.
É necessário apenas melhorar o método.
O que irá acontecer após as Jornadas Parlamentares de Óbidos?

Inflexão da Política de Saúde (por exemplo, adiamento sine dia do encerramento das urgências, redefinindo novas prioridades?).

Tentar melhorar o método: mais contenção, melhor comunicação. Penso que as recentes medidas para enfrentar a gripe sazonal já foram postas em prática dentro deste novo espírito: tomem lá horas extraordinárias (profissionais) e supositórios (populaça utente).

O problema está em saber se o essencial da política de Saúde deste Governo vai ser mantido.
E o que é o fundamental desta política? A privatização, como é evidente!
E para cumprir este objectivo nada melhor do que aguardar pela entrada em funcionamento das PPPs. As corporações da Saúde hão-de ver então como elas amargam.

11:56 da tarde  
Blogger Diabo de Saias said...

Aprecio.

Todos diferentes e todos iguais. Uns querem estoirá-lo por dentro. Outros pela oposição. Uns são so PS descontente outros eram dele e estar a inverter a marcha.

Não tem quem o safe. Talvez a Predidência da CE o safe.

9:32 da tarde  

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