quinta-feira, março 1

Urgências e Prioridades

H.I.D. Pedro, EPE-Aveiro









Parece que a “Guerra das Urgências” passou à fase das escaramuças pós armistício, com as quais as partes beligerantes, finalmente convencidas das sem razões da guerra, procuram obter as vantagens possíveis, mesmo que estas mais não sejam do que lavar a face. O que é bom, porque ambas as partes precisam.
1. Porque “a requalificação dos Serviços de Urgência” é, efectivamente, um processo complexo e extenso, o Post assinado por João Semedo “Urgências: para pior já basta assim...” de 28.02.2006) centra-se na definição de prioridades, e bem, porque é muito importante (já o teria sido antes da “guerra”). Assim, afirma JS “manda o bom senso e a inteligência que a requalificação dos serviços de urgência comece pelas urgências polivalentes e pelo sistema de emergência hospitalar”. Não sei em que medida estarei de acordo com JS, porque ele não avança o que se comporta na requalificação que defende dos SUP e pelo “sistema de emergência hospitalar”. Suspeito, porém, que não teremos o mesmo entendimento.
2. É evidente que os SUP – e penso principalmente nos tradicionais, de Lisboa, Porto e Coimbra – estão muito longe de funcionarem bem. Mas também salta à vista desarmada que o seu problema não é de falta de recursos (que, só pontualmente, não serão bastantes), mas sobretudo de falta de organização, que afecta quer os recursos que já mobilizam, quer os existentes noutras áreas. O grande obstáculo ao seu bom funcionamento está no congestionamento durante os horários da manhã e da tarde, até às 23.00/24,00 horas, ou seja, na resposta insuficiente que os utentes recebem do ambulatório programado, quer do hospitalar (CE e HD), quer da área dos CP. Relembro que mais de 50% dos utentes, são-no de sua exclusiva iniciativa e poderiam, deviam, ser atendidos pela área dos cuidados primários. Não o são porque temos uma visão e uma política excessivamente centrada no hospital e claramente pouco aberta para os cuidados de proximidade (CS/MF).
3. Eleger como prioridade de investimento os SUP terá, previsivelmente, os seguintes resultados:
- não resolverá o problema dos SUP, porque a uma melhoria de resposta corresponderá um aumento da procura, mantendo-se o congestionamento que os afecta num processo de ciclo vicioso;
- prejudicará o desenvolvimento da área dos CP/MF, porque os recursos são limitados e o que se investir num dos lados não será investido no outro (médicos e outros recursos humanos e recursos financeiros);
- afectará negativamente a produtividade dos HH em que os SUP se inserem (diminuição da actividade programada), também daí resultando maior recurso ao SU;
- nada contribuirá para maior equidade do SNS: dando mais um contributo para a excessiva concentração de médicos (e dos restantes recursos) nos grandes centros com prejuízo dos restantes HH que, não conseguindo fixá-los, ficam forçados a recorrer a formas de contratação mais onerosas, designadamente pagamento de horas extraordinárias sistemáticas. A propósito, recorde-se o que foi referido por um médico no recente debate na RTP1: o que pesa, “o problema, não é ter 1 ou 2 médicos à noite nos SAP da província/«mundo rural» mas muitos médicos em Lisboa, Porto e Coimbra. Deu como exemplo «a cidade de JMS onde há 100 médicos á noite para 35 doentes!»(Ver post
“Debate das Urgências de 28.02.2007).
4. Por estas razões sou de opinião que a intervenção ao nível dos SUP – continuo a falar apenas dos situados em Lisboa, Porto e Coimbra – deve incidir muito principalmente na promoção da eficiência dos recursos existentes. Por exemplo, não vejo razões que justifiquem que, num raio de 8 Kms, se mantenham a funcionar 4 SUP, 24 horas por dia, sendo conhecido que, no período da noite, a procura é drasticamente reduzida, quase nula em algumas das especialidades que fazem parte das respectivas equipas de serviço. É o que se verifica no Porto. Não bastariam 2 a partir das 24.00 horas? E em Coimbra, por que não encerrar o SUP do CHC a partir das 24.00, já que CC (“Debate das Urgências de 28.02.2007) “reconheceu que seria difícil fechar um dos 2 hospitais de Coimbra (nada disse quanto à possibilidade de articulação dos hospitais para disponibilizarem uma urgência apenas)”? Difícil? E será fácil pagar impostos e ouvir dizer que se corre o risco de não chegarem? Se, efectivamente, as dificuldades de sustentabilidade financeira do SNS são reais e não se esgotou ainda o alardeado capital de coragem do Governo, por que não investir esforços nesta linha que poderia libertar recursos importantes para investir noutras áreas ou noutros locais?
5. Diferentemente de JS considero que áreas verdadeiramente prioritárias seriam:
i) O socorro pre-hospitalar, colmatando as debilidades da rede de primeiros socorros e de transporte de doentes, onde elas existam (não só ambulâncias mas também tripulações adequadamente preparadas para as decisões que lhes competem, em articulação e colaboração com as SUB, já que estas estão previstas), porque essas debilidades não são compatíveis com uma rede de urgência que, ao nível da intervenção, terá o seu êxito dependente do que forem os SUMC. Será isto que JS designa como sistema de emergência hospitalar?
ii) Salvo em caso de catástrofe, os SUMC que deverão ser dotados de capacidade para tratar e reter, pelo menos 90 a 95% das ocorrências (todas as que não façam apelo à intervenção das chamadas “especialidades raras”);
iii) Lateralmente (porque já não estaremos no âmbito da rede de Urgências), mas concomitantemente, criar resposta alternativa e de proximidade na área dos CP (SAP, previsão de horários para consultas não programadas, USF) para os SU cujo encerramento está previsto.
6. A meu ver, será pela intervenção nestas áreas que a resposta às necessidades poderá ser melhorada significativamente também nos SUP dos HHCC, e não continuando a insistir numa via que os últimos 30 anos já demonstraram ser a solução errada.
AIDENÓS

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7 Comments:

Blogger ricardo said...

«Preocuparam-se os membros da Comissão Técnica em definir o que se deve entender por "emergência" (eminente ou já instalada falência de funções vitais) e por "urgência" (risco de falência de funções vitais) sendo que só as situações clínicas enquadradas nestas definições é que deverão dar entrada nos pontos de rede propostos.
Todas as outras, as "agudas" (de aparecimento recente) não sendo consideradas "emergentes" nem "urgentes", deverão ser resolvidas no mesmo dia ou em horas, não nos pontos de rede de urgência mas em "consulta aberta" nos Centros de Saúde locais.

Repetidamente fazem os técnicos da comissão, referência à rede actual de serviços de urgência, considerando que muitos dos actuais postos de atendimento são "clandestinos" por não fazerem parte do plano definido em 2001.

Mas ao cidadão comum não interessam as definições técnicas dadas aos conceitos "emergência", "urgência" e "todas as outras situações agudas" referentes à tipificação da patologia e sua gravidade.
Não lhe interessa se ao serviço de atendimento urgente actualmente existente na sua cidade ou vila, lhe chamam indevidamente Serviço de Urgência, Serviço de Atendimento Permanente ou SASU.
Não lhe interessa se o Serviço de Urgência a encerrar, faz ou não faz parte do plano de rede de referenciação de urgência/emergência elaborado em 2001 e que nunca terá sido aplicado, mas que efectivamente existia e funcionava.
...
Parece-me ser esta uma das fraquezas deste relatório: Vocacionar, quase que em exclusividade, esta rede para estas situações clínicas extremas.

E todas as outras? As que "não sendo urgências nem emergências, mas que carecem de resolução rápida (no mesmo dia ou horas)", onde e em tempo útil, vão ser tratadas? Por quem e como?
E isto também deve preocupar a população.
Mas o que interessa também ao cidadão preocupado é o poder vir a ser retirado um Serviço de Saúde que lhe tem dado resposta em tempo útil à "sua urgência", seja ele considerado SU (clandestino), SAP ou SASU.

Que a "sua urgência", quando considerada emergente ou urgente, seja correctamente triada, estabilizada, referenciada e tratada no seu devido local, sim, mas que também as outras "suas urgências" (por técnicos consideradas "agudas"), sejam também correcta e atempadamente diagnosticadas e tratadas.»
JF- Que raio de saúde a nossa

9:30 da manhã  
Blogger Folclore said...

"... E que o Deus que eu não tenho, ou me perdoe se blasfemo, seja capaz de dizer basta a "serviços domésticos" defendidos ao mais alto nível.

Somos assim.
Queremos tudo.

A excelência não se compadece com estes "serviços domésticos", (que me perdoe quem faz do serviço doméstico profissão, já que, afinal, todas as outras fazemos serviço doméstico. Não, não é contra vós o meu discurso. Bem-hajam).

É contra esta mentalidade de achar que se pode tudo sempre.
Mas não podemos.
Há que escolher, priorizar e, pelo menos tentar, dar o melhor. O melhor, neste caso, de um país, embora pequeno, não pode ser um critério subjectivo. Não pode ser o das "nossas urgências"; a urgência daquele que vai depois de jantar ao SU, quando lhe dá mais jeito. A urgência não serve nem pode servir para isso.

É que existem verdadeiras urgências e emergências, que, sim.... verdade... essas não podem ir aos Sap's, consultas abertas ou de recurso, SASUS, CATUS, AC...

Para isso sim, reforcem-se os cuidados de saúde primários.
É outra história, que ninguém parece querer ver.
Vamos por partes.
(...)

"nãoseiquenomeusar" - que raio de saúde a nossa

9:49 da manhã  
Blogger tambemquero said...

Não aceitamos ver encerrar um serviço útil e insubstituível para uma população abandonada no interior, pelo único critério de só realizar três ou quatro atendimentos numa noite, porque um desses atendimentos pode ser o filho único de alguém que fica sozinho, ou pode ser o velho que não consegue ir mais longe. Não somos capazes de nos calar quando assistimos a decisões tomadas em subordinação ao critério de qual é o mais forte e de quem detém o maior interesse.
PEDRO NUNES - Congresso Nacional de Medicina.

Demagogia obtusa, barata, reaccionária.

Não sei o que será mais surpreendente no Pedro Nunes: agressividade, corporativismo bacoco, reaccionarismo. Um bastonário a roçar os limites do básico.

9:52 da manhã  
Blogger Vida Nova said...

Mais um excelente artigo do aidenós a repor o problema no seu devido lugar.

Não é possível querer equidade e eficiência para o SNS e continuar a expandir os SU de Porto, Lisboa, Coimbra - a prioridade deverá ser no investimento e na organização adequada das urgências médicos-cirúrgicas. O ajustamento proposto nos SUP pelo aidenós é necessário e urgente, devendo ser acompanhado de oferta de atendimento não urgente (pequenos problemas).

Não é possível ter qualidade e resposta eficaz em pequenas unidades desprovidas das competências e condições - instalações, equipamentos, serviços - como é o caso dos SAP. Acresce que desviam um volume considerável de recursos da sua finalidade: atendimento imediato, ou quase, da população - presencial, programado e não programado, telefónico e domiciliário.

É possível «concomitantemente» com a abertura das urgências básicas ajustar os horários do atendimento permanente dos CS (8 às 22 horas, nalgumas situações até às 24 horas). As USF são a «verdadeira» solução pelo que os CS deverão ser rapidamente convidados a adoptarem a mesma organização e resposta.

É possível defender mais SAPs, mais SUs e mais médicos para cada um dos «pontos»?
É, se quizermos afundar o país e o SNS, e pode ser feito com muito folclore e manipulação da população, mas não passa de oportunismo e demagogia gratuita.

10:58 da manhã  
Blogger tonitosa said...

Nos cursos de economia, há muitos anos que se estuda o problema da dimensão óptima das empresas e da sua dimensão mínima, particularmente no que respeita ao fornecimento de bens e serviços públicos.
É evidente que as ditas horas mortas têm custos fixos inevitáveis e nem por isso devem parar as organizações.
Ou será que as centenas de autocarros que circulam pelas cidades, foras das horas de ponta e quase vazios, devem deixar de realizar essas viagens? E não é à custa de subsídios às empresas que essas actividades se mantêm?
Se assim é nesses domínios, que dizer do domínio da saúde?
Há limites e serviços mínimos que têm que ser mantidos e devem sê-o. Coisa bem diferente do "desperdício" e do pagamento de horas de trabalho não realizadas e presenças desnecessárias!
Na verdade há vida para além do défice!...

11:25 da manhã  
Blogger e-pá! said...

O processo das Urgências dá, novamente, claros indícios de estar em "derrapagem".

Vejamos:
a) – No auge da contestação, o Governo vem a público declarar que o processo de requalificação das urgências carecia, ainda, de uma decisão política;
b) – E mais não se acrescentou, deixando em “suspenso” as conclusões e recomendações do relatório técnico, entretanto, já publicamente adoptadas por CC;
c) - Depois da intervenção do ministro Pedro Silva Pereira, na sequência de um conselho de ministros, é notória a convicção de que CC tinha perdido a capacidade de gestão política deste processo;
d) – Apesar destes condicionalismos, e da fragilidade da posição de CC, decorrem negociações com autarcas (Vila do Conde, Cantanhede, Espinho; Fafe, Macedo de Cavaleiros, Montijo e Santo Tirso) que terminam com a assinatura de protocolos;
e) – A boa prestação, quer da Comissão Técnica quer de CC, conseguida, no campo de uma serena discussão da proposta requalificação, no programa “Prós e Contras”, devolve ao MS um novo fôlego;
f) – Esta oportunidade é aproveitada por CC para prosseguir com as negociações com as autarquias que sentiam “atingidas”, accionado mecanismos, digamos, compensatórios.
g) – Entretanto, apesar do esclarecimento e divulgação das razões técnicas, não aparece à luz do dia qualquer gesto, ou intenção, sobre a prometida decisão política;
h) – Sócrates, no debate mensal da AR, confrontado pela oposição parlamentar, dá um apoio genérico às opções técnicas de requalificação das urgências e, indirectamente, sustenta CC;
i) – A partir destas declarações do PM, que primam pela omissão de conteúdo político, morrem as expectativas de eventuais “ajustes”, insistentemente reclamados pelos autarcas;
j) – Este “silêncio” é, no plano político, fatal, devolvendo espaço reivindicativo aos autarcas e incentivando as populações para a senda da contestação de rua;
k) - As negociações promovidas por CC, de carácter eminentemente técnico, sujeitam-se a decorrer em condições difíceis e com maiores probabilidades (riscos) de insucesso;
l) – É cada vez mais notório e perturbador o impasse político;
m) – A reunião de hoje entre o MS e os Municípios do Alto Tâmega é o indício visível dessa derrapagem…

… e da eminente devolução da “guerra das urgências” à área política, com todas as consequências que lhe estão inerentes.

Vamos esperar para ver!

11:11 da tarde  
Blogger COSME ETHICO said...

A propósito de «urgências» e «SAPs» muito e variado se tem escrito aqui no blogue. Pena é, porém, que muitos não tenham perdido algum tempo em leitura e reflexão sobre o que está em causa, mínimo que se esperava de quem está «dentro» do SNS, antes aproveitando para demonstrar a sua ignorância e pressa de «ficar na fotografia». Porque alguns pediram «que lhe explicassem» aqui vão alguns esclarecimentos e notas éticas.

Um SNS com a eficácia dos outros

Um SNS caracteriza-se, também, por assentar em cuidados primários e no seu papel: «atendimento imediato ou quase, da população – presencial, programado e não programado, telefónico e domiciliário» (VidaNova). O que tem acontecido em Portugal, diferente doutros SNS?

1)Planearam-se os CS e dotaram-se com os meios necessários, numa orgânica de administração pública e função pública (carreira, remuneração independente dos resultados, etc.). A experiência de muitos anos evidenciou problemas de oferta, para além de reduzidas produtividade e qualidade: nº consultas insuficiente e muitos dias (meses) à espera; alguns cuidados ou não existem (atendimento médicos telefónicos) ou são de volume muito reduzido (consultas domiciliárias).

2)Se as pessoas não têm resposta «imediata, ou quase» o que fazem? Recorrem ao atendimento não programado no SNS (SU, SAP) e ao sector privado. Quais os problemas desse comportamento, de dimensão sem paralelo noutros SNS?

a)Cria círculo vicioso nos CS: MF estão nos SAP (ou nos SU) a atenderem doentes doutros colegas, daí redução de oferta em consultas programadas, mais doentes sem MF e tempo de resposta cada vez maior. Daí resulta: despersonalização dos cuidados e justificação para doentes recorrem aos SAP e SU, e, como a produtividade nos SAP é menor, o nº de consultas possíveis não realizadas é muito elevado. Nada disto se passa noutros SNS.

b)Alimenta círculo vicioso nos SU: na tentativa de responderem à procura inapropriada os HH aumentam a oferta e geram ainda mais procura, doentes têm atendimento mais rápido que nos CS e com MCDT. Gera-se aumento do desperdício, seja por duplicação de actos, de meios de diagnóstico e prescrição de medicamentos, seja por deslocar médicos do atendimento programado para SU – menos consultas e operações são realizadas (aumenta a lista de espera nos HH). Nada disto se passa noutros SNS.

c)Incentiva MF ao que não deve: MF ao invés de se concentrarem em actividades no CS – promoção da saúde e actos curativos – dividem-se por SAP, SU e «na privada» (medicina do trabalho, consultas em regime liberal). Esta divisão/pluriemprego gera desresponsabilização pela resposta eficaz ás famílias a seu cargo, avilta a qualidade do atendimento, faz perder a confiança dos doentes e prejudica a continuidade de cuidados (MF já esteve…). Nada disto se passa noutros SNS.

d)Actos excessivos no sector privado: os problemas referidos anteriormente (tempo de resposta elevado nos CS e falta de confiança, espera elevada, etc.) geram excessivo recurso ao sector privado, visto que:
i) Algum é indesejado pelos doentes: têm que pagar e «não podem», gera despesas de deslocação, etc.;
ii) Muito actos são duplicados e provocam prescrições desnecessárias (meios diagnóstico, medicamentos). Nada disto se passa noutros SNS.

3)SU eficazes? Muitos SUs têm evoluído ao arrepio das normas técnicas instituídas (RRH) e por pressões ilegítimas (autarcas, gestores, profissionais), daí resultando gastos e inapropriação elevadas e um consumo exagerado de horas de médicos. A oferta de SU é excessiva e não está adequada às necessidades ditadas pelo planeamento, em função da população e do papel a desempenhar – hierarquia e complementaridade técnica. Esta tendência contribui MESMO para «afundar o SNS»: falta de sustentabilidade (financeira); falta de capacidade de resposta em atendimento programado nos HH; oferta tardia e de má qualidade nos CS; insuficiência de procura da medicina familiar – muitos médicos preferem continuar como tarefeiros de SU, etc. Nada disto se passa noutros SNS.

Perante isto, que fazer? Continuar a alimentar os círculos viciosos e a gerar insuficiência artificial de médicos ou rapidamente inverter a tendência e alinhar com a organização dos restantes SNS?

Diferença entre SAP e consultas não programadas me USF

Numa USF verificam-se as seguintes diferenças face ao CS «habitual»: maior nº de doentes a cargo, muito maior oferta programada (consulta, visita domiciliária), atendimento não programado em horário adequado e conhecido, dos próprios doentes e doutros (apenas em substituição de MF). Consequências destas alterações?

1ª Diminui o nº pessoas sem MF, contribuindo para reduzir a procura de SU e SAP;

2ª Melhora a acessibilidade da população ao seu MF, mesmos efeitos que ponto anterior;

3ª Como os doentes se sentem confiantes com o seu MF não têm tanta tendência a duplicar consultas, nos SU ou na actividade privada;

4ª MF têm retribuição em função do nº de doentes e do nº de actos que fazem, daí incentivos para melhorarem a produtividade, a qualidade de resposta e para se concentrarem na actividade do CS;

5ª O efeito negativo do atendimento não programado é reduzido – dado o menor nº de horas e porque MF aproveitam para fazer outras actividades, quando não estão a atender doentes (ex. renovar receitas).

Nos SAP temos MF e enfermeiros a atender qualquer doente e num período longo (ex. 24 horas). Assim o efeito é triplamente pior:

-Nos custos, pelo maior nº de horas, pela qualidade das horas e por prescrição menos adequada – nos USF são essencialmente os seus doentes, daí menos duplicações e erros de prescrição;

-Nos efeitos no SNS, pois mais horas com baixa produtividade no SAP, representa menor disponibilidade para dar resposta à actividade programada – menos consultas e maior tempo de resposta levam a maior procura do SAP e SU, com consequências negativas para o SNS;

-Muitos médicos actuam como tarefeiros nos SAP e SU, e enquanto forem bem pagos resistem a aderir a MF, o que atrasa o ajustamento necessário nos MF e dificulta o aumento do nº de USF a funcionar.

Por isso concordo com a afirmação aqui feita por VidaNova: «… USF são a verdadeira solução … os CS deveriam ser rapidamente convidados a adoptarem a mesma organização e resposta» (meu sublinhado).

O é-pá brindou-nos com muitos provérbios e opiniões, mas infelizmente ainda não foi desta que foi à «causa das coisas», daí estas breves notas (breves visto que há poucas ideias/substância no seu comentário).

1ª Refere-se à «pressa do MS» na reforma dos SAP e SU, pretendendo que se visam apenas «ganhos orçamentais». O que se passa é que depois de tantos anos sem nada se fazer o que devemos afirmar é que a reforma é mais lenta do que devia ser: mais USF deviam estar a funcionar, o call-center devia estar a funcionar, SU e SAP sem sentido já deviam estar fechados (e não estão). Depois os «ganhos orçamentais», se forem redução do desperdício, são bem vindos quanto mais cedo melhor. Mas o aumento de oferta no SNS (primeiro nos CS e depois em consultas e operações nos HH) provocará aumento de despesa.

2ª Registo a sua preocupação com o tempo de espera no SU no período das 24 às 8 horas, e com a recusa em admitir que, «como nos automóveis em que nos deslocávamos... cabia sempre mais um». Ora o nº de atendimentos por médico nesse período é muito pequeno (tipo: «100 médicos para 35 doentes em Coimbra») pelo que não só cabe mais um como cabem muitos mais e por essa via satisfazemos os médicos (ninguém gosta de sentir que não está a ser útil e de estar muito tempo sem nada para fazer) e os doentes que precisam mesmo de atendimento urgente. O que deve perceber é que ter tempo de espera em SU elevado para atendimento inapropriado é não só normal como desejável: dado que é quase gratuito é das poucas estratégias que se pode usar para o desencorajar agora (e deve sê-lo) e para evitar a indução de procura futura (que o aumento de oferta no SU geraria).

1:53 da tarde  

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