
A Guerra das Urgências (Post do Xavier, de 19.02.2007) motivou-me para reler atentamente a proposta final da CTAPRU. link Confesso que valeu a pena, porque a leitura trouxe-me alguma surpreza, veio confirmar algumas das convicções que já tinha e, sobretudo, convenceu-me de que, como suspeita o Xavier e como, implicitamente, afirma Manuel Carrageta director do serviço de cardiologia do hospital Garcia de Orta, afinal a proposta não será, assim, tão injusta.
1- A surpreza tem a ver com a constatação de que 34 das 73 Urgências em funcionamento, afinal são urgências “clandestinas” (não constavam na R.R. das Urgências de 2001). Sabia que havia algumas, não pensava que fossem tantas.
Algumas já estariam em funcionamento em 2001. Ter-se-á permitido a abertura de outras posteriormente. De qualquer modo, ressaltam duas conclusões:
- Durante cinco anos, não houve determinação ou coragem para decidir o seu encerramento;
- Durante cinco anos, entendeu-se como normal que, tenhamos financiado o seu funcionamento “na clandestinidade”, ou tudo se passou como se assim se tivesse entendido. Já repararam no que isto significa? Por um lado, o Estado considera que esses serviços são “clandestinos” ou irregulares: não fazem parte da sua rede; pelo outro, o mesmo Estado continua a disponibilizar-lhe os recursos para se manterem tais como são. A propósito, em 2005, só 11 das “Urgências” cujo encerramento está proposto gastaram 28.047.378 Euros, (Ver link ) segundo o IGIF, Contabilidade Analítica de 2005 . Neste montante não se incluem o H. Curry Cabral e os CH da Cova da Beira e da PVVConde, para os quais não encontrei informação desagregada que permitisse tomar apenas a parte correspondente aos SU a encerrar).
2- Passemos à proposta da CTAPRU.
2.1 - É indiscutível que apresenta pontos fortes. Destacaria os seguintes:
a) Preocupou-se em encontrar e em alicerçar-se numa base de racionalidade: enunciou critérios para definir os pontos de urgência, discutiu e obteve a validação desses critérios em base mais alargada do que o âmbito da própria Comissão;
b) Enunciou claramente o objectivo que a proposta deveria cumprir: garantir para 90 % da população raios de distância/tempo (do ponto de socorro ao local) não superiores a 15 minutos e a 30 minutos, respectivamente em áreas urbanas e em áreas rurais. A ambição do objectivo sai claramente afirmada quer pela própria revisibilidade e ajustamento – que reivindica – quer pela melhoria garantida dos tempos de resposta para toda a população;
c) Obteve confirmação técnica, do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Coimbra, de que a proposta cumpria o objectivo prosseguido;
d) Reconhece devidamente o papel fundamental que tem de ser exigido ao INEM, no socorro pré-hospitalar, e a importância da preparação do pessoal em ambas as fases do socorro (pré-hospitalar e hospitalar);
e) Afirma que a RRH tem natureza indicativa, deixando a decisão do destino do doente dependente da avaliação da sua situação clínica feita no local, quando possível;
f) Claramente recomenda que a implementação deve ser gradual e sujeita a verificação prévia de condições: em termos de melhoria de acessibilidades, de melhoria de requisitos de funcionamento dos pontos de SU que devam subsistir (sobretudo SUMC e SUP); de dotação adequada de recursos na área do socorro pré-hospitalar.
2.1 - A meu ver, a proposta da CTAPRU tem também debilidades. Limitando-me ao que considero mais importante, referirei:
a) A Comissão não confunde, mas não dá suficiente relevo à distinção entre atendimento permanente e, por outro lado, emergência e urgência, distinção que parece verdadeiramente fundamental. Podem corresponder, correspondem, a necessidades reais da população; mas diferem profundamente nos recursos exigidos para lhes dar resposta, na praticabilidade da dessiminação desses recursos por todo o lado e também na sede própria em que devem inserir-se. Ao não relevar convenientemente esta realidade como que legitima e inculca uma reacção do seguinte teor: ainda não temos condições de SUMC, mas o mal está aí; por que não nos são dadas?
b) Consequentemente, distribui SUB por HH e por CS, sendo estes a meu ver, a sua sede própria, nem sequer indicando uma linha desejável de evolução para os casos em que a SUB tenha, por agora, de ficar no Hospital. Perdeu a oportunidade de, por mais esta via, dizer à população que os HH são serviços a que se deve aceder por referência médica, e quão importante é a intervenção dos CP na gestão da promoção da saúde e no combate à doença; não podemos esquecer que mais de 50% - mais de 4 milhões/ano – dos utentes dos SU são-no por iniciativa própria e receberiam resposta mais adequada à sua situação se, em vez de um SU, tivessem procurado um SAP; não falaremos agora de consequências em termos de consumo de recursos (repetição de exames, alteração de terapêutica, etc.);
c) Ainda consequentemente, o reconhecimento pela RRU do escalão dos SUB (mínimo de 2 médicos e 2 enfermeiros) parece discutível pelo pouco que acrescentará, em termos de intervenção, a uma triagem feita no local e será, possivelmente, causador de perdas de tempo e de risco acrescido para as situações que devam ser classificadas de emergentes ou urgentes.
d) Excepção feita ao SU do H. Curry Cabral, a proposta é omissa no que se refere às áreas urbanas de Lisboa, Porto e Coimbra. Em qualquer delas são mantidos vários SUP, a funcionar 24 horas por dia e com procura claramente diminuída, particularmente pronunciada em algumas das especialidades que os integram. Fica a convicção de que uma melhor coordenação de recursos poderia ser conseguida com economia sensível e sem prejuízo para os utentes.
e) Globalmente, poderá dizer-se que que não é feita suficientemente a clarificação da situação à partida e à chegada, saindo diminuída a evidência dos resultados positivos esperáveis da proposta da CTAPRU. É admissível (preocupação de não exceder o mandato?) que posteriormente se complementem aspectos agora omitidos: qual a resposta para a necessidade de atendimento alargado ou permanente, rede de SAP, normas explícitas de triagem de acidentados e urgentes, etc.; mas, a sua inclusão na proposta explicitaria a sua consistência e ajudaria à sua aceitabilidade
3. Sendo indiscutível que o MS têm o direito e o dever de implementar uma RRH de urgência e de o fazer com qualidade, tempo de resposta e eficiência – como diz Manuel Carrageta ao Correio da Manhã “É um dever o Estado garantir a segurança e a dignidade do cidadão. As Urgências têm a ver com a segurança”, porque surgiu, afinal, a “Guerra das Urgências? O que me parece é que ela é compreensível da parte dos que a travam e era esperável. É certo que a proposta teve um período de discussão pública, mas a população não lê relatórios técnicos e a informação que lhe chegou foi que o MS ia extinguir o seu SU ou o que considerava como tal. Na maioria dos casos, população descriminada pelo factor interioridade ou de afastamento dos grandes centros, que tem assistido a uma série de decisões que, não se discutindo a sua bondade, tem levado à perda do que considerava os seus factores de afirmação (quartéis, esquadras, escolas, outros serviços públicos, tudo menos impostos que continua a pagar pelas taxas nacionais). Agora também serviços de saúde? Continuando a citar Manuel Carrageta: “Essa medida pretende melhorar as Urgências, a capacidade de atendimento e a resolução dos problemas. É uma medida que tem de ser criada gradualmente. As alternativas confiáveis e seguras têm de ser criadas antes de se fechar qualquer Urgência. Tem de haver um trabalho de preparação da população nas cidades ou localidades onde vão ser encerradas as Urgências. Se não for feita essa preparação das pessoas para aceitarem com tranquilidade e com a sensação de que vão ganhar com isso, que a Urgência é bem encerrada, então vai-se criar instabilidade e um sofrimento que é preciso evitar a todo o custo.”
4 Entretando a situação evoluiu, e ouvimos o Ministro da Presidência a apagar o fogo de reacção descontrolada de CC e assistimos agora à assinatura de acordos com os Autarcas contestatários. Há que reconhecer que, num caso e noutro, não será o armistício mais honroso para quem, antes da guerra, tinha do seu lado razão de sobra.
AIDENOS
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