sexta-feira, setembro 28

A identificação biométrica


Dos profissionais da saúde

Perguntar se o Controlo de assiduidade biométrico nos HHs do SNS provoca rigidez e diminui a produtividade ou é um Controlo mais justo e equitativo não são perguntas em alternativa, e, como diz o É-Pá, abrem um “leque muito estreito”.

Não são perguntas alternativas porque a flexibilidade e a produtividade são compatíveis com a justiça e a equidade, tanto como o são com a injustiça e com a diversidade dos processos de controlo da assiduidade. E vice-versa. De resto, justiça e equidade são conceitos excessivamente nobres e ricos para que uma qualquer uniformidade de processos de controlo de assiduidade vá muito para além da sua extrema periferia. Além disso, associar rigidez, pressuposta a partir da uniformidade do controlo da assiduidade, e diminuição de produtividade não me parece que reúna maior legitimidade, antes parece conter um apelo a uma reacção de “braços caídos” ou, pelo menos, de não iniciar o que não houver a certeza de poder ser concluído antes que o horário termine, apelo este que, estou certo, a grande maioria dos profissionais não aceitaria.

A pergunta que fica escamoteada pode perceber-se pela reacção às que foram formuladas. Não é o controlo biométrico que causa receios aos que, actualmente, não marcam ponto, e atenção, que não são só os médicos que estão nesta situação, mas, de um modo geral, todos os técnicos superiores e o pessoal de chefia, sendo os médicos apenas os mais evidentes. O que custa aceitar é o controlo, seja por que processo for, se puser em causa a “flexibilidade” instalada. A tal que permite a assinatura do ponto ao dia, à semana, ou mesmo ao mês e à qual, nos momentos de seriedade, ninguém poderá reconhecer aptidão para ser tomada como um dos factores integrantes da avaliação profissional. No entanto, o que pretendo não é deixar aqui uma acusação generalizada a todos os profissionais ou mesmo a qualquer grupo profissional, pois sei que nem todos recorrem a essa flexibilidade. Sei de outros que, não registando como deviam a sua presença, cumprem integralmente a sua obrigação de trabalho e, finalmente, de alguns cujo trabalho se reduz à pontual assinatura do ponto.

E acrescento mais. A medida que se pretende implementar só peca por tardia e, por si só, pode ter resultados apreciáveis na produção hospitalar. Não podemos esquecer que o trabalho hospitalar é, em larga medida, trabalho em equipa e que o simples atraso de um só elemento pode adiar, ou diminuir a segurança do trabalho de todo o conjunto. Por exemplo no trabalho em Bloco Operatório, com todas as consequências que me dispenso de tentar enumerar.

Mas, se o objectivo fosse apenas o controlo da assiduidade, diria que poderia ser atingido por outros meios, evitando uma guerra que não paga os custos a suportar. Como simples proeza a arrolar no Progresso Tecnológico, também me parece de reduzido alcance.
Na verdade, reduzir a utilização da identificação por dados biométricos ao controlo da assiduidade parece-me uma visão muito pobre do que está em causa e é, seguramente, em minha opinião, apenas pequena parte do que faz falta. Só se entende como o início dum processo, primeira etapa necessária para atingir as restantes que são as que verdadeiramente interessam. E essas têm a ver com a segurança, com o registo de todos os actos – diagnósticos, terapêuticos ou simplesmente de cuidados – que se integram no processo de tratamento do doente, com a atribuição dos actos aos profissionais que os praticam, com a objectivação da avaliação dos profissionais, com a atribuição de incentivos ou remunerações variáveis numa base objectiva, relacionada com a produtividade e com o mérito demonstrado. Sejamos claros: sem que estas etapas se concretizem, sejam quais forem os instrumentos que para tanto devam ser mobilizados, não é possível afirmar com o rigor necessário quem é eficiente e está a ser mal pago e quem é ineficiente e está a ser pago acima do que merece.

É um longo caminho a percorrer? Sem dúvida; mas, se o Ministério da Saúde pretende ir por aí, parece-me errada a opção de anunciar apenas o primeiro passo, sem transmitir a visão total do que, na realidade, pretende atingir. É o conhecimento e a compreensão do que, globalmente, se pretende atingir que confere aceitabilidade a cada um dos passos necessários para lá chegar. E o que se ganha deixando escondida, só adivinhável, a estratégia? Menor reacção adversa? Bem pelo contrário. A reacção de rejeição não se posiciona apenas contra o que é anunciado. Muitas vezes ela surge fundada em recíproca atitude de desconfiança em relação ao que possa vir a seguir e que, eventualmente, nem estará nos propósitos de ninguém vir a concretizar. Quando as políticas não são clara e suficientemente anunciadas, o povo desconfia, com ou sem razão.

Repito que há um longo caminho a desbravar. Internamente, no âmbito do Ministério da Saúde (conjunto dos Serviços que o integram, incluindo também entidades prestadoras, profissionais e entidades que os representam, porque o consenso é aqui fundamental) será necessário definir e quantificar os factores que se integram na avaliação dos profissionais e no desempenho hospitalar e fazer a ponderação das diversas colaborações solicitadas para a realização de cada acto. Não é necessário realçar o alto risco desta tarefa, pois que, se não for correctamente desenvolvida, pode envenenar gravemente todo o ambiente hospitalar.

Externamente também há exigências que têm de ser satisfeitas e que derivam da protecção que o sistema jurídico dispensa aos dados pessoais. (Ver Princípios sobre a utilização de dados biométricos no âmbito do controlo de acesso e de assiduidade. link
De facto, o número de vezes que os profissionais serão chamados a assinar as suas intervenções faz com que tal só seja, na prática, exequível com recurso a um sistema de identificação biométrico com o qual, como refere a própria CNPD, “a pessoa não necessita de recordar números, códigos ou qualquer outra chave de identificação” e, poderia acrescentar, nem a pode adulterar, voluntária ou involuntariamente, não existindo o risco de apropriação indevida. Ou, como também refere, “os critérios a utilizar para a escolha têm em conta, o conforto na utilização, a precisão, a relação qualidade/preço e o grau de segurança.” Características estas a reforçar com “a adopção de soluções técnicas que, protegendo a privacidade, minimizem os riscos de utilizações indevidas” e com “a possibilidade de utilização de “sistemas multimodais” …”para conferir uma maior eficácia e rigor às operações de reconhecimento ou autenticação”. Por estas operações de reconhecimento ou autenticação é efectivado ao titular “o direito de saber se a(s) sua(s) característica(s) biométrica(s) se encontra(m) armazenada(s) e obter a respectiva comprovação.

No processo a abrir junto da CNPD tem importância fundamental a finalidade do tratamento: “a necessidade de agilizar o cumprimento de um objectivo que a lei reconhece integrar-se no âmbito dos poderes de controlo da entidade responsável pelo tratamento”, sendo daqui que decorre a legitimidade para esse tratamento. Por isso mesmo “o responsável não pode utilizar os dados biométricos para finalidade diversa da determinante da recolha (artigo 5.º n.º 1 alínea b) da Lei 67/98)”, ou seja, “a utilização para finalidade não determinante da recolha carece, necessariamente, de autorização prévia da CNPD, nos termos dos artigos 23.º n.º 1 al. C) e 28.º n.º 1 al. D) da Lei 67/98”.

As muitas citações acabadas de fazer do texto “lincado” – e muitas outras poderiam juntar-se-lhes – visam mostrar que nunca o rigor, a precisão e a autenticidade da identificação dos profissionais esteve tão defendida e nunca a legitimidade do exercício de poderes por lei atribuídos à entidade patronal foi tão estreitamente controlada, já que fica sujeita ao regime de autorização prévia por entidade dependente da Assembleia da República.

Todo este rigor é, sem dúvida, de saudar porque a identidade é reconhecida como um direito fundamental, de personalidade. Mas temos de reconhecer a diferença em relação à situação actual em que um simples garatujo – tantas vezes facílimo de reproduzir – é assumido como identificação bastante e, não poucas vezes, até pactuamos com a sua falta.
Aidenos

3 Comments:

Blogger tonitosa said...

Toda esta discussão tem por base o que ao longo dos anos foi a prática de incumprimento da lei em matéria de registo de presenças.
Na verdade, há muito que os hospitais, tal como os restantes serviços da AP, se encontram obrigados ao registo de presenças por mecanismos automáticos, atendendo ao seu número de trabalhadores.
No entanto tem sido a displiscência dos responsáveis, Ministros da Saúde incluídos.
Em muitos hospitais as presenças continuam a ser registadas com a assinatura de folhas de ponto que podem ser assinadas a qualquer hora, e sem qualquer controlo.
Sabemos, e é justo dizê-lo, que há apenas uma minoria que aproveita a situação para não cumprir com os seus deveres. Mas ainda assim o sitema é, no mínimo, anacrónico e tem custos elevados de tratamento de informação.
Por isso, por releção com o que sempre foi prática, o novo sistema gera resistências! No entanto, penso que se não forem fixadas regras rígidas para entradas e saídas, se for adoptado um sistema de auto-responsabilização e flexibilidade, não tardarão a verificar-se as vantagens do registo biométrico (ou outro equivalente) e os profissionais de saúde saberão disso tirar proveito.
O que espanta é que, salvo raras excepções como a MAC, (terá Jorge Branco sido inspirado pela tentativa feita no HSFX SA no tempo em que ali era director?) os CA continuem a precisar da "cobertura" do MS/FR para "cumprir" o que a lei determina.

1:22 da manhã  
Blogger e-pá! said...

Excelente texto de aidenós.
Pena é que tenha parado o raciocínio pelo meio, ou melhor, não tenha explorado outras consequências.
Na verdade, o controlo de assiduidade não tem significado relevante enquanto questão em si mesma.

A ESTRATÉGIA DO DESCRÉDITO

Embora, como ponto prévio, seja oportuno reconhecer, aqui e agora, que ao longo dos anos se ergueu (os promotores conhecem a teia urdida) uma campanha contra os médicos, tratando-os como viciosos e pertinazes prevaricadores nas questões de assiduidade, o problema não reside aí. Nesta insidiosa “campanha” introduziram-se alguns pudores do tipo: “há médicos cumpridores”, “nem todos são iguais”, “conheço médicos extraordinários”etc. Era necessário esta ressalva caso contrário a atoarda ficava completamente descredibilizada. Com tão “maus” médicos como seria possível (plausível para os destinatários da campanha) o SNS português ocupar a 12º. Posição dos “ranking” dos serviços de Saúde da OMS?
Na realidade, independentemente dos mais veementes protestos, com ou sem intuitos declarados, acabou-se por atingir o grupo profissional na sua globalidade. Um dos argumentos mais estafados, utilizados “ad nauseum”, foi:
- “estão a trabalhar no SNS com a cabeça na actividade privada”.


O PEQUENO “PROBLEMA” DA ASSIDUIDADE

Na realidade o controlo de assiduidade não assusta os médicos. Ele, trazendo uma carga de rigor (apesar das juras de “flexibilidade”), pode obrigar os médicos prevaricadores (que os há, nunca ninguém negou) e, por arrastamento, muitos outros cujo contributo é indispensável e estratégico ao funcionamento do SNS, a procederem adaptações. Estas adaptações raramente decorrem isoladamente e, normalmente, desencadeiam reacções em cadeia. Os médicos proprietários de consultórios ou de pequenas clínicas, adequam os tempos e os horários livremente e entram nos mecanismos do “mercado da Saúde”. Se não poderem começar às 16 h, começaram às 17 ou às 18 h. São meros ajustamentos, obviamente, com diversos custos: sociais, familiares e pessoais.

A NOVA VIDA DA ACTIVIDADE PRIVADA

Já agora, no que diz respeito a eventuais custos económicos cabe aqui abrir um pequeno parêntesis:
Os médicos, quando no exercício da sua actividade privada, não são ressarcidos economicamente em função do diagnóstico (fácil ou difícil) ou da qualidade terapêutica, muito menos em função de “contratos de cura” do tipo das medicinas alternativas. Ninguém lhe está a pagar o tempo de formação teórica ou prática no domínio das ciências da Saúde, nem sequer as dificuldades porque eventualmente passaram (todos terão passado) para adquirir treino e experiência, factores indispensáveis ao bom desempenho profissional e à sua qualificação técnica.
No “mercado da Saúde tradicional” o médico “oferece” cuidados, faculta os seus saberes e “vende” ao doente que o procura, essencialmente, disponibilidade.
Se a disponibilidade dos médicos for eventualmente menor, ou estiver eivada de mecanismos rígidos, como qualquer gestor sabe, a manter-se a procura, os honorários sobem, bem como os custos de todos os cuidados de saúde privados.
Acredito que não será assim por muito tempo, já que o "destino" natural destes consultórios privados ou clínicas de pequena dimensão é serem progressivamente canibalizados por grandes empresas, muito mais interessadas em economias de escala, capazes de gerarem níveis de competitividade altos.
Mas o tempo de persistência que ainda restará para este “mercado tradicional da Saúde”, será fatal para o SNS.

OS SISTEMAS PRIVADOS DE SAÚDE

Alguns médicos na actividade privada que estão ligados (ou contractualizados) ao Sector Privado da Saúde de grandes dimensões, apoiados pelo capital financeiro e seguradoras. Para o SPS esta é a oportunidade soberana para “despoletar” a descapitalização o SNS, pescando os profissionais indispensáveis e diferenciados de que necessita, à linha.
Provavelmente, esta atitude, provocará, na perspectiva do MS, um “arrastamento” (uma transferência) de doentes (atrás do “seu” médico) do sector público para o privado, aliviando os custos do SNS. Este ignaro alívio de custos traduz, pura e simplesmente, o esvaziamento do SNS e a total perversão de uma das suas finalidades primordiais enquanto serviço capaz de abranger a universalidade dos portugueses.
Já não falo nas questões e garantias de equidade por serem evidentes as suas distorções. Estas impensadas movimentações, próprias de quem semeia ventos sem esperar colher tempestades, vão necessariamente “dividir” os portugueses. Os cuidados de saúde vão conhecer duas velocidades, conforme os proventos dos doentes. A equidade vai à vida, mas salva-se o orçamento.
Resultado: os portugueses (os que tiverem disponibilidades financeiras) vão pagar ainda mais pela sua saúde e o Sector Privado, expande-se, obrigando o SNS a contrair-se e a desequilibrar-se. Todo este “desastre” não tem repercussões no orçamento. Transfere-se directamente para os bolsos dos portugueses.

AS CONCEPÇÕES MINISTERIAIS

Arrogâncias do MS do tipo das produzidas ao jornal “Acção Socialista” mostram uma visão totalmente lunática da situação médica em Portugal:
“O meu desejo é que todos aqueles que de facto têm intenção de sair o façam o mais depressa possível. Outros tomarão o seu lugar, pois há excelentes profissionais, em segunda linha, à espera de uma oportunidade.”
No dia seguinte, ou dias antes, não estou certo, poderá, com o mesmo alheamento da realidade, afirmar que anda à procura de médicos no estrangeiro para suprir necessidades actuais. Já não falamos das futuras.
As mais que certas transferências (autênticas “deslocalizações” no âmbito profissional) de médicos entre os sectores de actividade pública vs privada, ou até para o Sector Social, que o MS se recusa a aceitar por uma “questão de fé”, vão-lhe cair nos braços, mais cedo do que pensa. A “fé” a quem é atribuída a capacidade de mover montanhas de pouco lhe valerá quando, a curto prazo, tiver de enfrentar as consequências das suas decisões no implacável “mercado da saúde”. Mas mais graves serão as consequências políticas.
Já devia ter aprendido alguma coisa no seu picaresco litigio com a ANF.

ASSIDIUDADE OU … MUITO MAIS!

Mas voltemos ao controlo da assiduidade para retomarmos o fio à meada.
Há pouco mais de um ano fui “escalado” para frequentar um curso sobre o sistema “ALERT” que viria (como na realidade foi) a ser implementado nas urgências. Não trabalhava nas urgências devido a minha idade, mas resolvi ir. À entrada a solicitação de uma foto (com a devida informação de que era facultativa) e depois a aposição da impressão digital para colheita de dados biométricos pessoais. Solicitando à monitora do curso sobre a exibição da autorização da CNPD, não havia no local, nem no Hospital, qualquer documento disponível, embora me afirmassem que tudo tinha sido tratado. Perante a não exibição do documento o meu curso terminou aí. E até hoje nada mais me foi adiantado.
Entretanto, tive conhecimento por informações pessoais que o sistema “ALERT” tinha sido aprovado pela CNPD. Todavia, nunca cheguei a ver tal documento.
Toda esta história gerou-me uma grande confusão. A minha curiosidade levou-me a indagar até onde a criação de um banco de dados biométricos poderia levar-nos. Rapidamente, concluí que o próximo passo seria o controlo de assiduidade (haveria já negociações com o MS para o implementar) e, ao debruçar-me sobre as outras potencialidades do método, foi fácil chegar algumas das aplicações que estão explicitas no post:

1 - o registo de todos os actos – diagnósticos, terapêuticos ou cuidados;
2 - a atribuição e o controlo quantitativo dos actos aos profissionais que os praticam;
3 - a objectivação da avaliação dos profissionais em termos de produtividade
4- a atribuição de incentivos ou remunerações.

E muitas outras vastas possibilidades.

Tudo isto, como sublinha o post, debaixo do tapete, mas inexoravelmente a caminho. O que não posso estar de acordo é que se houvesse ousadia ou a dignidade para expor todas a implicações do processo, surgisse algum tipo de complacência ou, muito menos, atitudes de aceitação. Nem os médicos, nem os utentes, podem ser tratados como débeis mentais.
O levantar da questão da assiduidade é, acima de tudo, uma daquelas minudências burocráticas que fazem parte do “mundo administrativo” e da gestão de recursos humanos, que os iludem numa efémera miragem de possessão de vastos poderes de controlo sobre o “pessoal”. Na verdade penso que o controlo da assiduidade é uma questão do foro da direcção do serviço ou do departamento, que conhece as pessoas, gere o absentismo, as instalações, a capacidade de utilização do equipamento, etc. Esta centralização, a introdução de métodos biométricos, parecendo desnecessária e supérflua tem, evidentemente, outros objectivos.

O FUNDAMENTAl: A GESTÃO MÉDICA VERSUS GESTÃO ADMINISTRATIVA OU GESTÃO INTEGRADA

A questão curial, não vale a pena estar constantemente a iludi-la, é a tentativa da substituição de uma gestão clínica por uma gestão administrativa e/ou económica. Ou há lugar para uma gestão integrada ou o caos instalar-se-à.
Esse passo (em falso) nunca terá o aval dos médicos. Não pelos médicos (enquanto corporação de interesses) mas pela profunda convicção que tal mudança será extremamente perniciosa e deletéria para os doentes. E os grandes conflitos surgem a partir daí. Não da assiduidade que é, neste contexto, um epifenómeno, uma manobra de diversão. Já nos fez gastar imenso tempo.

O FUNCIONÁRIO PÚBLICO “MODELO KLEENEX”

A questão do controle da assiduidade é, para não andarmos a empalear, um poderoso e estratégico ataque à gestão médica dos serviços hospitalares, na convicção de que, provocará uma reacção de abandono e o esvaziamento do SNS é benéfico aos interesses orçamentais imediatos. É o saneamento de recursos humanos que tenta complementar, na área da Saúde, a famigerada “mobilidade especial”. É, acima de tudo, o PRACE em movimento.
Aliás, se fizermos a confrontação entre as declarações (ou os escritos) dos 2 principais responsáveis do MS, chegamos lá. CC faz um exaltado apelo à saída afirmando que tem substitutos em carteira. FR no despacho 187/2007, a meio do texto “lança a escada”.
Escreve:
“Recomendar aos dirigentes máximos e intermédios dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde a agilização dos procedimentos administrativos relativos aos pedidos dos seus profissionais que queiram optar por modalidade parcial do horário de trabalho previsto na lei, sem prejuízo da qualidade e regularidade da actividade assistencial.
Ora bem, fazendo a concertação das posições dos dois responsáveis o objectivo está explicito: tornar a vida “difícil aos médicos hospitalares, fazê-los “saltar” das carreiras hospitalares, acabar com os vínculos e, depois, agilizar contractualizações à peça de preferência em horário parcial (as badaladas 20 h/ semana, que tanto se tem falado). Ora esta estratégia despreza completamente o mercado de trabalho onde vai ter que pescar juntamente com o sector privado ou acredita em “negócios da China”. O fim dos vínculos na função pública acarreta o fim da estrutura pública de vencimentos. Tudo vai ficar mais caro. E tanto mais caro quanto maiores forem as necessidades e mais diferenciado for o técnico.
Todavia este é um outro alcance (escondido) da actual questão em debate e, como é visível, nada tem a ver com a assiduidade. É o aproveitar da onda para “ajeitar” os recursos humanos neste sector público.

A FORMAÇÃO CONTÍNUA

Mas há outra vertente importante. O inefável apelo à saída de médicos contem, em termos organizacionais, o vírus do seu desmembramento. Os serviços deixam de ser unidades funcionais integradas, perdem o espírito de equipa, alijam o carácter de pequeno colectivo, hoje empenhados no cumprimento de objectivos pré-determinados e passam a ser o “somatório” de pessoas (médicos, enfermeiros, auxiliares, etc) que, de modo efémero, a termo, “passam” por lá. A comunicação interpares e interdisciplinar desaparece.
Em termos de formação isto é o “desastre”. Porque a perda de qualidade é inevitável, hipotecamos a continuidade ou “matamos” unidades de excelência, centros de referência que já existem e cujo capital – independentemente dos que pudermos adquirir de novo – desbaratamos em favor de esforços de produtividade. Na realidade quando não pensamos no futuro, abdicamos de tudo, i. e., muito para além do que no momento é detectável. De facto o dia de amanhã não nos obedece. Ou o preparamos ou acabamos por prescindir.

O BIG BROTHER HOAPITALAR

Independentemente destas manobras, a criação dentro dos serviços hospitalares – que negoceiam com os CA’s objectivos a cumprir anualmente - de um ambiente “concentracionário”, do tipo Big Brother (biometrizado), sujeitos a intromissões impertinentes e muitas vezes desprovidas de nexo (tudo o que está para além dos números) por parte da gestão económica e administrativa, só pode levar ao abandono, ou ao desleixo dos objectivos previamente definidos. Ninguém tolera trabalhar nestas condições.

AS DISCRIMINAÇÕES SELECTIVAS

O Decreto-Lei n.º 259/98 de 23 de Dezembro, define as questões de assiduidade para toda a função pública. Alguma razão poderosa terá de haver para o mesmo ter caído em cima dos HH’s tão selectivamente. Esta acto “discriminatório” tem, como temos vindo a explicitar, outras fundamentações para além de linguagem de circunstância oficial:
“Os deveres de assiduidade e de pontualidade são basilares em qualquer relação de trabalho, pelo que a verificação do seu cumprimento tem de ser sempre encarada como uma medida imprescindível à boa gestão das instituições, independentemente da sua natureza jurídica”, preâmbulo do despacho 187/2007.

AS “ATITUDES” DOS MÉDICOS

Penso que os médicos, face a este afrontamento, não vão promover atitudes do tipo “braços caídos”. Para os médicos, trata-se, em primeiro lugar, de um problema da dignidade profissional. Que passa por salvar o essencial: não deixar cair a gestão médica dos serviços.
Uma suposta e praticamente assegurada (apesar de uma outra “fé” do ministro) diminuição da produtividade não cai do céu. Deve antes ser conotada com medidas conducentes a uma forte desmotivação e a uma franciscana falta de incentivos. É nesse terreno pejado de barreiras, minado por um quadro litígios institucionais e bloqueado por disputas de competências que devem ser procuradas as razões.
“O homem verdadeiramente livre apenas quer o que pode e faz o que lhe agrada” (Rousseau)
Os que podem (eventualmente os lideres ou os mais qualificados) vão ser “empurrados” para sair e tratar da vida noutro lado…
Muitos com mais de 10, 20 ou 30 anos de SNS.

O REQUIEM

Ninguém, principalmente os agnósticos (no sentido laico), pode ser obrigado a concelebrar o anunciado REQUIEM PELO SNS.

9:57 da tarde  
Blogger e-pá! said...

Errata:

Onde se Lê:
"Se não poderem começar às 16 h, começaram às 17 ou às 18 h ..."
deve ler-se:
"Se não puderem começar às 16 h, começarão às 17 ou às 18 h..."

Existem outros "lapsus teclae", mas este é flagrante. Arrepia!

11:32 da manhã  

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