quarta-feira, novembro 7

Carreiras Médicas


Carlos Ribeiro em entrevista

Tempo de Medicina (TM)Acha que as carreiras médicas não estão a ser devidamente valorizadas? link
Carlos Ribeiro (CR) — Penso que alguns médicos, principalmente uns americanizados que há por aí, ainda não estão suficientemente conscientes do que representaram as carreiras médicas neste país. Fomos das primeiras profissões a instituir uma carreira com princípio, meio e fim e que se auto-regularizou. As carreiras médicas representaram para o País um salto qualitativo que só 20 anos depois se notou. É mais fácil e mais bonito inaugurar um hospital e ficar com o seu nome na placa. Quando se faz educação e se diz que têm de ser criadas condições para as pessoas fazerem aprendizagem ao longo da vida, isso não se vê imediatamente. Como alguém que andou a representar o País em alguns areópagos médicos, ficava sempre muito gratificado quando verificava que noutros países não havia carreiras organizadas, havia um senhor director que ao fim de um certo tempo dizia ao médico que trabalhava consigo que ele era especialista, ou seja, era uma carreira como se fazia na Idade Média, ao lado do mestre. Aqui cada carreira, de cada especialidade, foi estruturada, discutida e havia ainda, na fase inicial, uma avaliação externa.

«TM»
Que entretanto deixou de existir…
CR
— E tudo piorou quando essa avaliação passou a ser interna. No nosso serviço somos sempre os maiores do Mundo. Houve colegas meus classificados com 18 valores, o que naquele tempo era uma classificação extraordinária, que a distinção que faziam entre os seus internos era entre 19,5 e 20 valores. Ora, não acredito que, durante vários anos, todas as pessoas que passaram por um mesmo serviço merecessem entre 19,5 e 20. Este tipo de avaliação deu cabo da competição, tornou tudo isto facilitado. Portanto, é uma pena que as carreiras médicas não voltem à sua forma inicial, isto é, sejam estruturadas, suficientemente programadas, feitas em serviços idóneos e com avaliação externa. Não podemos ser árbitros quando joga o nosso clube.
Por outro lado, os serviços privados não podem, sem colaborarem com o Estado, vir buscar elementos altamente qualificados — qualificação para a qual as nossas contribuições também entraram —, sem qualquer indemnização ao Estado. Isso não acontece com os pilotos, os futebolistas e muitas outras profissões.

«TM»
- As carreiras médicas estão mesmo condenadas à extinção, como alguns vaticinam?
CR
– Isso seria uma tragédia. Quando nas outras profissões se estão a criar condições para a especialização acabam as carreiras médicas? Isso seria regressar à Idade Média, à situação do mestre e do aprendiz.

«TM»
- Há quem diga que os privados não têm interesse na manutenção das carreiras médicas…
CR
– Isso não faço ideia, mas há uma coisa em que o povo português não tem interesse – é que as carreiras, de todas as profissões, não tenham uma avaliação suficientemente idónea. As carreiras médicas permitem não só que os profissionais se possam preparar, e portanto percorrer todo um trajecto que foi definido como o ideal para atingir a especialização numa determinada área, mas também saber que há um grupo idóneo que avalia o seu percurso. Aí o público fica descansado quando se diz que um determinado senhor é especialista de determinada área.
Não acredito que haja alguém que se interesse pela Saúde deste país que esteja a defender o fim das carreiras médicas, programadas e realizadas em serviços idóneos, carreiras que não sejam apenas livrescas, mas em que também haja conhecimentos técnicos e informáticos da «crista da onda», e devidamente avaliadas. Se alguém está interessado nisso não está a defender a saúde do povo português, está a compactuar com a possibilidade de se criarem charlatães.
«Não podemos deixar para o privado apenas o que é fácil e rendível»
TM de 2007.11.05

1 Comments:

Blogger e-pá! said...

O Prof. Doutor Carlos Ribeiro, apesar da sua proveta idade, continua um homem lúcido que mantem uma visão clara, esclarecida e estratégica da Medicina. Trabalhou largos anos num grande Hospital deste País - H. Sta. Maria - e quando aborda a carreiras médics sabe do que fala e, sejamos rigorosos, fala do sabe.
O exercício do cargo de Bastonário da OM, veio-lhe acresentar mais profundos conhecimentos sobre os meandros do processo formativo.

Na sua entrevista há uma frase exemplar: "Penso que alguns médicos, principalmente uns americanizados que há por aí, ainda não estão suficientemente conscientes do que representaram as carreiras médicas neste país".

Nós, durante os últimos anos, importamos quase tudo sobre Saúde.
E as grandes alterações começaram e continuam na área da gestão e da economia da Saúde.
Aliás, é ver o trajecto do actual Ministro.
Primeiro, o "savoir-faire" de Rennnes, depois o "know-how" da Johns Hopkins University.

Hoje, os HH´s empresas, cheios de "know-how", devem considerar as carreiras médicas, mais uma daquelas coisas que classificam como "desperdícios".
Perderam o lastro europeu de começar na formação compementar diferenciada em especialidade, valências ou competências, continuá-la de modo contínuo e constriuir uma hierarquia a partir de provas públicas.
Aproveitaram-se de alguns erros processuais cometidos nas provas públicas, para, de imediato, por o sistema em causa.
Viram-se para o Know-how que a progressão se faz por mérito (quem avalia?) ou, então, por entrevista.
Mais fácil, mais dócil, mais influenciável por factores externos.

As carreiras médicas, sem falsas modéstias, contribuiram em grande medida para a necessária disciplina e organização do SNS.
Questões de diferenciação e inovação científica e da formação médica continua
aparentemente, isoladas, ou de geração fortuita, estão intimamente ligadas às carreiras médicas.
O "up-date" de conhecimentos e desempenhos médicos entronca-se nas carreiras médicas.
E, finalmente, o rejuvenescimento e a renovação dos quadros médicos, sem carreiras, baseia-se em quê?
No aleatório, no "compadrio"?

A cavalgada para a destruição das carreiras baseia-se na "americanização" que o Prof. Carlos Ribeiro denuncia, mas também no novo regime laboral desenvolvidos nos Hospitais/empresas.
Perante um quadro tão diversificado de instituições, com diferentes tipos de contratos individuais de trabalho ( privados, EPE, misericórdias, USF,...) teremos, como iremos ver, uma multidão "carreiras".
Umas médicas diferenciadas (fundamentalmente no estrangeiro), outras mais ou menos (já que a formação nos HH's empresa caíra em qualidade), outras políticas (filhos e afilhados de algo), outras partidárias (baseadas no "cartão") e, finalmente, outras baseadas na grande tradição nacional: o amiguismo (vulgo a "cunha").
Na verdade, deixarão de existir carreiras médicas. Passarão a haver "tachos".
O SNS, ao nível organizacional, operativo e dos resultados vai "sentir" a diferença.
Os utentes, sentirão as alterações da qualidade na prestação dos cuidados.

É óbvio, que as "carreiras médicas" precisam de ser reformuladas. Mas é larga e cheia de possíbilidades a fronteira entre a reestruturação e a extinção.
Na verdade, elas começam pela criação ou pela conservação nos HH's de serviços idóneos.

Porque, para encurtar razões, tanto para o SNS, como para os doentes, as carreiras médicas são, no âmago da questão, e se forem cumpridos procedimentos legítimos, rigorosos e públicos (...ia dizer sob a ética republicana), uma questão de IDONEIDADE.

É, com certeza, um assunto da ordem do dia nas próximas eleições da OM.

12:42 da tarde  

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