Código deontológico
A Ordem dos Médicos (OM) não vai alterar o artigo 47 º do código deontológico que considera a prática de aborto como uma “falha grave”, tal como tinha pedido o ministro da Saúde na sequência de um parecer da Procuradoria-Geral da República que manda “repor a legalidade” nesta matéria. link
(…) Existe um código deontológico anacrónico que, nalgumas áreas, roça o ridículo e está objectivamente provado que os preceitos deontológicos não são cumpridos pelos clínicos, que há um franco desconhecimento do código deontológico por parte de muitos de nós, médicos, que é leviana a forma como os assuntos têm sido discutidos, apelando-se aos princípios deontológicos quando dá jeito e metendo-os debaixo do tapete quando são incómodos, e que existem pressupostos "morais puros" na base daquilo que deveria ser um código de conduta, sem valor de lei e passível de ser mudado e adaptado a novas realidades. link
Quanto à cedência a "pressões externas", deixemo-nos de demagogias, elas existem e já serviram de mote para mudanças recentes. Só a título de exemplo, não foi assim que aconteceu com a revogação dos artigos 81.º e 82.º, levada a cabo pelo Conselho Executivo da Ordem dos Médicos a 19 de Julho de 2005, na sequência da acção da Autoridade da Concorrência? link
Não me dá gozo nem rejubilo - bem pelo contrário, entristece-me - com a atitude de Correia de Campos, até porque é tomada fora de tempo e, por isso, perde em razão e ganha em hipocrisia, mas lamento que a ordem profissional a que pertenço se tenha posto a jeito e que, mais grave ainda, não tenha sido capaz de se antecipar - recordo que a questão já era referida em 2003.
Não está em causa apenas o artigo 47.º, todos sabemos isso, basta pensar na procriação medicamente assistida ou na esterilização reversível. Para quando uma discussão ampla e séria, no seio da classe e nos meios estatutariamente definidos como competentes, que traga alguma dignidade e reponha o real valor da tão apregoada deontologia médica e do nosso código deontológico em particular? Porque tarda?
A ética médica abrange a deontologia médica, mas não se esgota nela. Deixem-me só recordar que Jeremy Bentham, com a introdução do termo "deontologia", pretendia conseguir uma alternativa mais liberal ao termo e ao conceito da palavra "ética", tendo em conta que esta última, ao ocupar na forma qualitativa de conceito laico o lugar do termo religioso "moral", se tinha moralizado. Não estará a acontecer o mesmo com a dita deontologia?
Que queremos, de facto, fazer? O que representa o código? Para que serve? É para ser levado a sério? Existe um organismo internacional, a Associação Médica Mundial, da qual somos membros efectivos e que tem sido um espaço privilegiado para a discussão dos aspectos relativos à ética médica. Porque não dar-lhe um pouco mais de atenção? Parece-me que nada justifica fazer história de histórias sem história e, apesar de tudo, mais vale tarde do que nunca, digo eu.
(…) Existe um código deontológico anacrónico que, nalgumas áreas, roça o ridículo e está objectivamente provado que os preceitos deontológicos não são cumpridos pelos clínicos, que há um franco desconhecimento do código deontológico por parte de muitos de nós, médicos, que é leviana a forma como os assuntos têm sido discutidos, apelando-se aos princípios deontológicos quando dá jeito e metendo-os debaixo do tapete quando são incómodos, e que existem pressupostos "morais puros" na base daquilo que deveria ser um código de conduta, sem valor de lei e passível de ser mudado e adaptado a novas realidades. link
Quanto à cedência a "pressões externas", deixemo-nos de demagogias, elas existem e já serviram de mote para mudanças recentes. Só a título de exemplo, não foi assim que aconteceu com a revogação dos artigos 81.º e 82.º, levada a cabo pelo Conselho Executivo da Ordem dos Médicos a 19 de Julho de 2005, na sequência da acção da Autoridade da Concorrência? link
Não me dá gozo nem rejubilo - bem pelo contrário, entristece-me - com a atitude de Correia de Campos, até porque é tomada fora de tempo e, por isso, perde em razão e ganha em hipocrisia, mas lamento que a ordem profissional a que pertenço se tenha posto a jeito e que, mais grave ainda, não tenha sido capaz de se antecipar - recordo que a questão já era referida em 2003.
Não está em causa apenas o artigo 47.º, todos sabemos isso, basta pensar na procriação medicamente assistida ou na esterilização reversível. Para quando uma discussão ampla e séria, no seio da classe e nos meios estatutariamente definidos como competentes, que traga alguma dignidade e reponha o real valor da tão apregoada deontologia médica e do nosso código deontológico em particular? Porque tarda?
A ética médica abrange a deontologia médica, mas não se esgota nela. Deixem-me só recordar que Jeremy Bentham, com a introdução do termo "deontologia", pretendia conseguir uma alternativa mais liberal ao termo e ao conceito da palavra "ética", tendo em conta que esta última, ao ocupar na forma qualitativa de conceito laico o lugar do termo religioso "moral", se tinha moralizado. Não estará a acontecer o mesmo com a dita deontologia?
Que queremos, de facto, fazer? O que representa o código? Para que serve? É para ser levado a sério? Existe um organismo internacional, a Associação Médica Mundial, da qual somos membros efectivos e que tem sido um espaço privilegiado para a discussão dos aspectos relativos à ética médica. Porque não dar-lhe um pouco mais de atenção? Parece-me que nada justifica fazer história de histórias sem história e, apesar de tudo, mais vale tarde do que nunca, digo eu.
ana matos pires, JP 22.11.07
5 Comments:
«Desafio
A recusa da Ordem dos Médicos em pôr o seu regulamento deontológico de acordo com a lei constitui um intolerável desafio à primazia da lei e ao Estado de Direito. Não se pode consentir que uma corporação profissional pública - cujos poderes são conferidos pela lei e que deve obediência à lei -- se coloque fora da lei.
O Estado tem de impor o respeito pela autoridade da lei. O despautério da Ordem dos Médicos não pode prevalecer.
[Publicado por Vital Moreira] [15.11.07]»
Sobre o DESAFIO Publicado por Vital Moreira,15.11.07, no blog "Causa Nostra" embora, no aspecto formal, esteja totalmente de acordo, haverá outras leituras.
Na verdade, o problema de fundo será outro. Nenhum médico defende que a Ordem dever desafiar à lei ou se colocar fora da lei.
O que se passa é que os sectores mais retrógados da corporação, pretendem utilizar o código deontológico, não para regular as relações entre os membros e entre estes e a sociedade, mas para aí resistirem a conceitos éticos (de incontornável conotação religiosa)que foram derrotados no último referendo efectuado sobre a IVG.
As Ordens - todas - abrangendo a totalidade dos profissionais da área devem ter uma inquestionável prática de laicidade. Se não discriminam.
Por outro lado, estas mesmas Ordens - enquanto corporações profissionais públicas - têm uma relação institucional com o Estado, através do Governo. Estas não nascem possuidoras de um determinado número de competências que lhes caí no regaço por privilégio divino. Recebem-nas, por delegação, do governo. Daí o seu estatuto público e a consequente necessidade de estar em sintonia com a Lei.
Nada tenho contra o facto do Dr. Pedro Nunes estar em desacordo com a actual lei da IVG e, na sua opinião técnica, pessoal, a considerar uma grave "falha".
Mas não pode envolver nessa liberdade individual os assuntos da esfera pública, cuja competência administra só porque lhe foi delegada.
Como todos estamos fartos de saber, nenhum estatuto, código, regulamento, norma, pode conter disposições contrárias à lei geral.
No Estado de Direito - quer gostemos ou não - é a Lei que prevalece.
Finalmente, o MS conseguiu - com uma inábil actuação no tempo -introduzir um ponto, ou uma alínea, na agenda eleitoral da OM que já tinha vastos e relevantes assuntos a tratar, entre eles, a participação deste orgão na defesa do SNS, as poucas reformas que se fazem e as muitas que se anunciam, etc.
Por vezes a impaciência pode tornar-se uma pura manobra de diversão.
Mas continuo convicto que este problema sairá, fácil e naturamente, dirimido destas eleições.
Não é propriamente um desafio como escreve Vital.
É acantonar-se num "coul de sac" para fugir à realidade (do referendo).
É a política de avestruz
Mas o actual bastonário não quer somente em conjunto com o ministro da saúde, arranjarem uma "guerra" amigável sobre o código deontológico dos médicos apelando ao voto dos seus sectores mais retrogrados, para escamotearem o conluio que têm tido, na desnatação do SNS; no fim das carreiras médicas e na hierquização dos Hospitais públicos; no crescimento brutal da medicina privada sob a alçada dos grandes grupos económicos, na destruição do pequeno empresário médico; no crescimento da entidade Reguladora da Saúde que se veio sobrepôr à própria Ordem dos Médicos etc ... etc...
Isto é somente uma pequena penitência !
É que eles têm poderosos interesses comuns:
Um quer sobreviver à remodelação; outro quer ser eleito ! Nada maior que o poder para unir dois amigos.
Miguel Leão (ML) — Acho que o dr. Pedro Nunes é uma pessoa com sorte, porque o prof. Correia de Campos fez-lhe um enorme favor com esta guerra do Código Deontológico (CD). Há até pessoas que dizem que esta guerra não foi inocente, que foi uma oportunidade que o prof. Correia de Campos deu ao dr. Pedro Nunes para ele mostrar firmeza, já que foi muito oportuno este desaguisado entre o ministro da Saúde e o bastonário. Julgo que foi mais oportuno para o dr. Pedro Nunes do que para o ministro da Saúde, mas isso é a minha opinião.
Quanto ao resto, estou à vontade relativamente a medidas políticas, porque nunca escrevi nenhuma carta ao secretário de Estado da Saúde a dizer que o estatuto dos hospitais EPE era bom, como nunca subscrevi nenhum projecto que aumentava os poderes da Entidade Reguladora da Saúde, e também nunca condenei o acto médico aprovado pela União Europeia dos Médicos Especialistas. E, da mesma forma, nunca andei a escrever editoriais, em 2005, dizendo que era o homem do diálogo com o Ministério da Saúde e que não subscrevia a tese de que «hay gobierno soy contra». Foi o dr. Pedro Nunes quem escreveu isso, mas se calhar já não se lembra…
Portanto, no que respeita às relações com o Ministério da Saúde não recebo lições. Lembro-me até que quando o prof. Correia de Campos passou pelo Governo há uns anos disse ao Independente que, comparando os dirigentes da Ordem do Norte e do Sul — na altura eu era o presidente do Conselho Regional do Norte e o dr. Pedro Nunes o presidente do Conselho Regional do Sul —, os dirigentes do Sul eram muito mais inteligentes. Isso vale o que vale, mas lições sobre independência relativamente ao Governo não recebo de ninguém e muito menos do dr. Pedro Nunes.
TM 26.11.07
A Ordem dos Médicos não é uma associação privada e voluntária de médicos, mas sim, tal como todas as corporações profissionais públicas, uma instituição oficial, criada pelo Estado, de inscrição obrigatória para o exercício da profissão, com jurisdição universal sobre todos os médicos, dotada de poderes públicos, incluindo o poder regulamentar e o poder disciplinar. Como todas as demais entidades públicas, as ordens profissionais só têm os poderes que lhes sejam conferidos por lei. O seu poder normativo, que deriva da lei, está sujeito à lei e não pode contrariar a lei. Os princípios do Estado de direito relativos ao poder regulamentar, incluindo a precedência da lei e a primazia da lei, aplicam-se por inteiro ao poder normativo das ordens profissionais. link
Neste episódio, o que é inaceitável não é a iniciativa governamental de convocar a Ordem a adaptar o seu código deontológico à lei, mas sim a recusa daquela em fazê-lo. Não se pode admitir que uma corporação profissional pública se coloque ostensivamente fora e acima da lei, num intolerável desafio à primazia da lei e ao Estado de direito. O Estado tem o dever de impor o respeito pela autoridade da lei. A posição da Ordem dos Médicos é que não pode prevalecer.
De resto, o ministro da Saúde escolheu a via mais moderada e menos intrusiva de lidar com a situação, ao decidir pedir a declaração judicial de nulidade das normas em causa, pois poderia optar pura e simplesmente pela revogação legislativa do código deontológico, na parte ilegal. É bom não esquecer que, além de não estarem protegidas por uma "garantia institucional", as ordens profissionais muito menos gozam de uma autonomia regulamentar constitucionalmente garantida. Se abusam dela, sujeitam-se a serem dela privadas...
vital moreira, JP 22.11.07
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