sexta-feira, fevereiro 29

PPP à portuguesa (6)

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Foi há dias mostrada ao mundo, com direito a discurso do Primeiro Ministro a cerimónia de colocação da primeira pedra da construção do Hospital de Cascais, o primeiro a ser construído em parceria público privada, isto é, sob a responsabilidade de uma associação entre o Ministério da Saúde e do seu orçamento e uma empresa privada: uma parceria publico privada.

Nunca percebi bem a vantagem e sobretudo a “pureza” desta associação de dinheiros públicos com interesses privados que o Reino Unido também experimentou, com resultados discutíveis, diga-se de passagem.

O sistema de saúde português assenta fundamentalmente num serviço público estatal, o Serviço Nacional de Saúde (SNS), financiado, até agora, pelo Orçamento do Estado e proprietário único dos seus Hospitais e Centros de Saúde.
Este grande serviço não impediu, felizmente, que no nosso país se desenvolvesse também um sector privado, possuindo, também ele, os seus próprios equipamentos, hospitais, clínicas, laboratórios, casas de saúde, bem como, liberdade de planeamento e investimento..
São os dois pilartes em que assenta a prestação de cuidados médicos do País que devem manter-se autónomos, como tem sido amplamente defendido pelos partidos ao longo dos anos, embora desejavelmente articulados, por convenções, programas, programações comparadas, de forma a que todos exerçam serviço público e o cidadão tenha liberdade de escolha.
Aliás, a independência destes dois sectores é tão importante, que todos os programas políticos preconizam e muitos veementemente defendem, que os próprios profissionais devem trabalhar apenas num dos sectores, para se evitar o natural conflito de interesses.

Dois sectores independentes e com distintas obrigações, em que o Estado através do SNS garante a qualidade, a formação, a actualização dos dois sectores e estabelece com o sector privado convenções de prestação de serviços, realizando assim os dois grandes princípios da política de saúde: o princípio do “ dinheiro segue o doente”, garantindo os seus direitos independentemente do sector onde se trate, e o principio de que o Estado não é, nem deve ser, o prestador único, mas sim o garante de que ninguém deixa de ser tratado por razões de falta de capacidade no sector publico.
Nada disto é perceptível na “filosofia” das parcerias e nesta agora iniciada.
E as ambiguidades foram logo bem patentes na cerimónia de inauguração com o Primeiro Ministro a insistir que o Hospital era do SNS, propriedade bem frágil porque a empresa privada vai administrá-lo e dirigi-lo clinicamente durante 30 anos, pagando o Estado, para além da sua parte nos custos da construção, os serviços que prestar à populações em períodos renováveis de dez anos!

Sabendo nós que a Medicina hospitalar e as suas necessidades evoluem com a rapidez de semestres, se não de semanas, que sentido têm contratos assinados quando é lançada e primeira pedra?
Que serviços serão necessários neste hospital dentro de três ou quatro anos ?
Que sentido tem dizer agora que deve ter ou não uma unidade oncológica?
Que sentido tem afirmar que vai ter os serviços anunciados quando nada garante deverem existir dentro de meia dúzia anos.

E sendo assim, que sentido assinar agora contratos de prestação de serviços, se preços e custos serão completamente diferentes quando inaugurado, mesmo se, o que francamente duvido, tal venha a suceder dentro de dois anos?

Nesta jogada às escuras do Estado apenas se sabe uma coisa: o parceiro privado não tem nenhum risco no processo e tem toda a liberdade de reivindicação e de modificação de contratos porque é inevitável a perpétua mudança das necessidades.
E o Estado, alivia-se de encargos iniciais, mas fica impossibilitado de se distanciar e defender os interesses da comunidade porque é parceiro e associado.
Se é necessário um hospital e se o sector privado está interessado em construi-lo, deve ser incentivado a fazê-lo por sua conta e risco, com a garantia de que o SNS será seu cliente, exigente e atento.
Mas sócio da empresa e pagador de serviços à empresa de que é sócio, desculpem, mas não é nada transparente.
Nem bom negócio para o País!
Paulo Mendo, PJ 28.02.08

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4 Comments:

Blogger ochoa said...

Um dos grandes responsáveis por este mega negócio foi o ex ministro da Saúde, Correia de Campos.


As parcerias público/privadas defendem os interesses do Estado
«Agora quero falar-lhe sobre a questão dos investimentos. Porque é que agora estamos a trabalhar com parcerias público/privadas para fazer novos investimentos? Na óptica da maioria das pessoas, a razão dessas parcerias prende-se com o facto do Estado não ter dinheiro, e em vez de pagar nos próximos cinco anos, paga nos próximos trinta. Este aspecto só é uma parte da verdade. E talvez não seja a parte mais importante da verdade. A parte mais importante da verdade é que através de uma bem desenhada parceria pública/privada, o Estado vai partilhar com o sector privado os riscos dos empreendimentos. E creia que os riscos são muitos. Note: é o risco de um mau desenho; é o risco da má construção; é o risco da derrapagem do tempo de construção; é o risco dos imprevistos nas fundações, enfim, como vê são inúmeros os riscos que envolvem estes projectos». E Correia de Campos foi mais longe: «No sul de Lisboa temos um hospital que foi construído há menos de vinte anos e que está a abrir fissuras por toda a construção. Tem que muito rapidamente ser sujeito a obras. Depois temos outro no Centro do País, cuja construção ficou concluída em 1990 e que está a necessitar de obras urgentíssimas no valor de um milhão e meio de Euros. Como se isto não bastasse, posso ainda dizer-lhe que há hospitais que estão a ser construídos e, para agravar todo o panorama do investimento, foi encontrada água nas suas fundações, o que naturalmente vai provocar elevadíssimos sobre-custos de construção. Estes riscos não existiriam se a parceria fosse público/privada. E isto porque quem constrói um hospital sabe que tem que o administrar durante trinta anos, e não vai concerteza construí-lo sem tomar as devidas precauções no que respeita à construção. Actualmente, quem suporta todos os custos é o sector público, mas se estabelecermos um contrato de parceria, se o parceiro privado não atentar às melhores condições no que respeita por exemplo à construção, será a ele que cabe suportar todos os custos inerentes a eventuais falhas técnicas». Mas também aqui o Ministro se salvaguarda: «Sob o ponto de vista teórico, todos estes processos se mostram interessantes, mas na prática, e como não temos grande experiência de parcerias, pode não ser assim tão fácil, e para isso, mais uma vez a Entidade Reguladora da Saúde tem que existir para estudar todos os prós e os contras, estudar minuciosamente os delicados mecanismos económicos e financeiros que envolvem projectos desta envergadura e chamar a atenção do Governo para vícios que possam ter passado despercebidos até ao próprio Ministro».

Entrevista ao Ministro da Saúde – Correia de Campos
In Gestão & Saúde, N.º3, Outubro 2005

12:55 da manhã  
Blogger Clara said...

O ar de tristeza da senhora ministra, diz tudo!

2:35 da manhã  
Blogger Joaopedro said...

A pose da senhora ministra é como se de um funeral se tratasse.

1:48 da tarde  
Blogger Tá visto said...

Bem prega o Dr. Paulo Mendo, mas não foi ele que na qualidade da Ministro da Saúde decidiu entregar a gestão do Amadora-Sintra ao grupo Mello? Então este acto não constituiu e deu mote às parcerias público-privadas? Ainda por cima consentindo num contrato desastroso, que tem sugado milhares de contos ao erário público e levou a tribunal Ana Jorge e outros elementos da ARS de Lisboa?

10:58 da tarde  

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