segunda-feira, março 3

CC no DE


Debater para educar
Veterano de quatro “Prós e Contras” não consigo evitar a comparação entre os defensores da anti-reforma, na Educação e na Saúde.

O “Prós e Contras” da semana passada, dedicado à Educação, voltou a ser um bom e útil debate. Bom pelos conteúdos e pela forma. Percebemos melhor os problemas (aulas de substituição, avaliação, hierarquia de carreira, gestão das escolas) e tivemos uma impressionante actualização da técnica do salame, praticada pela FENPROF e seus álacres acompanhantes. Em dois raros momentos de esperança, um sexagenário professor de Matemática e um arguto professor universitário vieram, o primeiro dizer-nos que nem tudo estará perdido, nem será necessário que os seus colegas se deixem assombrar pelo fantasma da avaliação e o segundo explicar por que tem a Escola que mudar, quando à sua volta tudo mudou, sem darem conta. Quanto à forma, o programa desnudou o método da agressiva e organizada presença dos líderes sindicais, e seus émulos, a surpresa, surpresa, de mais umas sentenças esvoaçantes, alegadamente contra a ministra, sua persistência, coerência e coragem. Com o correr do tempo, certamente pela nobre necessidade de alguns dos intervenientes terem de estar logo de manhã a ensinar em vários locais distantes de Lisboa, o debate esmoreceu. Os agressivos festeiros foram perdendo gás à medida que a racionalidade alternativa ia fazendo o seu caminho. E não havendo mais coelhos a retirar da cartola, tudo regressou ao ponto de partida, só que um pouco mais acima: na exacta medida do valor líquido do esclarecimento correcto.

Veterano de quatro “Prós e Contras” não consigo evitar a comparação entre os defensores da anti-reforma, na Educação e na Saúde. São várias as diferenças: os participantes na Educação foram no geral bastante mais agressivos, menos racionais, mais demagógicos, mais organizados fisicamente, mas bastante menos argutos que aqueles que habitualmente defrontávamos. Fáceis de liquefazer, mesmo no “número” das sentenças, quando a ministra desfez com uma só frase a credibilidade do simultaneamente arauto e actor. Dei por mim a tentar perceber o porquê das diferenças. Só encontro uma explicação. A oposição às reformas educativas é “sindicalismo em estado puro”, com pretensa “superioridade moral” . Mas o que parece uma força é, na verdade, uma fraqueza.

Trata-se de uma impossibilidade material: como é possível estar contra as aulas de substituição ou mascarar essa oposição inicial com a posterior reivindicação de as tolerar desde que pagas em horas extraordinárias? Como é possível ser contra a avaliação, ou apenas contra a sua complexidade, ignorando o rigor e a qualidade que devem ser colocados em cada julgamento? Como é possível ser contra a hierarquia docente, assente em critérios objectivos, com o argumento de que a selecção não foi perfeita, terá deixado alguns de fora, ou deva ainda ser corrigida? Porventura ficou fechada a porta do aperfeiçoamento das soluções? Como é possível ser contra a direcção unipessoal das escolas, com base em planos, programas e órgãos consultivos de representação comunitária, com o vetusto argumento da alegada “gestão democrática das escolas”? Em que século vivem os opositores das reformas na Educação? Terão eles pensado no dia seguinte?

Falhado que sempre será o seu objectivo de levar a ministra à demissão, cumprido o calendário das manifestações com ou sem SMS convocatório, enrolados os cartazes plastificados que viajam de norte a sul, que mais lhes restará? Não pensaram na erosão das respectivas posições negociais, no respeito pelos cidadãos que a todos nos sustentam, no triste exemplo educativo para os jovens?

Não, não foi tempo perdido. Por mim, que só de longe acompanhei estes meses de discórdia, bem como para milhares de portugueses, foi útil observar este novo conservadorismo de pequenos interesses e evanescentes micro-poderes.

Há muitos professores desmoralizados? Não sei. Mas haverá sempre muitos mais, velhos e novos, dispostos a aceitar a diversidade, a aprender para melhor levar a aprender, prontos para a aventura da mudança a favor do progresso. Há certamente muitos mais professores Arsélios do que se possa pensar.
António Correia de Campos, Professor universitário, DE 03.03.08.

Educação e Saúde, outras guerras. Educação: contras tenrinhos; Interesses ligeiros; adesão popular fraquita e, ainda por cima, rende votos.
O que não é suficiente para justificar o chumbo do ministro da saúde.
Primeira crónica amarelita.

3 Comments:

Blogger tambemquero said...

Os professores

Não há reformas absolutamente consensuais, pois quase todas afectam interesses de grupo
São muitos e até têm razões de queixa. Mas o grande número ainda não confere poder de veto político e os motivos para protesto não lhes dão razão na sua oposição global à reforma da escola pública. Como sucede com a generalidade das lutas de carácter sectorial, centradas na defesa de interesses profissionais, a sua capacidade para vingar na opinião pública e para vergar o poder político é reduzida.

Há quem tenha a ilusão de que milhares de professores na rua podem arrastar a demissão da ministra da Educação e paralisar as reformas em curso. Não se dão conta, porém, de duas coisas elementares: primeiro, Maria de Lurdes Rodrigues já deu sobejas provas de que não se deixa impressionar pela contestação; segundo, Sócrates nunca poderia ceder numa reforma essencial para a modernização do país, por causa do protesto profissional. Ainda que este conte com o apoio dos habituais (e dos novos...) "partidos de protesto", a instrumentalização partidária de lutas profissionais não ajuda nada ao seu êxito, antes lhes retira legitimidade. De resto, para além de justa em si mesma, a reforma da educação até pode render mais votos na população em geral do que os que faz perder entre os professores...

A reforma do ensino público é essencial à sustentabilidade da escola pública, à melhoria do seu desempenho e à correcção dos vergonhosos indicadores nacionais no que respeita ao insucesso escolar e ao défice de qualidade do ensino. Tínhamos escolas e professores a mais e qualidade e produtividade a menos. A escola funcionava a meio tempo para a generalidade dos alunos e nem sequer proporcionava aulas de substituição no caso de falta dos professores. Uma insólita carreira profissional "plana" fazia prevalecer a antiguidade, e não o mérito, na progressão profissional. Faltava tanto uma genuína avaliação de desempenho como mecanismos elementares de selecção qualitativa dos professores. Um sistema de autogestão no governo das escolas gerava "endogenia administrativa", défice de autoridade e falta de responsabilidade perante o exterior. Em consequência da sua degradação, a fuga da escola pública acentuava-se. Era preciso mudar quase tudo, portanto.

Os professores bem podem queixar-se da avalancha que lhes caiu em cima desde há três anos e que alterou profundamente a sua condição profissional. Mais tempo na escola, aulas de substituição e maior controlo da assiduidade, mais dificuldade de progressão na carreira, mais exigências de avaliação dos alunos e de informação aos pais, um exigente regime de avaliação, um novo sistema de governo escolar que lhes retira o monopólio na gestão escolar. Sentem-se vítimas de uma revolução que lhes cai em catadupa sobre a cabeça, sem tréguas, ainda por cima acompanhada do congelamento de progressões na função pública, que condena muitos professores à baixa remuneração de entrada na actividade.

Enquanto o Governo dá mostras de querer corrigir em quatro anos os erros e omissões de 30 anos, os professores adoptaram em geral uma posição radicalmente conservadora e reactiva. Mal habituados a levar sempre a melhor contra a 5 de Outubro, arrancaram logo em 2005 com uma greve a exames. Perderam, mas não se conformaram, tendo-se oposto irresponsavelmente a todas as mudanças, desde a redução das escolas sem alunos até ao concurso plurianual de professores, desde o novo estatuto da carreira à reforma da gestão escolar. O radicalismo sindical da Fenprof, instrumento sindical do PCP, não deixou margem para nenhum acordo nem nenhuma ponte.

Costuma dizer-se que as reformas devem ser feitas com os profissionais dos sectores em causa. A tese não é em geral verdadeira, verificando-se quase sempre a oposição dos interesses profissionais afectados. Na maior parte dos casos, os profissionais são mais forças de conservação e de reacção do que de mudança. No caso da reforma do ensino público, os professores mostraram desde o princípio que ela não podia contar com a sua aceitação, muito menos com a sua colaboração. Por culpa própria, forçaram uma reforma contra eles, já que partiram em guerra contra ela, sem concessões nem compromissos.

É sem dúvida desejável que as reformas sejam feitas, tanto quanto possível, em diálogo com os grupos profissionais afectados, procurando captar o apoio ou pelo menos a não hostilidade dos sectores moderados da profissão. Mas não pode haver ilusões quanto a realizar reformas sem ter de enfrentar e de vencer muitas resistências. Não há reformas absolutamente consensuais, pois quase todas afectam interesses de grupo. Quem não queira ou não possa vencer tais resistências não deve encetar nenhuma reforma de fundo.

Se se pode ter de fazer uma reforma contra a hostilidade dos profissionais, já é ilusório pensar que se pode levar de vencida essa resistência sem ganhar o apoio daqueles que delas são beneficiários, ou seja, os cidadãos e os contribuintes, em geral, que são os destinatários dos serviços públicos e suportam os seus custos. Estará votada ao fracasso toda a reforma que não estabeleça como ponto inegociável que os serviços públicos (escolas, hospitais, tribunais, etc.) não pertencem nem estão ao serviço dos respectivos grupos profissionais, mas sim da colectividade e dos seus utentes e beneficiários.
De facto, por mais legítima que seja a defesa de interesses profissionais dos professores (o que não está em causa), não existe nenhuma razão para crer, pelo contrário, que eles coincidem com os interesses das escolas e dos seus utentes, que cabe ao poder político prosseguir. Como bem disse há dias um comentador, "sem professores não há escola, mas a escola não é dos professores".
Em seu próprio benefício, os professores deviam tornar-se parte da solução e não parte do problema. Também no interesse da reforma, a ministra da Educação deve trabalhar para isolar os sectores radicais e conquistar pelo menos a compreensão dos sectores mais moderados. Mas, chegada a hora de optar, não pode sacrificar nem adiar a reforma do ensino público de que o país não pode prescindir.
Vital Moreira, 04.03.08

9:02 da manhã  
Blogger Clara said...

Perdeu-se um bom ministro da saúde, ganhou-se um bom colunista. Falo de António Correia de Campos, que na sua primeira coluna no Diário Económico apoia as reformas de Maria de Lurdes Rodrigues.
Solidariedade reformadora...
vital moreira, causa nossa

3:52 da tarde  
Blogger e-pá! said...

THE RELAPSING FEVER...

A crónica de CC no DE é absolutamente freudiana.

Os adultos gostam da sátira política, na paródia da realidade, nos jogos de palavras.
Quando referia adultos pensava em políticos retirados...

Mas se eu fosse um jovem professor adoptaria a aventura, a comédia e a farsa...
Tornava-me num caminhante para a luta no lago dos sonhos, onde na margem um transfuga começa a escrevinhsar uma pergunta para atirar aos portugueses...

Used to be that you could retrain and the question marks would revert to what they were...

10:48 da tarde  

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