sábado, março 8

Pessimismo


Sonho e Pesadelo
Na sessão de abertura do 25.º Encontro Nacional de Clínica Geral, o presidente eleito da norte-americana WONCA, congénere da APMCG, revelou um sonho que é, simultaneamente, um pesadelo: o de, um dia, serem convidados pelo Governo a «consertar o sistema».

Em Portugal, o sonho é uma realidade: a APMCG foi chamada ao poder, através da Unidade de Missão dos Cuidados de Saúde Primários, para fazer a reforma destes, para «consertar o sistema» (e os americanos aguardam com expectativa o resultado); oxalá não venha a transformar-se também em pesadelo.
A inquietação provém de verificarmos que a criação de USF parou e, nas existentes, já alguns se interrogam sobre a bondade de continuar; e de o debate sobre os incentivos financeiros estar gravemente ferido, depois de o SIM ter abandonado as negociações. Até onde poderá a APMCG prosseguir na reforma cuja filosofia inspirou (por oposição à política do então ministro Luís Filipe Pereira, que visava entregar a empresas a gestão dos centros de saúde) se não houver incentivos? A especialidade é maioritariamente constituída por médicos na faixa etária dos 50 anos e superior, a quem se pede que vejam mais doentes e que estejam mais disponíveis – e que deixaram de auferir o pagamento das horas trabalhadas nos SAP nocturnos, na maioria já fechados. Pede-se-lhes, em suma, que trabalhem mais, ganhando o mesmo (e, aqui, pouco sentido faz pensar em incentivos, trata-se de pagar o trabalho suplementar realizado). Nestas circunstâncias, como mobilizar os médicos de família para uma reforma central no programa deste Governo, que a nova ministra da Saúde apoia expressamente e afiança ser para concretizar?

O que se viu no Algarve retrata bem a delicada situação em que se encontra a APMCG. De ano para ano, vai diminuindo o número de profissionais presentes na sessão de abertura do Encontro, de onde estiveram ausentes representantes do SIM e da Ordem dos Médicos. Nem mesmo os que compareciam para discordar apareceram para aquecer o debate. Há um desencanto patente que nos entristece, porque a APMCG merecia mais, no seu 25.º de existência, do que o vulto de um beco sem saída – os tempos não vão de feição para os idealistas, e a reforma, só com estes, porque são poucos, não se fará ou ficará muito aquém das expectativas.
Continuaremos atentos ao desenrolar deste processo, desejando que a APMCG, cuja importante actividade temos seguido desde o início, não venha a ser confrontada com o inêxito de um «conserto» cuja paternidade em boa parte lhe cabe.
TM 10.03.08

8 Comments:

Blogger tonitosa said...

Sonho e Pesadelo...
Desculpem-me os que possam achar este meu comentário é exagerado, mas não resisto a voltar à foto, colocada pelo Xavier, alusiva à visita ao Centro de Saúde de Torres Vedras.
É que, voltando a olhar para aqueles sorrisos do nosso PM, da MS e dos seus acompanhantes, incluindo o da senhora que se encontra sentada, sinto náuseas por achar a situação ridícula!
Ou será que o doente estava com "gases" e deixou-se ir?
E pergunto: estará esta "gente" (gente com letra pequena) a ser séria para com os cidadãos? Não andarão a gozar com o pagode?
Meu Deus, a quem estaremos nós entregues?
Acho mesmo que o PM JS, com toda a máquina de propaganda que montou à sua volta, começa a cair no ridículo.
É um exagero (e um erro político, do meu ponto de vista) aparecer a falar à comunicação social por tudo e por nada, a propósito e a despropósito.
E naquele seu sorriso começam a notar-se tiques de nervosismo!

2:05 da manhã  
Blogger Paracelso said...

WONCA=Organização mundial de Medicina Familiar da qual faz parte a APMCG e nõa é uma congénere americana...por sinal o presidente da WONCA é que é de nacionalidade americana. Sobre administração hospitalar também sou amador.

10:05 da manhã  
Blogger xavier said...

Agradeço a correcção.
Limitei-me a transcrever o artigo da "Tempo de Medicina" sem correcção do que me passou despercebido.

1:35 da tarde  
Blogger Tá visto said...

Não surpreende que o SIM tenha abandonado as negociações. Os seus dirigentes estão mais motivados para uma filosofia de medicina convencionada do que para o exercíco em Unidades de Saúde Familiares. E, em grande medida, tudo o que sirva para travar o avanço destas unidades vem de encontro aos seus desígnios.
O Expresso traz hoje uma notícia sobre os Centros Comerciais da Saúde, com Delarue esperançado em que a futura lei da convenção (em revisão segundo Ana Jorge) vá no sentido de um ainda maior alargamento do SNS aos privados. Questionado sobre onde iria encontrar médicos para fazer avançar o projecto, lá foi dizendo que a ideia é ter médicos em suplemento como SNS. Imagino que Menezes, depois de ter dito que se fosse poder acabaria com a promiscuidade público/privado na saúde, já lhe deve ter telefonado a dar um puxão de orelhas. A continuar assim desbocado, Delarue ainda vê este negócio ir pelo mesmo caminho do dos telemóveis e corre o risco de não vir a ser o futuro ministro-sombra do PSD para a saúde.

4:21 da tarde  
Blogger e-pá! said...

UNE NUIT SANS LUNE…


O paradigma sobre o qual se construiram as USF’s, está em vias de esgotar-se!

Aliás, o modelo baseava-se, em mais trabalho (em horas/dia e nº. de utentes/médico) – supõe-se que melhor vontade já que havia motivação – e numa nova construção do tipo das pirâmides de Gize – do base para o apex!
Os cuidados primários de saúde – como aliás todos os tipos de cuidados - só podem beneficiar com uma boa “clinical gouvernance”.
Foi isso que as USF’s andaram à procura e em certa medida conseguiram. Agora, não tinham, nem têm, capacidade de introduzir um score suficientemente amplo de diferenciações técnicas. O regime de contratualização acabaria por inquinar todo o sistema.

Primeiro fundaram-se as Unidades tipo A (idênticas às da Administração Pública).
Pelo meio apareceram um RRE, paracas em todo o País, mas em Lisboa e VT foram uma praga.
Depois, as USF’s tipo B que tardam a aparecerem. Mas, cada vez mais ouvem-se as vozes que sem as unidades tipo B, o barco vai ao fundo. Faltam-lhe os incentivos. Não! Para as USF’s tipo B vêm os incentivos mas … eles são também o pomo da discórdia.
Resta-nos as USF’s tipo C que pressupõe a existência de um contrato-programa. Todavia o mais importante será uma eventual migração do sector público para o privado. Pelo meio um sector cooperativo para disfarçar.
Os HH’s PPP’s de cariz universitário, como o de Braga e outros, – difícil imaginar a gestão clínica! – vão necessitar de cuidados primários na proximidade. Um bom papel para as USF tipo C.

Porque as “A” estão condenadas, as B no centro de um furacão dos incentivos (serão a transição?)
As “C” privadas ou privatizadas, desculpem, o termo correcto é: “gestão não pública”, são o futuro!

Qualquer português saberá, daquele saber de experiência feito que, das 165 USF’s “listadas” , seguir-se-á a faina de arrasto.
Isto no Litoral – onde se encontram USF’s – porque no interior a persistência de Centro de Saúde sem qualquer reconfiguração, levará à “joãosemanização” dos resistentes (e residentes) idosos (com mais de 50 anos), fora de qualquer enquadramento organizativo e institucional. É a versão rural da gestão não pública da saúde…

Bem. Este é um assunto sobre o qual correrá muita tinta.
Como disse em Dezembro 2007, Rui Ramos, historiador e Doutor em Ciência Política:
“A população começará a diminuir em 2010. …
Em meados do século XXI, haverá menos um milhão de portugueses e 32% terão mais de 65 anos”.

Grande parte da justificação das USF’s esboroa-se…nestas contingências demográficas.
Aliás hoje uma anunciada “limpeza de ficheiros” fez uma autêntica razia aos utentes sem médico de família e pior, a um impressionante número de portugueses que não são (voluntariamente) utentes, prescindindo dos serviços do SNS.
A outra afunda-se em aspectos organizativos, institucionais, corporativos, nas contratualizações …nos incentivos….

Finalmente, quase me … esquecia das ACS tão precoces e predestinadas para coordenar e promover ganhos de saúde para a comunidade ! Onde pode a todo o momento começar uma nova guerra com a gestão financeira, a liderança de recursos humanos e a palavra maldita de hoje: a avaliação.

Bem, segue-se, para já, o silêncio das palavras:
“Je hurle avec les loups
Par une nuit sans lune… »

6:23 da tarde  
Blogger Carago said...

Como é fácil falar-se do que se não sabe ou se sabe muito pouco...Relativamente aos comentários do TÁ VISTO e à sua afirmação de que o SIM abandonou as negociações sobre a Protaria dos incentivos pq os seus dirigentes (?) estão mais vocacionados para uma filosofia de medicina convencionada (?), é lapidar!
O SIM deu por terminadas as negociações em questão por uma simples razão: uma Portaria pretende dar o dito por não dito sobre o que está legislado no Decreto-Lei das USFs e aprovado negocialmente pelo SIM, afastando os médicos da possibilidade de terem incentivos financeiros!
E meus caro senhor, os designios do SIM não são travar as USFs mas sim fazer que este modelo organizativo funcione de modo transparente, honesto e não defraudando os médicos que nele acreditam ou se sintam tentados a seguir. Apontando publicamente as colagens ao poder e ao Governo de decisores médicos que em mesas negociais representam o patrão Estado...e entoam cânticos de sereia e loas...O Sindicato Independente dos Médicos dizia aos seus associados, maioritariamente trabalhadores assalariados do estado no SNS, em janeiro de 2006:
CARO COLEGA, MÉDICO DE FAMÍLIA E ASSOCIADO DO SIM
O novo modelo organizacional de USF que se pretende implementar, com implicações a nível dos regimes de trabalho e remuneratório, apresenta vantagens e desvantagens.
Para os colegas actualmente em regime de trabalho em 35 horas sem exclusividade, este modelo oferece significativas vantagens remuneratórias e a possibilidade de continuação do exercício de medicina privada, ainda que as responsabilidades, as exigências e o trabalho sejam acrescidos.
Também para os médicos especialistas em MGF com contrato administrativo de provimento esta poderá ser uma boa opção, ainda que se ignore o tipo de vínculo a que ficarão sujeitos.
Mas não é apenas a remuneração que está em causa, outros atractivos poderão existir (eventual mudança de local de trabalho, forma de trabalhar, equipa de trabalho, etc.) e a ser tidos em conta na decisão.
Quanto á referência ao Sr. Nuno Delerue e ao negócio Netmédico talvez deva saber que a estrutura médica que se opõs formalmente ao "negócio" e alertou para as suas eventuais implicações, independentemente de mais valias téncicas...pois sabia que foi exactamente o Sindicato independente dos Médicos?

9:43 da tarde  
Blogger tambemquero said...

No ano passado tivemos 16% de óbitos e aconteceram pouco tempo depois de as pessoas terem sido admitidas. Isto revela que a referenciação não foi adequada. Os hospitais fazem as transferências porque a mortalidade é um indicador na avaliação da efectividade
Manuel Lemos, presidente da UMP
expresso 01.03.08

«Cada hospital é obrigado a ter uma equipa de gestão de altas, com regras precisas»
Manuel Delgado

11:28 da tarde  
Blogger Clara said...

Condenados a entender-se

Na abertura do 25.º Encontro Nacional de Clínica Geral, Luís Pisco aproveitou para dizer aos médicos que não é o confronto que resolve os problemas actuais. E sublinhou que é necessário trazer todos os profissionais para a discussão sobre a reforma dos cuidados de saúde primários.
O presidente da Associação

Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral (APMCG), Luís Pisco, abriu o 25.º Encontro Nacional de Clínica Geral, organizado pela APMCG, com alguns «recados» aos colegas de profissão. A actualidade é marcada por um conturbado processo de atribuição de incentivos financeiros aos profissionais das unidades de saúde familiar (USF), do qual os médicos vão ficar de fora, e pela criação dos agrupamentos de centros de saúde, que poderão não ser geridos por clínicos. E o responsável, apesar de nunca se referir directamente a estas situações, afirmou: «O nosso futuro está, quer gostemos ou não, quer queiramos ou não, indissociavelmente ligado ao dos outros profissionais que connosco trabalham.»

Além disso, Luís Pisco indicou, na cerimónia de abertura do evento, realizado de 5 a 8 de Março, em Vilamoura, que «não é criando e promovendo um ambiente de confronto, desconfiança, ressentimento e de acusações mútuas» que se vai conseguir «melhorar a actual situação». Uma crítica que parece dirigida ao Sindicato Independente dos Médicos (SIM), que se tem insurgido contra o alegado favorecimento dos enfermeiros na negociação do sistema de incentivos financeiros nas USF (ver nossa edição de 3 de Março).
Entre os cerca de 300 participantes na cerimónia, para além da ausência do SIM não esteve também ninguém da Ordem dos Médicos. Fonte oficial da instituição esclareceu, contudo, que Pedro Nunes foi convidado e que não compareceu por questões de agenda. Por outro lado, Ordem dos Enfermeiros e Fnam estiveram representados, e própria ministra da Saúde, Ana Jorge, fez questão de comparecer.

Num discurso que pode ser entendido como um «piscar de olho» aos enfermeiros, Luís Pisco afirmou ser necessário «envolver nesta discussão» todos os profissionais que trabalham nos centros de saúde. E sublinhou que «para bem da saúde dos portugueses, para bem da Medicina Geral e Familiar e para bem dos médicos de família», os membros da APMCG estão «dispostos a trabalhar, colaborar, participar».

Médicos «debaixo de pressão»

As palavras endereçadas à ministra da Saúde foram mais ambíguas. Dirigindo-se à governante, Luís Pisco afirmou que esta seria a «altura indicada» para lhe falar das «preocupações» e dos «problemas». E ao dizer que, contudo, não queria falar da «falta de recursos humanos», de «aspectos remuneratórios» e de «insatisfação», acabou por mencionar três aspectos menos positivos.

Além disso, indicou que os médicos de família estão «inseguros» em relação à sua «verdadeira situação no sistema de Saúde», dizendo mesmo que estes profissionais estão «debaixo de pressão», com o futuro a parecer-lhes «cada vez mais incerto». Mas recusou uma postura de inacção, ao dizer que a APMCG «já demonstrou, no passado, que tem capacidade para ajudar a construir projectos», ao mesmo tempo que «é capaz de se opor a políticas que considera lesivas».

A acção dos médicos nas reformas em curso é uma ideia que encontra eco na posição de Ana Jorge. No seu discurso, a ministra da Saúde afirmou que «ao Governo cabe enquadrar, orientar, facilitar», mas são os médicos que devem ser os «autores e actores» dos projectos. Sobre os que estão em curso e as polémicas do momento, pouco ou nada adiantou, apenas referiu que a atractividade dos CSP «não passa apenas pelo modelo retributivo e de incentivos». Mas em relação ao que pode ser feito neste âmbito, indicou somente que as medidas passam por «alargar o actual clima de empenho e de entusiasmo», que considera existir nas USF, aos outros profissionais dos centros de saúde, além do «apoio e reforço» do internato médico de MGF.

De resto, focou a descentralização e desconcentração da gestão dos centros de saúde, a criação de direcções técnicas, do registo nacional de utentes e do programa «Consulta a tempo e horas».

Da parte de Luís Pisco quem mereceu críticas explícitas foi o Infarmed. O responsável afirmou que «está em preparação mais um ataque do Infarmed às publicações científicas e jornais médicos», referindo-se à entrada em vigor, a partir de 1 de Abril, do novo regulamento sobre publicidade a medicamentos.

«A outra parte da Medicina»

A ministra da Saúde foi ao Encontro Nacional de Clínica Geral apresentar o volume VIII do livro O Lado Humano da Medicina. Contos Médicos. Nas suas palavras, trata-se de uma obra que tem «a outra parte da Medicina». A governante brincou com o facto de não poder constar do livro por não ser médica de família, mas fez questão de apresentar aos presentes o seu conto, baseado na relação que mantém com um doente com spina bifida. Para Ana Jorge, o que se escreve é, muitas vezes, o que «consegue ajudar a ultrapassar os reveses e dificuldades» de nem sempre se conseguir «ajudar a viver».

O livro é editado pela Paixões Mundanas e tem 14 contos escritos pelos médicos de família Ana Rua, Eduardo Aranha, Maria Eduarda Sousa, Mário Moura, Rui Cernadas, Manuela Victor, Paula Serafim, Tiago Villanueva, António Marques Leal, Mário Salgueiro, Maria Adelaide Dias, Ana Resende Mateus, Cristina Galvão e José Marcelino Pereira.

TM 10.03.08

11:48 da tarde  

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