Rigor, precisa-se
“Mellos excluídos do SNS. O Amadora-Sintra será gerido pelo estado já em 2009: privados fora da Saúde Pública.” link
O DE, bem acompanhado por mais alguns órgãos da nossa comunicação social; DN, CM , edita hoje (20.03.08) mais um título desprovido de rigor.
Basta recordar, a propósito, que a José de Mello Saúde lidera o consórcio que ganhou o concurso de adjudicação do novo Hospital Universitário de Braga. O BPN explora em regime de parceria público privado (PPP), o Centro de Medicina Física e Reabilitação de São Brás de Alportel, e que um consórcio, liderado pelos HPP, é adjudicatário da construção, manutenção e gestão do novo Hospital de Cascais.
Etiquetas: Público e privado
2 Comments:
Afinal quem anda a excluir quem?
O Cuf Descobertas terá vagas para formar pediatras.
É inédito: a Ordem dos Médicos vai confiar a um grupo económico a tarefa até aqui exclusiva do Estado.
A tradição quebrou-se. A imagem de estagiários, atrás de um conceituado médico, a romperem pela lotada enfermaria de um hospital público pode ter os dias contados. A razão é simples: pela primeira vez em Portugal um grupo privado foi autorizado pela Ordem dos Médicos (OM) a formar especialistas. O beneficiário do reconhecimento de idoneidade formativa - nome técnico - é o Serviço de Pediatria do Hospital Cuf Descobertas, da José de Mello Saúde.
O processo obrigou à satisfação de um intrincado conjunto de exigências e inspecções de representantes, no caso, do Colégio de Pediatria da OM. “Foi nossa convicção que reunia as condições. O Colégio não defende nenhuma política de público ou privado...”, diz o presidente, Anselmo da Costa. E esta foi só a primeira vitória: ao Expresso, a José de Mello de Saúde revelou que estão em curso pedidos para dar formação em cinco outras áreas médicas. A saber, imunoalergologia no Hospital Cuf Descobertas e otorrino, cardiologia, imagiologia e gastrenterologia na unidade Cuf Infante Santo.
Os primeiros lugares devem estar disponíveis em 2009, se a tutela não atrasar o processo - “a abertura de vagas é uma decisão política”, salienta o presidente do Conselho Nacional do Médico Interno, Rui Guimarães. Burocracia à parte, “o grande mérito é o facto dos privados se terem interessado pela formação quando no Estado há receio de receber internos - que têm um ritmo de trabalho menor - devido à pressão dos números. Por isso, este interesse dos particulares tem de ser incentivado”, acrescenta o responsável da OM, Anselmo da Costa. E os privados até querem ir mais longe, isto é, chegar às licenciaturas.
Ao Expresso, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago, reafirmou que vão abrir mais vagas nos sete cursos públicos existentes e que “não há qualquer restrição à acreditação de cursos de medicina propostos pelo ensino privado”. No entanto, como fez questão de sublinhar, “tal não aconteceu até agora porque, de acordo com a avaliação internacional, as propostas apresentadas não reuniam as condições mínimas”. A Universidade Católica foi a primeira a entrar na corrida mas a ficar pelo caminho. Confrontado com o comentário do ministro sobre a qualidade das candidaturas, o reitor, Manuel Braga Cruz, é peremptório: “Mariano Gago não deve ter visto o nosso projecto”. Aliás, o reitor diz mesmo que “o anterior ministro da Saúde, Correia de Campos, disse que o nosso projecto foi o melhor que ele viu na vida. Envolvia a escola médica de Harvard e o Grupo Mello”.
Os Mello não desistiram e já marcaram pontos: ganharam a parceria com o Estado para o novo hospital universitário a construir em Braga cujo protocolo deverá incluir a gestão da unidade.
semanário expresso, Edição 1847 de 21.03.2008
JORNALISMO
Há bom e mau.
Este é do bom.
25% da Saúde é privada
Doentes preferem pagar para ter acesso rápido. Público só ganha em casos graves
O luxo de ter um médico particular que só os ricos podiam pagar vulgarizou-se. Se assim não fosse, poderíamos ser levados a acreditar que hoje existem dois milhões de portugueses endinheirados. Mas não há. Este é o número de pessoas que se tratam no privado, a maioria recorrendo a seguros de saúde. Aliás, só 300 mil utentes pagam do seu bolso a factura por inteiro.
A Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) revela que “um quarto dos cuidados de saúde em Portugal são assegurados por privados e este número não contempla o sector social (caso das misericórdias)”, diz o presidente da direcção, Teófilo Leite. E se estes números não chegam para impressionar, a APHP apresenta ainda outras contas: “50% das consultas, 25% dos internamentos, 15% das camas e 5% dos episódios de urgência”. Mas, o saldo animador não vai ficar por aqui.
Até ao próximo ano, irão abrir mais 25 unidades particulares em todo o país, num investimento de 600 milhões de euros. De onde vem o dinheiro? Os grupos de saúde privados garantem que o Estado não os está a financiar. A maioria dos utentes que entram na rede vêm através de seguradoras e só uma pequena parte utiliza as convenções com o Estado, estabelecidas através de subsistemas como a ADSE - a protecção na saúde dada aos funcionários públicos. No entanto, a porta das convenções que estava fechada desde 1999 vai voltar a abrir-se. A ministra da Saúde, Ana Jorge, prometeu ter um novo projecto até ao final deste mês. E a associação representante dos hospitais privados acredita que as novas normas “induzirão uma concorrência entre unidades com qualidade, mais bem equipadas, mais modernas e com quadros próprios”.
Neste momento, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) diferencia-se nas situações complicadas. Prova disso são os casos dos mediáticos antigo Presidente da República Jorge Sampaio, dos ex-ministros Ernâni Lopes e Freitas do Amaral, do deputado Duarte Lima e do escritor António Lobo Antunes. Todos têm em comum o facto de lhes ter ‘batido à porta’ uma doença grave. Nenhum hesitou em entregar-se a médicos do SNS.
Têm influência e o dinheiro para optar pelo conforto e discrição de uma unidade privada, contudo, a gravidade do diagnóstico fez prevalecer a confiança na experiência de clínicos habituados a tratar centenas de casos semelhantes aos seus. Mas o panorama está em alteração porque alguns desses médicos estão agora a mudar-se para o sector privado, atraídos pela tecnologia que o Estado não pode pagar.
Os privados têm gasto muito dinheiro em contratações de luxo e em equipamentos de ponta e hoje asseguram 80% dos tratamentos e meios complementares de diagnóstico. Não são apenas radiografias ou análises ao sangue, são também tecnologias para diagnosticar e tratar cancros. E já estão a colher os frutos. Eusébio, o famoso ex- futebolista do Benfica, foi operado ao coração no Hospital da Luz (Grupo Espírito Santo), em Lisboa, pelo reputado cirurgião cardiotorácico José Roquette, que deixou de trabalhar no SNS.
Estado pede dinheiro aos privados
O Estado reconhece a capacidade dos operadores privados e até os ‘convidou’ para serem seus sócios durante trinta anos. Aos particulares foi proposto que invistam na construção de novos hospitais públicos em troca da sua exploração por três décadas. A José de Mello Saúde está encarregue de construir em em Braga os Hospitais Privados de Portugal em Cascais e o Grupo Português de Saúde ficou com o Centro de Medicina Física e de Reabilitação, no Algarve. Estão ainda a concurso as futuras unidades de Loures e de Vila Franca de Xira. Ainda assim, o Governo não vai repetir a experiência do Hospital Amadora-Sintra - a única unidade do Estado gerida por privados, no caso pelos Mello. Na quarta-feira, o primeiro-ministro, José Sócrates, aproveitou o debate no Parlamento para anunciar que no fim do ano a unidade regressa às mãos da Administração Pública.
O presidente da José de Mello Saúde, Salvador de Mello, reagiu ao anúncio de Sócrates afirmando que mantém o interesse no hospital deixando um recado: “Parece positivo que se aproveitem todos recursos disponíveis no país. O Serviço Nacional de Saúde não tem de ser obrigatoriamente público, caso contrário deveria chamar-se Serviço Público de Saúde”. Este é um entendimento comum aos donos do negócio. A presidente da direcção da Espírito Santo Saúde, Isabel Vaz, faz questão de salientar que “os privados vão desempenhar um papel importante na reestruturação” da rede nacional de cuidados.
Mas há pedras no caminho destes grupos - os seguros de saúde não cobrem as doenças mais complicadas, pelo menos até agora. “Em termos nacionais há áreas como a dos transplantes e do HIV que não têm cobertura no sector privado. São extremamente sensíveis”, reconhece Salvador de Mello.
semanário expresso, edição n.º 1847 de 21.03.2008, Ana Sofia Santos e Vera Lúcia Arreigoso,
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