Saúde: público & privado
A predominância do SNS
Estou de acordo com o Pensador quando (talvez também ele cansado de transcrições, sem dúvida interessantes, mas importadas de realidades que não são as nossas e, por isso, com duvidosa força probatória) afirma que “vale a pena reagrupar as ideias e debater, profundamente, qual o papel do SNS e da chamada “complementaridade” dos privados” (Saúde: público & privado (link).
É nessa linha e com esses limites que pretende ir a minha abordagem. Só por razões de facilidade, vou distinguir o plano legal(i), e o plano das realidades ou, se preferirem, o plano da execução ou da aplicação das disposições do quadro legal em vigor (ii).
(i) – No plano legal, é incontornável o art.º 64.º da CRP:
“1. Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover “
“2. O direito à protecção da saúde é realizado:
a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;”
….
“3. Para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:
a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação”;
….
“d) Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade;”
O Estado está, pois, obrigado pela lei fundamental a manter um SNS universal, geral e tendencialmente gratuito, a que todos podemos (mas não temos que) recorrer. A seu lado são deixadas as formas empresariais e privadas da medicina, também com legitimidade constitucionalmente reconhecida.
A chamada “complementaridade” dos privados não tem consagração na letra da Constituição. Não só a expressão “incumbe prioritariamente ao Estado” (n.º 3) traduz mal a ideia de impor a dimensão predominante da intervenção do Estado na saúde (diria que é mesmo equívoca, pois pode ser entendida como afirmando apenas uma ordem de prioridade para as despesas do Estado e, então, a predominância seria só a que os recursos existentes permitissem) como também, constando do corpo da disposição, deveria ser adequada a cada uma das suas alíneas, o que claramente se não verifica. Mais importante ainda, estando em causa o direito constitucional à protecção da saúde, o papel de complementaridade, para ser real, (pôr o que falta a um SNS geral, isto é, de amplitude e abrangência totais) só poderia ser atribuído a entidade que esteja vinculada a essa prestação e não aos privados que, por livre decisão, desenvolvem ou não actividades de saúde. Ora, se, no limite, todas as entidades privadas se desinteressassem das actividades de saúde, mantinha-se inalterada a responsabilidade do Estado de garantir o direito à protecção da saúde, o que significa que o SNS deve dispor de grande capacidade de resposta às exigências da procura que, em cada momento, lhe for dirigida.
Em termos de amplitude ou dimensão da intervenção, a Constituição não define os sectores, mas inclui uma disposição da maior importância que, infelizmente, parece ter escasso reconhecimento e ainda menor concretização: reserva para o Estado a responsabilidade de “Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade” (n.º 3, alínea d)).
O Estado está, pois, obrigado pela lei fundamental a manter um SNS universal, geral e tendencialmente gratuito, mas também eficiente e de qualidade, (tudo imperativos constitucionais). Este quadro constitucional não é fácil: por exemplo, obriga a que a intervenção do Estado no âmbito do processo de licenciamento dos estabelecimentos de saúde não tenha de verificar apenas se estes reúnem as condições de funcionamento com qualidade; tem de preocupar-se também com a salvaguarda da eficiência nas instituições de saúde públicas e privadas. Nisso se traduzirá a articulação com o serviço nacional de saúde.
Assim, é da responsabilidade global reservada para o Estado e das exigências implícitas na concretização destes atributos (sobretudo dos objectivos de eficiência e de qualidade) que deriva o papel predominante do SNS:
– a obrigação de resposta à procura exige-lhe a detenção da larga maioria dos equipamentos de saúde, sem o que não seria viável responder a eventuais flutuações da procura;
– a eficiência da resposta só é possível com elevada utilização dos equipamentos, pelo que, estando a procura garantida pela quase gratuitidade para o utente, o recurso à convenção deverá de ser pontual.
(ii) – E no plano das realidades, resultante da execução das disposições legais em vigor, estará em causa a clara predominância do SNS, tal como a CRP o define e que, na sua plenitude, decorridos mais de trinta anos, ainda não existe?
Estou de acordo com o Pensador quando (talvez também ele cansado de transcrições, sem dúvida interessantes, mas importadas de realidades que não são as nossas e, por isso, com duvidosa força probatória) afirma que “vale a pena reagrupar as ideias e debater, profundamente, qual o papel do SNS e da chamada “complementaridade” dos privados” (Saúde: público & privado (link).
É nessa linha e com esses limites que pretende ir a minha abordagem. Só por razões de facilidade, vou distinguir o plano legal(i), e o plano das realidades ou, se preferirem, o plano da execução ou da aplicação das disposições do quadro legal em vigor (ii).
(i) – No plano legal, é incontornável o art.º 64.º da CRP:
“1. Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover “
“2. O direito à protecção da saúde é realizado:
a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;”
….
“3. Para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:
a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação”;
….
“d) Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade;”
O Estado está, pois, obrigado pela lei fundamental a manter um SNS universal, geral e tendencialmente gratuito, a que todos podemos (mas não temos que) recorrer. A seu lado são deixadas as formas empresariais e privadas da medicina, também com legitimidade constitucionalmente reconhecida.
A chamada “complementaridade” dos privados não tem consagração na letra da Constituição. Não só a expressão “incumbe prioritariamente ao Estado” (n.º 3) traduz mal a ideia de impor a dimensão predominante da intervenção do Estado na saúde (diria que é mesmo equívoca, pois pode ser entendida como afirmando apenas uma ordem de prioridade para as despesas do Estado e, então, a predominância seria só a que os recursos existentes permitissem) como também, constando do corpo da disposição, deveria ser adequada a cada uma das suas alíneas, o que claramente se não verifica. Mais importante ainda, estando em causa o direito constitucional à protecção da saúde, o papel de complementaridade, para ser real, (pôr o que falta a um SNS geral, isto é, de amplitude e abrangência totais) só poderia ser atribuído a entidade que esteja vinculada a essa prestação e não aos privados que, por livre decisão, desenvolvem ou não actividades de saúde. Ora, se, no limite, todas as entidades privadas se desinteressassem das actividades de saúde, mantinha-se inalterada a responsabilidade do Estado de garantir o direito à protecção da saúde, o que significa que o SNS deve dispor de grande capacidade de resposta às exigências da procura que, em cada momento, lhe for dirigida.
Em termos de amplitude ou dimensão da intervenção, a Constituição não define os sectores, mas inclui uma disposição da maior importância que, infelizmente, parece ter escasso reconhecimento e ainda menor concretização: reserva para o Estado a responsabilidade de “Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade” (n.º 3, alínea d)).
O Estado está, pois, obrigado pela lei fundamental a manter um SNS universal, geral e tendencialmente gratuito, mas também eficiente e de qualidade, (tudo imperativos constitucionais). Este quadro constitucional não é fácil: por exemplo, obriga a que a intervenção do Estado no âmbito do processo de licenciamento dos estabelecimentos de saúde não tenha de verificar apenas se estes reúnem as condições de funcionamento com qualidade; tem de preocupar-se também com a salvaguarda da eficiência nas instituições de saúde públicas e privadas. Nisso se traduzirá a articulação com o serviço nacional de saúde.
Assim, é da responsabilidade global reservada para o Estado e das exigências implícitas na concretização destes atributos (sobretudo dos objectivos de eficiência e de qualidade) que deriva o papel predominante do SNS:
– a obrigação de resposta à procura exige-lhe a detenção da larga maioria dos equipamentos de saúde, sem o que não seria viável responder a eventuais flutuações da procura;
– a eficiência da resposta só é possível com elevada utilização dos equipamentos, pelo que, estando a procura garantida pela quase gratuitidade para o utente, o recurso à convenção deverá de ser pontual.
(ii) – E no plano das realidades, resultante da execução das disposições legais em vigor, estará em causa a clara predominância do SNS, tal como a CRP o define e que, na sua plenitude, decorridos mais de trinta anos, ainda não existe?
A perda de predominância do SNS poderia derivar:
a) – de opção da população, ou seja, da drástica diminuição da procura do SNS, em benefício: de outros subsistemas, da cobertura por seguros de saúde, ou, simplesmente, de entidades privadas, hospitais ou outras;
b) –da verificação de uma situação de insustentabilidade financeira, ou seja, da incapacidade do Estado de afectar à saúde os recursos exigidos pelo funcionamento do SNS, tal como acima caracterizado, gerando um consenso generalizado ou suficiente (mínimo de dois terços) sobre a inevitabilidade de alterar o quadro constitucional.
A hipótese de diminuição da procura é meramente académica.
a) – de opção da população, ou seja, da drástica diminuição da procura do SNS, em benefício: de outros subsistemas, da cobertura por seguros de saúde, ou, simplesmente, de entidades privadas, hospitais ou outras;
b) –da verificação de uma situação de insustentabilidade financeira, ou seja, da incapacidade do Estado de afectar à saúde os recursos exigidos pelo funcionamento do SNS, tal como acima caracterizado, gerando um consenso generalizado ou suficiente (mínimo de dois terços) sobre a inevitabilidade de alterar o quadro constitucional.
A hipótese de diminuição da procura é meramente académica.
Os hospitais privados confrontam-se com o poderoso handicap que deriva da gratuitidade tendencial para o utente – exclusiva do SNS –; continuarão inacessíveis para a grande maioria da população.
Também o recurso a seguros de saúde, com numerosas exclusões de pessoas e de situações mais gravosas e, obviamente, não gratuito, não se configura como opção alternativa ao SNS, mas sim como meramente complementar da cobertura que este disponibiliza. Os seguros entram, assim, nas falhas pontuais que ao SNS cumpre eliminar.
Quanto aos subsistemas de saúde, de que a ADSE é, de longe, o mais relevante, diria que enfrentam vários riscos, desde a sua mal resolvida conformidade com as disposições constitucionais (inscrição obrigatória, disparidades de cobertura oferecida aos cidadãos), até à não sustentabilidade, sobrevivendo com subvenções do OE. Além disso, não dispondo de rede autónoma significativa (só alguns dispõem de consulta externa, de orientação e controle, os outros limitam-se a mero controle burocrático) derivam a prestação de serviços quer para o SNS quer para entidades privadas; não constituem, portanto, um factor autónomo de diminuição da procura do SNS.
Também o recurso a seguros de saúde, com numerosas exclusões de pessoas e de situações mais gravosas e, obviamente, não gratuito, não se configura como opção alternativa ao SNS, mas sim como meramente complementar da cobertura que este disponibiliza. Os seguros entram, assim, nas falhas pontuais que ao SNS cumpre eliminar.
Quanto aos subsistemas de saúde, de que a ADSE é, de longe, o mais relevante, diria que enfrentam vários riscos, desde a sua mal resolvida conformidade com as disposições constitucionais (inscrição obrigatória, disparidades de cobertura oferecida aos cidadãos), até à não sustentabilidade, sobrevivendo com subvenções do OE. Além disso, não dispondo de rede autónoma significativa (só alguns dispõem de consulta externa, de orientação e controle, os outros limitam-se a mero controle burocrático) derivam a prestação de serviços quer para o SNS quer para entidades privadas; não constituem, portanto, um factor autónomo de diminuição da procura do SNS.
Muito mais sério é o risco que, para a predominância do SNS, pode derivar da insustentabilidade financeira do SNS tal como configurado na CRP.
Quando em todo o mundo em que nos situamos – e do outro nem vale a pena falar – se afirma que será real o risco de insustentabilidade financeira, a manter-se o ritmo de crescimento das despesas de saúde e pelo impulso de factores que também partilhamos, ignorar esse risco seria totalmente incompreensível e irresponsável.
Quando em todo o mundo em que nos situamos – e do outro nem vale a pena falar – se afirma que será real o risco de insustentabilidade financeira, a manter-se o ritmo de crescimento das despesas de saúde e pelo impulso de factores que também partilhamos, ignorar esse risco seria totalmente incompreensível e irresponsável.
Não estou a repudiar o que aqui recentemente afirmei: dizer não ao SNS seria para o PS, como para o PSD, uma decisão incompatível com a dinâmica de conquista e de conservação do poder que ambos adoptam. … Esta é uma decisão que nenhum deles, no poder ou na oposição, pode tomar isoladamente link. Mas qualquer deles, por acção ou omissão pode degradá-lo e ficará então mais longe do modelo constitucional.
Bem ao contrário, estou a reafirmar que é, no meu entender, muito importante o que então referi: rever a estratégia, re-situando áreas de intervenção e procurando ganhos de eficiência e de qualidade, identificar as causas que provocam ou podem provocar maiores despesas, reduzir a sub produtividade dos recursos existentes (e, por essa via, arrefecer os preços praticados na medicina privada o que, por si só, tornará mais atraentes as remunerações a pagar pelas entidades públicas), repor a ética na concorrência eliminando distorções inaceitáveis.
Bem ao contrário, estou a reafirmar que é, no meu entender, muito importante o que então referi: rever a estratégia, re-situando áreas de intervenção e procurando ganhos de eficiência e de qualidade, identificar as causas que provocam ou podem provocar maiores despesas, reduzir a sub produtividade dos recursos existentes (e, por essa via, arrefecer os preços praticados na medicina privada o que, por si só, tornará mais atraentes as remunerações a pagar pelas entidades públicas), repor a ética na concorrência eliminando distorções inaceitáveis.
Há todas as condições para que o SNS continue predominante, mas alguma atenção e alguma acção são necessárias.
Aidenos
Etiquetas: Aidenós
19 Comments:
MÉDICOS ESPANHÓIS ESTÃO A ABANDONAR O INTERIOR DO PAÍS
Público, 17.06.2008, Carlos Dias
Comentário:
A cobertura naciona do SNS - quer nos CS quer nos HH's - vai passar por maus dias.
As migrações transeuropeias, de técnicos,são cada vez mais imprevisíveis.
A inversão deste fluxo de médicos deve-se, segundo o articulista, à s condições de trabalaho e remuneratórias que também se inverteram.
No fundo, a razão é uma: o sector público de saúde português tornou-se pouco atractivo...
Em minha opinião para os espanhóis e ... para os portugueses.
A situação hospitalar na zona extremenha (raia alentejana) poderá ser dramática.
Todavia, a grande sangria é o Norte do País onde se verifica o regresso dos médicos espanhóis, em massa, à Galiza.
Um assunto a reflectir. Como os "resultados esperados" com a reforma dos CPS pode ser torpedeada, inopinadamente.
«Há todas as condições para que o SNS continue predominante, mas alguma atenção e alguma acção são necessárias.»
Conclui o aidenós no seu brilhante post.
Não o creio, tendo em vista o objectivo de retirar o Estado da prestação de cuidados que, a partir do ministro Luís Filipe Pereira, têm vindo a ser prosseguido.(com CC inexcedível)
Como corolário desta política, aí temos os privados com pesados investimentos em hospitais e clínicas de MCDTS altamente sofisticadas, a reivindicar a partilha do sector público.
Se a coisa correr mal, quer dizer se o ritmo de privatização do sector público não correr ao seu gosto, por certo não deixarão de recorrer à organização de piquetes, tanto em moda, no Carregado e noutros pontos estratégicos do país para desviarem as ambulâncias dos bombeiros e do INEM, de molde a obrigar o Governo à tomada de medidas que salvem os seus investimentos.
Mas não vai ser preciso.
O Governo voluntariamente vai correspondendo aos seus objectivos como parece estar para acontecer com a transformação da ADSE num seguro voluntário.
Por isso , caro professor Aidenós, SNS predominante já era.
Caro e-pá
Segundo o artigo 28.º do dec. lei nº298/2007 a remuneração mensal dos médicos das USF integra uma remuneração base, suplementos e compensações pelo desempenho.
Os suplemntos compreendem :
a) suplemento associado ao aumento das unidades ponderadas - até + 1700 euros;
b) suplemento da realização de cuidados domiciliários - 30 euros por consulta;
c) suplemento associado às unidades contratualizadas do alargamento do período de funcionamento O poderão empochar 1300 euros ou mais.
E ainda temos as compensações:
a) compensação associada à carteira adicional de serviços
b) compensação associada ao desenvolvimento das actividades específicas.
Portanto, mau tem sido até aqui.
E só vejo uma solução para que não se cavem profundos dequilibrios entre as unidades prestadoras dos CSP. Decretar a transformação das unidades de CSP em USFs obrigatória.
Faltam profissionais?
Task shifting... A OMS concorda...
Deu resultado em África... Cá também deverá funcionar.
Evitar a escalada de gastos na Saúde? Como?
Porque não educar as Pessoas?
Educação para a Saúde como disciplina obrigatória desde o 7 ano:
- Educação Sexual
- Prevenção do consumo de drogas
- Suporte Básico de Vida
- Civismo nos Serviços de Saúde
- Redes de Referenciação
- Primeiros Socorros
- Cuidados Alimentares
- Prevenção de Acidentes
- Adopção de comportamentos "saudáveis"
Em suma: Operacionalizar o Plano Nacional de Saúde.
Será a única forma de travar o que quer que seja...
Mas preferimos continuar a lidar com os efeitos e a sua minoração, ao invés das causas.
Clichê?
Caro magistral estratega:
A Task shifting... A OMS concorda...
Deve ser para rir!
A conferência da OMS de Addis Abeba sobre "task shifiting" em Janeiro de 2008, diz repeito a deslocamentos de técnicos especializados em casos de pandemia e, especificamente, debruçou-se sobre questões relativas a HIV/Sida e tuberculose.
Agora a "pandemia" que parece representar o abandono de Portugal de médicos espanhóis porque se criaram, em Espanha, melhores condições sociais e de trabalho, certamente que não colherá a benção da OMS.
É que, apesar de "demodé", continua a haver primeiro Mundo , terceiro Mundo, etc.
Além disso, as soluções "musculadas" sobre migrações de médicos, ad hoc, visando retirar poder reivindicativo, "domesticar" a corporação (não é esse o termo?)confrontam-se, sempre, com aquilo que, paulatinamente, se foi criando - "o mercado da saúde".
E como estamos - parece que para ficar - na cauda da Europa (dos 27) é fácil prever a evolução do tal mercado, que nasceu à sombra e à revelia do SNS.
Caro Ochoa:
Apesar do "chorrilho" de benesses do dec. lei nº298/2007 a realidade é que os médicos espanhóis vão fazendo as malas...
Por outro lado, há mais vida para além das USF's. Não é?
Que, em abono da verdade, ainda não foram - na prática - comtemplados com tantas mordomais como o dec. lei prevê...
Parece que alguns - os primeiros - receberão em Julho. Será agora ou haverá mais adiamentos?
De qualquer modo, é interessante sentir o pulso dos "gestores" em relação ao êxodo que se vai instalando e que vai ter consequências imprevisíveis...
É só esperar.
O Êxodo é, primordialmente, o livro da fuga da escravidão do Povo de Israel do Egipto.
Finalmente, inquieta-me a ideia de que há cabeças pensantes que concebem um SNS sem médicos ou com " Medecin Malgré Lui", como na peça de Moliére...
Caro e-pá!
Em relação ao êxodo de médicos espanhóis a lógica de mercado parece estar a funcionar :
«A sub-região de Saúde de Bragança tem conseguido suprir a perda de médico espanhóis com a contratação de clínicos de diversas nacionalidades, como brasileiros, do Leste Europeu e dos PALOP» link
Com todas as suas contingências, cujas variáveis desconheço, mas que é fácil supor: decréscimo de qualidade dos prestadores , aumento dos custos, prejuízo da qualidade das prestações.
Caro Aidenós:
Junte-se ao pensador e reflicta - em Lisboa (por ex) os únicos hospitais verdadeiramente públicos, são, por enquanto, a MAC e o Curry Cabral. A MAC está a encostar-se ao Hospital de Todos os Santos , uma PPP ... e o Curry Cabral...
Caro e-pá
Antes de se rir sugeria que lesse mesmo a declaração da OMS, perceberia que o que está a dizer está errado.
Não vou contrapor pois provavelmente não leu mesmo a declaração nem é conhecedor do conceito portanto seria uma perda de tempo argumentar o que quer que seja.
É que o taskshifting pode ter sido adequado à pandemia da SIDA e Tuberculose mas também é usado noutros países (ditos evoluídos) há bem mais tempo...
Leia, depois argumente e finalmente pode rir-se...
Oh Xavier!
A coordenadora Berta Nunes da sub Região de Saúde de Bragança perdeu metade dos médicos espanhóis mas acha que estancou a "hemorragia"..."com a contratação de clínicos de diversas nacionalidades, como brasileiros, do Leste Europeu e dos PALOP..."
Ora aí está um caso em que se devia pensar no "task shifting"...
Os médicos dos PALOP vêm fazer formação em Portugal com o compromisso de regressar, uma vez terminada essa formação, ao País natal, mas Bragança alicia-os...
Quebram um compromisso, mas entram no mercado global...
Uma nova maneira ética de bem sobreviver, como havia a "Arte de bem Cavalgar em toda a Sela". Depois seguem-se as campanhas de deslocamentos de técnicos para a Africa...
Quanto aos médicos brasileiros penso que Bragança poderá ter algumas reticiencias em relação à nacionalidade de origem.
Mas, Xavier, como bem disse, a questão da qualidade dos "neo-contratáveis" (em toda a sua dimensão) a seguir ao abandono dos espanhóis, vai "estourar" nas mãos dos "facilitistas"...
Estamos em cima de um sério problema.
Pior, a migração de técnicos de Saúde de Portugal para a Europa, já começou, em força. Veja-se o casos dos dentistas recém-licenciados...
Enfim...na 2ª metade do ciclo legislativo tudo começou a correr mal... NÃO FOI?
Cara naoseiquenome usar:
Reflectir é o que tenho procurado fazer para não ir na onda de aplaudir ou reprovar por razões sentimentais (ligações a pessoas ou grupos, fidelidade partidária, dependência de interesses …). Por entender que se deve apreciar pelo mérito, independentemente de toda essa ganga.
Quanto à sua observação, ela é irrespondível com a definição que tem subjacente de “hospital verdadeiramente público”, da qual ficam excluídos os HH-EPE e os HH-PPP (com gestão clínica pública ou privada). Note, porém, que essa definição nos leva para antes do SNS e até mesmo para antes do Estatuto Hospitalar de 1967, que já continha disposições impondo que a gestão dos hospitais deveria estruturar-se e desenvolver-se em termos empresariais e que a este tema devotava parte significativa do seu preâmbulo. Ora esse diploma foi muitas vezes criticado por ser estatizante, nunca por privatizar a gestão dos hospitais. Peço desculpa por citar um diploma de há 41 anos! mas, os que se lhe seguiram foram na mesma linha de tentar superar as limitações decorrentes de uma gestão considerada meramente burocrática, pejada de empecilhos ou de peias incompatíveis com as exigências do funcionamento dos hospitais.
Será que a naoseiquenome usar discorda da necessidade de o fazer?
Caro Mauro Germano:
Sobre o relatório da "Task shifting", elaborado na conferência da OMS de Addis Abeba, sobre "task shifiting" em Janeiro de 2008, devia antes de se impressionar com a sua leitura, saber, minimamente, o que se passou lá.
Para isso será de inquirir quem lá esteve...
Agora, incluir o "task shifting" no caso do retorno dos médicos espanhóis ao seu País, é que dá para rir....
Nem julgo necessário realçar a desproproção dos meios...
Melhor seria decretar o estado de sítio para os camionistas, pescadores, polícias, etc.
Afinal são Uruguaios
Portugal vai passar a ter 15 médicos do Uruguai a trabalhar, por três anos, nos serviços de emergência médica dos hospitais, e o Governo está a estudar alargar a experiência a outros países.
Talvez o recurso às medicinas alternativas seja a solução. O MS contratar uns curandeiros para os CSP. O novo sistema de remuneração talvez seja atractivo para estes profissionais.
Caro Aidenós:
Sem tempo, deixo-lhe umas mínimas notas telegráficas
1) A CRP é meramente pr4ogramática e tem vindo a sr atropelada sistematicamente em várias áreas;
2) O País está falido, ou quase, ou, pelo menos, dispõe de recursos económicos escassos;
3) Um SNS universal e gratuito é pura mentira - todos nós pagamos hoje, seja qual fôr o modelo, a manter-se o SNS, contrariará mais esta afirmação;
4) As pessoas, sempre que podem ( e desejam-no intimamente) querem poder escolher o seu médico. è a prevalência da relação de confiança médico-doente;
4.1) Tal relação é impossível com consultas de 10m nos CS com o médico que calha, ou no SU dos HH;
5) A recente legislação sobre a responsabilidade extracontratual do estado (Lei 67/2007) dá maiores garantias aos utentes, até porque inverte o ónus da prova e permite ressarcir situações de dano anónimo.
Tudo isto para dizer que o SNS, enquanto conceito e direito, plasmado no art.º 64.º da CRP já não existe e não será seguramente retomado.
Privilégios
A ADSE, o subsistema de saúde privativo da função pública, custa ao Estado cerca de 125,6 milhões de euros, mesmo depois do aumento da contribuição dos beneficiários. Ninguém até agora conseguiu explicar por que é que os contribuintes, que suportam o SNS para toda a gente, hão-de depois suportar um subsistema paralelo para benefício os funcionários públicos...
vital moreira, causa nossa
Caro aidenós:
Estou completamente de acordo com os princípios expostos no post, nomeadamente, no diz respeito aos preceitos constitucionais.
Quando à "complementaridade", ela não consta da lei, mas é a tradução, ou a consequência tácita, de uma "insuficiência capacidade de resposta" do SNS.
Só recorrendo a este expediente o SNS cumpre na integra o seu "papel".
Outro problema é, e tendo em conta a precaridade da sustentabilidade financeira do SNS, é como essa "complementaridade" deve ser regulada, normalizada e fiscalizada.
É aqui que falhamos redondamente.
Se não vejamos: se eu for portador de doença grave que o SNS não seja capaz de me oferecer tratamento eficaz e ao lado existir unm desses nóveis HH's privados que possua tecnologia capaz, eu, crítico dessa estratégia de estrangulamento do SNS pelo sector privado, defendo que o Estado deve suportar esses custos.
Julgo que isso será complementar ou supletivo?
A grande questão está na metodologia para ter esses benefícios e aos princípios que deve obedecer a planificação.
Se não são aviões diários para Navarra, não é?
Por outro lado, a questão das listas de espera (cirúrgicas ou de consultas de especialidade) cuja capacidade o SNS está provido, é outro assunto.
A discutir separadamente...
ADSE
Peço desculpa, mas política não é isto! Isto é "politiquice de sarjeta" (para usar um termo que o Governo tanto gosta).
De qualquer maneira, em 2009, encontramo-nos nas urnas...
Primeiro, exige-se um maior esforço financeiro aos utentes, entretanto, surgem resultados, finalmente, fala-se em privilégios e questiona-se a existência.
O SNS, suporta este esforço acrescido numa tentativa de devastação de "privilégios"?
Ou, para entramos neste caminho teremos de passar pela remunerações e reformas dos gestores de empresas públicas (sem demagogias mas com transparência).
É que, ao que me parece, os funcionários públicos já levaram "porrada" demais...
Será melhor deixar folgar as costas...
Todavia, não posso deixar de reconhecer que o fim da ADSE - haveria direito a ressarcimento dos beneficiários que também contribuem para o SNS ? - não tem só coisas más.
Seria uma espécie de hecatombe de muitos HH's privados? Que diria a Engª Isabel?
Caro e-pá
Antes de explicar-lhe a relação entre isto da "task shifting" ou transferência de tarefas com a debandada dos médicos espanhóis, assim como a preocupação com isso vou dizer-lhe em primeiro lugar o que é isso...
"Task shifting is the name given to a process of delegation whereby tasks are moved, where appropriate, to less specialized health workers. By reorganizing the workforce in this way, task shifting presents a viable solution for improving health care coverage by making more efficient use of the human resources already available and by quickly increasing capacity while training and retention programmes are expanded".
Retirado de http://www.who.int/mediacentre/events/meetings/task_shifting/en/index.html
Poderíamos ainda acrescentar isto...
"Task shifting is a recent term but such delegation has a long history outside HIV service delivery from which lessons can be learned"
retirado de ... http://www.who.int/healthsystems/task_shifting_booklet.pdf
" Deploying assistive personnel will increase demand on health professionals in at least
three ways: (1) increased responsibilities as trainers and supervisors, taking scarce time
away from other tasks; (2) higher numbers will be needed to take care of the new patients
generated by successful task-shifting; and (3) health professionals will be faced with patients
who have more complex health needs (the simpler cases will be covered by task-shifting)
and thus require more sophisticated analytical, diagnostic, and treatment skills."
retirado de http://www.icn.ch/Statement_12_principles.pdf
This concept is not new in public health. Task shifting is common in high-income countries, examples include nurse practitioners in the USA, nurse clinicians in Sweden,1 and expert patients for diabetes care.2
Retirado de http://www.msf.org/msfinternational/invoke.cfm?objectid=40BFD762-15C5-F00A-2583B4A2405D3971&component=toolkit.article&method=full_html
A derradeira citação:
"One of the main concerns related to task shifting is how to maintain quality of care. But what do we mean by quality of care and how should it be measured? For instance, the most important indicator for quality of care in patients with advanced AIDS is commonly argued to be survival.
If this argument is pushed, the provision of treatment to any standard that permits survival will always compare positively to a situation in which people get no treatment."
Retirado de http://www.msf.org/msfinternational/invoke.cfm?objectid=40BFD762-15C5-F00A-2583B4A2405D3971&component=toolkit.article&method=full_html
Portanto: Supostamente a saída de médicos espanhóis, assim como a previsível "falta" de médicos na especialidade de Medicina Geral e Familiar será um problema, porém tal não precisa de ser necessariamente assim, até porque muito do que esta especialidade faz está perfeitamente dentro das competências de outros profissionais de saúde, mais baratos e menos escassos, vá-se lá saber porquê tal não sucede na realidade por uma série de imperativos legais e não só.
Poderia dar-lhe várias situações que impedem melhores cuidados de saúde em Portugal que passariam por este género de iniciativas, umas já implementadas a “meio gás” outras incompreensivelmente esquecidas:
- Na rede de urgência/emergência pré-hospitalar: o uso do DAE (Desfibrilhador automático externo) assim como dos entraves colocados à implementação das ambulâncias SIV ou modelos não necessariamente assegurados por médicos.
- Centralização do modelo de prestação de cuidados nos CSP na figura do médico: comparar proporção de médico/enfermeiro nos CSP em Portugal e no resto da Europa por exemplo, assim como as suas funções.
- Explicar como é que noutros países menos “desenvolvidos” e mais desenvolvidos também, não existem tantos entraves legais ou organizacionais, para uma maior autonomia de outras profissões na prestação de cuidados à população: Prescrição de fármacos; comparticipação de despesas de saúde não resultantes de prescrição médica; entre outras…
Depois expliquem-me como é que tendo nós um ratio global de profissionais de saúde perto do adequado, a nossa produtividade seja tão baixa.
Ainda não consegue perceber o que tem isto da “task-shifting” a ver com isto?
Caro magistral estratega:
Parece-me que agora percebi!
Ou, se calhar, não!
Afinal, advoga uma situação já experimentada na China, com os resultados que conhecemos,dos chamados "médicos de pé descalço".
Não era isso que os médicos espanhóis estavam cá a fazer...
O que torna a questão hilariante é esse conceito atávico que se pode fazer medicina sem médicos, assim como omoletes sem ovos...
Quanto ao regresso à cena sanitária dos "médicos de pé descalço", não, obrigado.
Não por motivações inerentes aos profissionais de saúde quaisquer que eles sejam mas, tão somente, pelos doentes, entenda-se!
Nota final: obrigado pelas abundantes citações sobre ""task shifting".
Quando me exibem tanto saber lembro-me sempre de Platão:
"O que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê."
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