sexta-feira, agosto 22

Novo Ciclo


Ecos de Tallinn
O governo português aceitou colocar a saúde no centro do investimento público e acção para o desenvolvimento social.

Uma das principais “novas” mensagens decorrentes do documento da Organização Mundial de Saúde (OMS), conhecido como a declaração de Tallinn, é a defesa do principio de que as despesas atribuídas aos sistemas de saúde são investimento. Ou seja, entre outras facetas, defende-se a ideia de que todo o capital, público ou privado, dispendido na compra de serviços de saúde contribui para alguma forma de crescimento económico. Esta ideia merece reflexão, nomeadamente em Portugal.

Ao assinar este documento, o Governo português assumiu e aceitou o compromisso de colocar a saúde no centro do investimento publico e da sua acção para o desenvolvimento social.

A argumentação da OMS para este importante movimento ideológico dever ser disseminada nos Estados-membros. Vejamos. Devemos começar por estabelecer uma relação, ainda que genérica, entre saúde e riqueza. Uma população saudável gera mais riqueza nacional. Logo, invista-se mais no sistema de saúde. É um argumento forte. Por outro lado, a saúde e a criação de riqueza são faces da mesma moeda e da mesma argumentação para as novas políticas (‘policies’) de saúde. No entanto, com toda a sinceridade e melhores intenções do documento técnico, também é incluído um princípio que pode gerar algumas reticências em alguns agentes do sistema. É que o argumentário do documento inclui, e muito bem, a constatação de que melhores níveis de saúde reduzem a procura de serviços de saúde. Portanto, estabelece-se, do ponto de vista da comunicação estratégica, a noção de que há-de haver um limite para o investimento nos sistemas de saúde na medida em que estes promovam resultados efectivos. Fica aqui um desafio para os macro-economistas se entreterem a desenvolver equações...

Um outro conjunto de argumentos, inclui a ideia de que os sistemas de saúde não são constituídos apenas pelas organizações de saúde. Por outras palavras, o sistema de saúde vai para além de si próprio e deve assumir a liderança no processo de influenciar outros sectores para o impacto na melhoria global dos níveis de saúde da população em geral. Esta ideia, que levantará resistências associadas à necessária partilha de poder em outros sectores, é cirurgicamente circunstanciada através da sugestão de que os ministérios da saúde sejam responsabilizados (’accountable’) pelos sucessos e fracassos do seu sistema de saúde no que diz respeito aos contributos para a melhoria do estado global da saúde da população. Os agentes observadores dos sistemas de saúde, em que se incluem os órgãos de comunicação social, as universidades e os observatórios não-governamentais, deverão focalizar mais o seu escrutínio no impacto nas estatísticas de saúde e menos na relação organizacional. O anterior ministro da saúde português, o professor Correia de Campos, já havia compreendido isso quando tentou desfocalizar a discussão das listas de espera e redireccionar a atenção pública para a melhoria de contextos específicos como a saúde oral ou a redução das infecções hospitalares. Mas a corrente foi mais forte que o marinheiro.

Na linha do novo conjunto de ideias estruturadas fornecidas pela declaração de Tallinn, há ainda mais um importante conjunto de argumentos em que é central a ideia de que os sistemas de saúde garantem benefícios reais às sociedades contemporâneas e, dessa forma, sustentar a atribuição de mais recursos no meio político (políticas). Para tal, necessitamos renovar as formas de gerar evidência associada aos sistemas de saúde. A actual geração de evidências promovida pelos sistemas de saúde não garante respostas inequívocas a quem tiver dúvidas sobre a mais-valia do actual investimento nos sistemas de saúde. Esta nova abordagem vai representar um reposicionamento das funções atribuídas à saúde pública que, em Portugal, merece um intenso debate nacional. No nosso país confunde-se o conceito de saúde pública com a prestação de cuidados nos serviços públicos (juro que não estou a tentar ser engraçado; o desconhecimento atinge mesmo este nível) .

PKM, DE 21.08.08

PKM volta aos ecos de Tallinn. Num texto quase despojado da habitual ganga politiqueira com directas e indirectas à política do VII Governo Constitucional. A indiciar um novo ciclo de crónicas inteiramente dedicadas às policies.
Coincidência ou não, PKM foi recentemente nomeado director da Unidade de Comunicação do Centro Europeu para o Controlo da Doença, a nova agência da EU da área da Saúde Pública.

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3 Comments:

Blogger SNS -Trave Mestra said...

Hoje não há comentários!
Porque será?

5:30 da tarde  
Blogger e-pá! said...

Caro sns-trave mestra:

Tinha decidido passar ao lado. Mas não resisto a uma provocação deste tipo (é já o 2º. arremesso!). Mesmo que me pareça encomendada.

E passaria ao lado porque tenho a sensação de que o homem - pregador de "policies" - continuaria retido em Tallinn..., não podendo exercer o contraditório;

Ou, porque, o artigo no seu contexto mais profundo praticamente reproduz o conteúdo do Plano Nacional de Saúde 2004-2010, que apareceu à luz do dia sob o lema: "saúde centrada no cidadão", mais feliz, mais forte e menos especulativo, apesar de ainda não ter acontecido Tallinn;
Isto é, não acescenta nada aos conceitos de Saúde já definidos há muito tempo.
Hipocrates já desmistificou a ideia de "doença sagrada", há milénios.

Ou, ainda, porque vamos ficar à espera que PKM se demita, batendo com a porta, do seu novel cargo de director da Unidade de Comunicação do Centro Europeu para o Controlo da Doença...evocando as maiores diatribes e conluios dos outros membros da referida Unidade;

Ou, porque, estamos embebidos em remotos conceitos, aparentemente retrógados de que a saúde pública não deve, por sua vez, intervir na sociedade...

Quando é formulado o conceito de campo da saúde (health field), em 1974, estavamos ocupados no derrube da ditadura, por um canadiano chamado Marc Lalonde, não tinhamos nada. Havia, aqui e acolá uns delegados de saúde que passavam atestados de robustez física e vigiavam a proliferação das doenças venereas, controlando as prostitutas...
Criou o "Ministério da Saúde e do Bem-estar" que se ocupava de:
i. biologia humana; 
ii. o meio ambiente;
iii. o estilo de vida.
Tudo diferente de Tallinn... 34 anos depois!

PKM faz-me lembrar Cervantes, quando escrevia:
"Contento-me com pouco, mas desejo muito"...

Enfim, o caminho aberto para comentários sob os mais variados heteróminos ...

11:54 da tarde  
Blogger ZZZ said...

Caro e-pá,

PKM nunca evocou quaisquer “diatribes ou conluios dos outros membros” da comissão para a sustentabilidade do SNS. Pelo contrário: sempre elogiou a sua qualidade técnica. PKM nunca se tinha demitido de lado nenhum. No caso que e-pá evoca, aliás de forma pouco honesta do ponto de vista intelectual, PKM foi aconselhado a demitir-se pelo máximo responsável da ‘coisa’… o resto foi circo.

Portanto, o seu comentário sobre "diatribes e conluios" é falso e bastante mal intencionado (como a maior parte dos seus comentários neste contexto). Se conluios e diatribes aconteceram, não foram com certeza por causa dos outros membros da comissão mas por “forças externas”…

Ficamos a aguardar com Esperança o dia em que o e-epá aceitará que o Mundo mudou e que a Saúde Pública terá que mesmo que intervir na sociedade.

Nota1: PKM é director executivo da unidade que refere (portanto o número 2). E, como muitos portugueses com habilitações já começaram a fazer nos últimos 3 anos, emigrou em busca de melhores condições de vida e oportunidades de trabalho honesto e melhor remunerado uma vez que, no nosso país, ambas as condições são muito raras de conseguir…

Nota2: Não há pedidos de recados a terceiros. E é bom que se deixem de comentar os artigos de PKM neste blogue na medida em que estes descambam quase sempre na mesquinhez do ataque pessoal.

8:36 da manhã  

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