quinta-feira, setembro 25

Profissão: Médico Hospitalar


A Visão, apresenta na sua última edição (25.09.08) link um trabalho “SOS médicos”, onde se pretende abordar, através de um mergulho no terreno, as alterações porque passa no nosso país o exercício da profissão médica nos hospitais do SNS, onde o recurso ao trabalho tarefeiro passou a ser prática generalizada.

Desta vez, limitar-me-ei a intoduzir o tema e, por isso, vou pedir ao Aidenós, Tonitosa, Hermes, Tá visto, E-pá!, Avicena, Rezingão, Hospitaisepe, enfim todos os que queiram colaborar, que, a propósito do trabalho da Visão, enviem um comentário sucinto sobre o que pensam acerca desta matéria.

5 Comments:

Blogger e-pá! said...

PROFISSÃO OU MISSÃO?

Não vou falar das políticas, das normas, dos regulamentos, do corporativismo que condicionam os médicos hospitalares, nomeadamente, da falência das carreiras médicas.
Nem da crise que se acopulou com o crescimento do sector privado e as inevitáveis transferências para instituições mercantis que se assemelham a HH's.

Vou tentar exteriorizar o "estado de alma" desses médicos nos últimos anos, onde as mudanças foram céleres e marcantes. Nem sequer vou dividir a "carga" por outros grupos profissionais.
Vamos tentar "sentir" o médico dentro do Hospital.

Os médicos hospitalares claudicaram com a crise orçamental que se instalou depois de Guterres ou do fim dos subsídios europeus a rodos.
Aí, terão começado a pisar terrenos pantanosos. Depois veio a "tanga". Tudo ajudou.

A passagem dos HH's SPA, para HH's SA's, no tempo de LFP, introduziu uma lógica nova, que se pode considerar pouco coerente, no comportamento destas instituições, como pilares do SNS (Os CPS viviam momentos difíceis).

Entaão, começaram a "cair como tordos" conceitos que enformaram a profissão, durante anos e anos, como a estabilidade, as certezas, a liderança, etc.

O conceito de empresa, entretanto introduzido, causou a
deterioração das relações interpares.
A ruína das carreiras médicas - situação que se foi instalando - ajudou no trambolhão.

Dissiparam-se laços profissionais importantes que, num ambiente de empresa, são absurdos. O médico hospitalar deixou de ver ao seu lado o colega que deontológicamente t~em de preparar e formar para passar a ver o concorrente (actual ou futuro, tanto faz).
A formação foi perdendo, dia a dia, qualidade. Os custos desta perda são incalculáveis...

Há um mecanismo de contaminação do espirito quando saimos da coisa pública, pertença de todos, para o espirito empresarial (mesmo em empresas públicas).
Esta conspurcação não era notória, mas estava lá e passou a ser preponderante.
A "vivência hospitalar", subsidiária de uma grande interajuda, das trocas de informações e conhecimentos das pequenas cumplicidades nos erros de desempenho (que os há), perderam sentido, significado.

Os HH's, onde pouco ou nada se investiu, como foi dito por diversos comentadores aqui no blog, teve a sua derrocada. Um desmonoramento essencialmente humano. O edifício está lá e até pode estar pintado de fresco. Mas a cultura humanitária, morreu. Foi substituída por trejeitos tecnocráticos.

Os médicos hospitalares (e doutras áreas) sentiram-se envolvidos e atingidos pela devastação pprovocada pelo Governo na função pública.
Eram, essencialmente, funcionários públicos.
Auferiam remunerações dentro desse estatuto. Faziam trabalho por fora para aumentar o seu pecúlio semanal ou mensal. Habituaram-se a isso.
Hoje, fala-se muito de dedicação exclusiva como o deus ex machina dos problemas assistenciais, mas nunca houve propostas concretas e objectivas nesse sentido, nem - penso eu - dinheiro suficiente para aplicar nessa mudança.
Leonor Beleza que, devemos reconhecer, meteu a mão na DE, escaldou-se sem melhorar a eficiência. A finalidade era outra: dividir os médicos hospitalares. Conseguiu.
A última grande luta dos médicos sumiu-se com a sua demissão.
Hoje há muito poucos médicos que se orgulhem do seu HH.

Andam à tarefa, perdidos, sem referências, "matando" umas urgências aqui e acolá, como se diz na Madeira, levam uma vida à "remissa".

Por fim, com LFP, os médicos hospitalares mais informados recearam a demolição do SNS.
Com CC - necessariamente diferente de LFP - não existiu a capacidade de reconquistar a confiança, de lançar - nos HH's - um projecto público integrado, aliciante.

O controlo orçamental passou, grande partedo tempo, a sovar os médicos. Doeu. Envelheceram com o sistema. Anquilosaram as capacidades de adaptação.

Hoje vagueiam como se tivessem regressado a um nomadismo extemporâneo e anseiam pela sua aposentação (a tempo ou prévia).

Vai ser necessário, na minha convicção, construir muito de novo, de raiz. Destruiu-se muito em pouco tempo. Isso deixa mossa, abala. Não há "milagres"!

Não consegui ser mais sintético.

1:13 da manhã  
Blogger Hospitaisepe said...

O meu contributo sintético para a discussão do tema proposto.

Este tipo de trabalhos produz uma análise muito distorcida da realidade. Embora os autores tivessem tido a preocupação de focar as particularidades mais evidentes dos diversos
“estatutos” médicos dos profissionais que exercem medicina na rede pública de hospitais, a análise é sempre âmbito restrito em função de meia dúzia de casos seleccionados ad hoc, tornando inviável uma análise mais profunda dos problemas fulcrais que afectam o exercício da actividade dos nossos médicos hospitalares.

O problema é vulgarmente reduzido à falta de médicos. Faltam médicos especialistas nos nossoa hospitais, e daí advêm todos os males de funcionamento do sector.
Segundo o Plano Estratégico para a Formação nas Áreas da Saúde, do Grupo de Missão (2001, não actualizado) Portugal tem um médico para cada 338 habitantes, muito próximo da taxa europeia (1 para 303).
A esta situação há que acrescentar dois factores negativos: Uma má distribuição por regiões (1 médico por 440 habitantes no Norte, 505 no Centro, 639 no Alentejo e 579 no Algarve), e
a fraca produtividade muito distante dos países com uma medicina altamente profissionalizada, a tempo inteiro e com grande eficiência.
Portanto a solução do grave problema da falta de médicos (chamemos-lhe assim) passa pela reorganização profunda dos hospitais do SNS: melhoria dos sistemas de informação, dedicação exclusiva, melhoria da distribuição por regiões e especialidades, substituição do sistema de remuneração de base salarial por um sistema de remuneração por incentivos, sistema rigoroso de controlo da qualidade da formação e ensino.
O governo tem de evitar a todo o transe ficar refém de negociações sobre as carreiras médicas, pressionado pelo calendário eleitoral. Tudo o que for decidido neste âmbito terá de ter por horizonte a melhoria e condições de sustentabilidade do serviço público de saúde.

10:06 AM

10:23 da manhã  
Blogger e-pá! said...

Caro hospitaisepe:

Não fez um mergulho no terreno, relatando o que se vê e sente.
Fez um libelo acusatório das condições existentes e propostas para o futuro.
Não entendi assim quando li a sugestão do post.
Mas sempre se vão levantando "lebres"...

Comparar a situação hospitalar de Portugal com Países com "com uma medicina altamente profissionalizada, a tempo inteiro e com grande eficiência ", costumo dizer, que é o mesmo que comparar um guarda-chuva com a feira de Espinho.

Mais há mais. Limitei-me a falar dos médicos hospitalares e dos seus "estados de alma", motivações, incentivos, etc.
Mas os médicos não andam "desgarrados" dentro dos HH's e a gestão dos recursos humanos hospitalares é um problema.
Não deve (não pode) ser feita por um qualquer gestor, devendo ser exercida por profissional especializado.
É diferente da gestão organizacional, económica, estratégica, etc. Embora deva haver interpenetração noo orgãos dirigentes de topo da organização.

Em Portugal, qualquer gestor (seja Engº, licenciado em Direito, Economista, AH, ou mesmo, da tarimba da carreira administrativa) sente-se habilitado para fazer a gestão dos recursos humanos de uma instituição.
È a "corrupção das competências".

Nascem daí insanáveis problemas, tanto maiores, quando mais organizado (mais artilhado de "inteligência organizacional") for esse componente humano.
Nos HH's não existem "stakeholders", reinando as rotinas de produção ultrapassadas.

O MS nunca quis entender isso. Durante longos peíodos tratou os médicos não como técnicos superiores altamente diferenciados, mas como serventuários (para citar uma expressão do Dr. António Arnaut).
E são esses "serventuários" os tarefeiros de aluguer.

Finalmente, porque não me quero alongar, qualquer boicote ou entrave à reformulação carreiras médicas, cujo atraso já é considerável, terá consequências irreparáveis nos Hospitais.
Com CC nunca seriam revistas. Eram para deixar apodrecer. Com a actual Ministra re-encontraram a sua relevância e a sua importãncia.
Só quem não anda por lá é que não sente a degradação resultante da sua destruição.
Como é o caso do presidente da Comissão.

11:06 da manhã  
Blogger Joaopedro said...

Polivalência
Manuel Primo, 56 anos, médico especialista, longa formação e experiência, melhora todos os dias a sua condição física com as subidas de vários andares para entrega das requisições de consulta de oftalmologia e otorrino.

Esta situação não se deve à falta de pessoal administrativo, mas sim do sistema de informação que não permite a requisição através da rede.
O problema dos HH, do seu mau funcionamento, é, essencialmente, de falta de organização e não de falta de médicos.

1:45 da tarde  
Blogger Tá visto said...

O texto da Visão é uma espécie de retrato borrão do estado da nossa Medicina actual. Para evitar generalidades, haveria que escalpelizar de cima a baixo o nosso sistema de saúde o que manifestamente está fora da minha competência e disponibilidade. Vou pois limitar-me a fazer algumas considerações sobre as razões que, em meu entender, podem explicar algumas das aberrações ali retratadas:

Com um ratio de profissionais dentro do que é recomendado pela OMS e idêntico ao da França, não é seguramente por falta de médicos que o sistema não funciona. As explicações devem procurar-se nas distorções e falta de planeamento na formação, com manifesta carência de médicos de família e especialistas hospitalares nalgumas áreas; na visão hospitalocêntrica e médicocêntrica (dificuldade em delegar competências em enfermeiros e técnicos paramédicos); na assimetria na distribuição geográfica, situação agravada com o fim da obrigatoriedade de concurso a lugares vagos e, mais recentemente, com o aumento da oferta dos privados nos grandes centros urbanos do litoral. Há, para além disso, uma baixa produtividade global do SNS explicável por uma falta de “accountability” do topo à base, deficiências de organização, ausência de incentivos e baixos índices de profissionalização com recurso ao pluriemprego.
O SNS tem sido vítima da incapacidade reformadora do poder político. Em vez da procura de consensos alargados conducentes a um rumo coerente de reforma, cada ministro tem tentado imprimir e deixar o seu cunho pessoal. Daqui resulta uma produção legislativa avulsa, senão mesmo errática e contraditória. Vogando ao sabor da transitoriedade e das opções ideológicas de cada ministro (várias no mesmo governo), o SNS foi enfraquecendo e perdeu consistência, tornando-se alvo fácil de interesses individuais e corporativos e, mais recentemente, do grande capital financeiro trazido à ribalta por Luís Filipe Pereira e Correia de Campos.
A incapacidade em reformar o SNS dentro do espírito de serviço público, levou á solução fácil da precarização do emprego, através dos contratos individuais não enquadrados num processo de contratação colectiva e à destruição das carreiras médicas, bloqueando concursos para quem estava e não permitindo o acesso às mesmas aos médicos mais novos. Estava pois criado o estado de espírito nos profissionais para se descomprometerem cada vez mais com o SNS procurando soluções externas alternativas e geralmente mais rentáveis. Perde-se em estabilidade e realização profissional mas compensa financeiramente. A qualidade do trabalhado prestado nestas circunstâncias é outra questão.
Não é estranha a esta situação a mercantilização progressiva da sociedade com a perda de valores colectivos e do conceito de interesse público. Hoje tudo serve para fazer dinheiro e o acto médico também não escapa à voragem destruidora de valores humanistas em busca o lucro a qualquer custo. Como dizia o director clínico de uma recente unidade privada, para os meus médicos o limite é o Céu ou, noutra versão, melhor que o negócio das armas só o da Saúde.
Chegados a este ponto, não surpreendem as situações profissionais descritas no artigo da Visão. Quem permanece está cansado e desespera por não ver soluções que conduzam o SNS ao seu trilho natural. Os rejeitados e os que se cansam, compensam frustrações com uma prática lucrativa exercida nas franjas do sistema. Ou, então, procuram nas novas unidades hospitalares uma qualidade de exercício de medicina que pensam já não voltar a ser possível no sistema público.

11:49 da tarde  

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