quarta-feira, setembro 24

Ponderação e bom senso ...


A propósito do (lamentável) caso do administrador hospitalar, presidente do Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim e proprietário de uma empresa fornecedora de profissionais de saúde a hospitais públicos emergiu, de novo, o debate sobre a gestão hospitalar (e a respectiva natureza e qualidade). link
Sem prejuízo de considerarmos este caso digno de reparo é bom não perder a objectividade e cair em generalizações que nos podem conduzir a conclusões incorrectas. Este caso, provavelmente, não será o único. Como únicos não serão os casos (desde há muitos anos conhecidos) de membros de CA’s e de muitos outros dirigentes hospitalares aceitarem, por exemplo, realizar sucessivas viagens ao estrangeiro a partir de convites de empresas com as quais os HH’s têm negócios a suposto de título de irem conhecerem “in loco” experiências e tecnologias. Também, sobre, este tipo de situações, haveria muito que reflectir.
Parece-nos, no entanto, injusto que alguém possa vestir a pele de “grande júri” da gestão hospitalar nacional criticando “em abstracto” tudo e todos. Parece evidente que, nalguns posts, emerge a nostalgia de quem já teve responsabilidades na gestão hospitalar. Acreditamos, contudo, que enquanto profissionais competentes, virão a ter, seguramente, a oportunidade de dar de novo o seu contributo.
Todos temos bem presentes os defeitos do sistema. Os erros de algumas escolhas e as histórias que aparecem associadas a alguns “cromos”. Infelizmente este tipo de defeitos não é apanágio de um ou de outro governo. Nos últimos 30 anos poderíamos elencar dezenas de situações que todos conhecemos.
A questão é mais séria e profunda do que este tipo de episódios sugere. Trata-se de uma questão de concepção estratégica e de modelo operacional.
É verdade que ACC não foi suficientemente claro na delimitação de papéis do sector público e privado.
É verdade que essa “ambiguidade” não deu sinais, suficientemente, claros aos diferentes tipos de actores (incluindo os profissionais);
É verdade que um sector público eficaz, eficiente, acessível e qualificado exige profissionais dedicados que invistam o melhor do seu tempo e saber no desenvolvimento das instituições onde trabalham;
É verdade que, nesta área ACC não terá conseguido encontrar “o fio condutor” da Reforma. E, no entanto, ele parece de muito fácil resolução. Basta que, para tal, haja coragem de falar claro e de ter uma rápida e corajosa iniciativa legislativa que contemple os seguintes pontos:

- Interdição absoluta de aquisição, por parte dos HH’s, de trabalho médico especializado através de empresas;
- Revisão do modelo remuneratório e da progressão profissional no âmbito das carreiras médicas;
- Imposição do princípio da dedicação exclusiva às novas admissões de médicos no SNS;
- Obrigatoriedade da criação de CRI´s nos HH’s e Centros Hospitalares nas áreas de maior escassez de recursos e dificuldades de acesso por parte dos utentes;
- Concursos anuais internos no seio dos HH’s do SNS para resolução de listas de espera incorporando nos critérios de escolha a natureza, a qualidade e a estabilidade das equipas;
- Parar de “alimentar” o sector convencionado em áreas onde a resposta existe no SNS reduzindo, desse modo, o incentivo ao trabalho fora do SNS;
- Publicação anual online das listas de conflitos de interesses dos profissionais com responsabilidades no SNS (de todos os grupos profissionais).

Apenas duas notas finais:

1) A concretizar-se o negócio de aquisição do SAMS pelos HPP será que o MS vai manter a subvenção capitacional? E se o fizer alargará a medida ao BES Saúde e à José de Mello Saúde? Se assim for será melhor desistirmos todos de discutir as carreiras médicas ou de perder mais energia a defender o SNS.

2) Para quando um estudo sério, de base científica que responda, com independência, às seguintes questões:
- Entre 2001 e 2207 quantos médicos ingressaram no SNS?
- Entre 2001 e 2207 quantos médicos abandonaram o SNS? E destes quantos por reforma, licença sem vencimento, etc)?
- Entre 2001 e 2207 como evoluiu o número de médicos a tempo inteiro no Sector Privado?
Acreditamos que a realização deste estudo ajudaria a acabar com muita demagogia e muita propaganda falaciosa…

rezingão

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2 Comments:

Blogger e-pá! said...

Caro rezingão:

Completamente de acordo com o seu apelo ao bom senso e ponderação e à "não-generalização".

Fiquei intrigado, para não dizer preocupado, com a história dos SAMS, em vias de ser adqurido pela HPP e a subvenção do MS por catipação. Como pode o SNS ser contagiado por essa situação?

Por lado, já que falamos em modelos de financiamento (por capitação ou por acto), existiu uma experiência "integrada" (pelo menos no âmbito clínico) no HPH (Matosinhos). Com que modelo de financiamento?
Alguém está a par dos resultados deste projecto?

11:18 da manhã  
Blogger Tá visto said...

Não posso estar mais de acordo com as medidas propostas por "rezingão" para sanar os males do SNS e, a palavra é forte mas vale por isso mesmo, o sanear da trama de conflitos de interesses que ao longo dos anos se foram urdindo minando-o como caruncho em madeira.
A falta de coragem política para separar sectores ou, quando tentada como aconteceu com Leonor Beleza, a incapacidade do poder político para suportar decisões que conflituam com interesses instalados, conduziram o SNS a um beco de difícil saída. E, há que dizê-lo, essa falta de coragem manteve-se na actual reforma dos Cuidados Primários ao continuar a permitir-se aos profissionais que integram as USF a acumulação com outros cargos conflituantes com a actividade que exercem. É também preocupante a forma como um dos princípios enformadores da proposta de reforma das Carreiras Médicas apresentada por Ana Jorge, o do trabalho em dedicação exclusiva, foi rapidamente esquecido e remetido para a gaveta dos impossíveis, para gáudio de quantos se especializaram em navegar em águas turvas.
É evidente que para se fazerem reformas é necessário dinheiro para se poder investir na mudança e, em tempos de vacas magras, tudo se torna mais complicado. Em 86 terá sido mais fácil pois os cofres do Estado estavam recheados de fundos comunitários tendo a revisão das Carreiras Médicas sido enquadrado dentro do processo de modernização da Administração Pública com a criação dos chamados corpos especiais. Hoje o Estado parece estar descapitalizado, como diz Hermes para justificar a opção PPP de Correia de Campos “Não havia dinheiro no OGE para investir pesadamente em novos hospitais (nem há nem haverá tão cedo)”. Não havendo dinheiro para gastar em hardware havê-lo-á para investir em software?
A minha opinião é que se há escassez de recursos financeiros é preciso procurá-los dentro do próprio SNS e tal não me parece difícil. Vou apenas socorre-me das propostas de “rezingão” para dar algumas sugestões:

>> Imposição do princípio da dedicação exclusiva às novas admissões de médicos no SNS.

Diria que essa obrigatoriedade deveria existir na fase de formação (Internatos) decorressem elas em instituições públicas ou privadas. Para as novas admissões o regime de trabalho deveria constar do concurso de abertura. Escusado será dizer que a promoção de uma cultura de trabalho a tempo inteiro é condição necessária para mudar o paradigma do exercício em funções públicas.


>> Revisão do modelo remuneratório e da progressão profissional no âmbito das carreiras médicas.

É desaconselhável investir no sistema sem garantias de que tal se traduza em aumento da produtividade. Assim, há que condicionar a progressão técnico-profissional ao desempenho e introduzir incentivos financeiros associados à produtividade. Estas seriam formas de majorar salários com garantia segura de que o investimento não cairia em saco roto.


>> Parar de “alimentar” o sector convencionado em áreas onde a resposta existe no SNS reduzindo, desse modo, o incentivo ao trabalho fora do SNS.

A despesa em convenções é, a par da área do medicamento, a rubrica que percentualmente mais tem aumentado na despesa do SNS. Por que não reinvestir esse dinheiro no sistema persistindo na integração dos Centros de Saúde e Hospitais em rede (Sistemas Locais de Saúde) permitindo o recurso ao exterior apenas e tão só, quando não houver capacidade de resposta interna?

>> Obrigatoriedade da criação de CRI´s nos HH’s e Centros Hospitalares nas áreas de maior escassez de recursos e dificuldades de acesso por parte dos utentes.

A organização dos hospitais em CRI’s e respectivos centros de custos é fundamental para a sobrevivência do hospital público sendo a sua necessidade tão mais importante quanto maior for a unidade hospitalar. Sem a imputação total de despesas a cada unidade os usos de antibióticos continuará a não ser criterioso, os genéricos continuarão nas prateleiras da farmácia e as luzes irão continuar acesas durante a noite (valendo-me apenas de 3 exemplos dados por Ana Jorge em entrevista recente).

Tudo isto poderá parecer trabalho ciclópico para um Ministro da Saúde, sê-lo-á mas não há outra via para salvar o SNS de um declínio que parece inexorável. Os apelos à ética profissional dos médicos, como o que foi feito recentemente por António Arnault em crítica às empresas de prestação de serviços, sendo importantes não vão resolver nenhum problema numa sociedade que até a mercantilização da área social já olha com naturalidade.

12:25 da tarde  

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