quarta-feira, dezembro 24

Um Sábado

que calha à quinta-feira

Imaginem que se pretendia saber quais eram os melhores mercados de peixe.
Imaginem que se entregava esta tarefa a quem nunca ou só muito raramente entrou num destes mercados e como utente. Imaginem que este indivíduo detestava o cheiro do peixe, que não sabia distinguir um carapau de um linguado e, muito menos, saber se o peixe está fresco a menos que cheire mal.
Imaginem que se entregava esta tarefa a quem recusa o atribuído título de “o maior especialista português em Qualidade " e se considera “pura e simplesmente um investigador honesto e aplicado em áreas da gestão..., mais particularmente naquelas relacionadas com a produção e com o desempenho...”.
Imaginem que este investigador tinha um computador com um novo software “desenvolvido conjuntamente pelo Center for Research in Medical Education and Health Care of Jefferson Medical College (EUA) e pela região de saúde Ernilia- Romagna (Itália)” e é um perito em tratar dados como desempenho, efectividade/qualidade, adequação, critérios de exclusão, GDH, ...
Imaginem agora que esse investigador se propõe avaliar quais os melhores mercados de peixe sem lá ir. Isso mesmo, sem lá ir mas baseando-se apenas nos dados que os mercados enviaram para os organismos oficiais que os tutelam, a Administração Central dos Mercados de Peixe (ACSS) e a Direcção-Geral das Pescas (DGS).
Dados que o investigador não critica nem contesta por crer representar a realidade, como as sombras da caverna. Não sabe como foram colhidos, ignora a fiabilidade e as condições concretas em que o peixe foi pescado, levado à lota ou distribuído, nem sabe sequer que omesmo peixe pode ter diversos nomes nas várias regiões. Não sabe que alguns mercados e lotas são mais exigentes com o tamanho e não misturam carapau com chicharro e que algumas bancas têm critérios diferentes para atender os clientes.
Não sabe, que não é pescador nem peixeiro, e não gosta de peixe, pelo que se mantém afastado desse ambiente; onde ele se sente bem e é perito é em números, estatística, papéis, quadros, e em avaliações nas “áreas da gestão..., mais particularmente naquelas relacionadas com a produção e com o desempenho” e em avaliar se os mercados “estão a fazer as coisas certas e se estão a fazer as coisas bem feitas” “tendo presente a trilogia definida por Donabedian para a qualidade, estrutura-processo-resultados”. Matemática.

Pega então nos dados fornecidos pela burocracia oficial, esteriliza-os, distribui-os por grelhas, atribui-lhes cotações padronizadas “pela região de saúde Ernilia- Romagna” e espera que o software digira os resultados. Ei-los aqui a jorrar como água da torneira.
E saem claros, limpos, inodoros como gostam os burocratas dos ministérios.
Agora irão para a revista que os encomendou (a SEXTA-FEIRA, dado tratar-se de peixe) que deles fará uma separata “Os melhores mercados de peixe”, de venda assegurada. Ali estão, seriados, os cinco melhores mercados de peixe, com destaque para o da medalha de oiro.
O leitor preocupa-se: afinal há dois mercados melhores do que o meu ... mas ficam tão longe! Que pena.
Mas logo se interroga: o que eu queria saber era se o meu mercado era bom (ou muito bom) ou não. Isto não é uma corrida de bicicletas; que me interessa que o meu mercado seja classificado em 5º lugar se, apesar disso, for bom ou muito bom? Pelo contrário, que valor tem o primeiro lugar num concurso de medíocres? Não é a ordem que me interessa é a qualidade. Era isso que eu esperava que um investigador me dissesse; e isso a SEXTA-FEIRA não diz.
Pelo que, descoroçoado, atira a classificação para o fogo, que é lixo não reciclável; da próxima vez que for ao mercado, irá desconfiado.
É o que acontece com as folhas de cálculo dos computadores; quando se lá mete lixo, só sairá lixo, por muito grelhado e torturado pela Inquisição estatística que tenha sido.
Os softwares não são ETARs.
O investigador é um economista; atreveu-se a ajuizar se os mercados “estão a fazer as coisas certas e se estão a fazer as coisas bem feitas” independentemente da “eficiência dos cuidados prestados, a qual poderia ser medida pela comparação entre ... entre custos observados e esperados.”
O que poderia levar a diminuir ainda mais a confiança que actualmente nos merecem os economistas, se isso fosse possível.
Os melhores hospitais para cada doença. SÁBADO 18 DEZEMBRO 2008

Sob o título Doenças pediátricas, à cabeça das “Principais Patologias” figura o recém nascido normal. “Nas Doenças Pediátricas estão incluídos os recém-nascidos normais”
É o fruto do “trabalho conjunto entre uma instituição académica – a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) – e um órgão de comunicação social – a Revista SÁBADO –, o que é quase exclusivo de países e de entidades muito consolidadas e culturalmente avançadas.”
Entre os diagnósticos mais frequentes nas crianças “internadas” figuram a “amigdalite não estreptocócica” e “as doenças respiratórias com crupe”. No “trabalho conjunto entre uma instituição académica e um órgão de comunicação social, não se lê nenhum reparo; o economista da saúde não tinha que saber que as crianças com “amigdalite não estreptocócica” ou com “as doenças respiratórias com crupe” só excepcionalmente necessitam “internamento hospitalar”. Haveria, pois, que analisar este facto bizarro que contamina todos os resultados do trabalho.
A Sábado considera o CHC uma das surpresas deste ano.... este trabalho é outro.

prof. H. Carmona da Mota

4 Comments:

Blogger e-pá! said...

Excelente texto de desmistificação dos rankings da Revista Sábado - "Os melhores hospitais para cada doença" mas que, sem grandes exercícios imaginativos, assenta como uma luva, em múltiplos e variados sectores da vida nacional.

Os brasileiros costumam dizer que: "deus criou os economistas para credibilizar os metereologistas"...

Vamos esperar sentados para ver os rankings (com *****) da ERS.

10:07 da manhã  
Blogger Hospitaisepe said...

O SINAS preenche mais uma etapa da nossa sina: investir em projectos de informação falhados.

4:49 da tarde  
Blogger joao saramago said...

Excelente texto.
Estudos falhados é o que por aí há mais.
Estes senhores investigadores pensam que nós, os portugueses, somos uma cambada de estúpidos!

5:23 da tarde  
Blogger xavier said...

Caro Amigo Xavier

Um Óptimo Natal par si e a todos os participantes neste forum
indispensável para a compreensão da realidade no mundo da Saude em
Portugal.
Digerindo a consoada e aguardando a chegada dos filhos e netos para o
tradicional almoço de Natal espreitei em jeito de zapping pre-prandial os blogs da minha prediecção para sentir o ambiente que por ai se faz sentir em época natalicia mas de crise.
Li deliciado o post do Prof Carmona da Mota, que de forma metafórica traduziu o sentir de muitos profissionais que ,em todos os serviços do SNS procuram dar o seu melhor contributo por vezes com condições muito limitadas. Como Cirurgião Pediátrico, ainda praticante daquele desporto radical chamdo serviço de urgência, sou semanalmente confrontado com a chegada ao meu serviço de inúmeros casos
"complicados" provenientes de serviços de Pediatria classificados como de 1ª escolha ( utilizando a metafora piscicola do Prof Carmona da Mota). O que fazer? Lá teremos que grelhar o peixinho mesmo sem termos por vezes todos os ingredientes necessarios, assegurar que tudo corra bem (mesmo que esse facto aumente em muito a nossa demora média) seguir a longo prazo a sua evolução ( mesmo que aumente o número de consultas subsequentes e provoque um aumento dos custos indirectos).Enfim os números esterilizados nunca poderão traduzir fielmente o sabor da realidade. Esperemos que no futuro o indice de complexidade dos casos e o disease staging possam vir a ser considerados na verdadeira procura da verdade dos factos.
Um Feliz Natal e os desejos de um Ano Novo fantástico e cheio de Saúde

Paolo Casella
Director da Área de Cirurgia Pediátrica do CHLC

1:54 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home