É necessário reconduzir o SNS
aos seus principios originais
Ouvir António Arnault link sobre o SNS é sempre empolgante e, mais que tudo, esclarecedor quanto aos contratempos que este projecto social tem sofrido ao longo dos anos. A maior conquista social do século XX, teve, desde o início, dois inimigos declarados: a Direita Política (grosso modo) e a Ordem dos Médicos (com raros interregnos). Assim, sempre que tiveram oportunidade procederam á sua descaracterização conduzindo ao arremedo actual de um modelo que já não se sabe se é público, semi-privado ou em vias de privatização. Para esta ambiguidade contribuiu e muito, o Partido Socialista através de Correia de Campos, ao promover uma empresarialização dos hospitais sem assegurar as características de serviço público ao nível das relações laborais e da organização dos serviços de acção médica.
Sob o argumento de que o Estado não tinha dinheiro, incentivou-se a entrada do capital privado para a saúde através das parcerias PP e de projectos de “outsorcing” cada vez mais alargados, atingindo hoje as áreas clínicas. Soube, recentemente, que um hospital EPE do grande Porto encomendou colonoscopias ao exterior, presumo que por incapacidade do corpo clínico da especialidade assegurar as necessidades assistências dos doentes que delas necessitam. Imagino pois que tal comece a ser prática corrente em muitos hospitais onde, á excepção dos serviços cirúrgicos em que a lista de espera tem sido contido através de pagamentos a peso de ouro (SIGIC), a dificuldade em conseguir resposta atempada a consultas e exames da especialidade não pára de crescer.
É pois necessário reconduzir o SNS aos seus princípios originais e, para tal, não basta restabelecer as carreiras médicas, sendo embora um contributo essencial. É necessário ter coragem para separar sectores, estimulando a actividade em dedicação exclusiva e definindo incompatibilidades, dinamizar a contratualização a nível interno e externo, fazendo reflectir sobre as instituições e serviços as consequências de um bom ou mau exercício de funções públicas. Poderá ainda ser necessário extinguir subsistemas públicos que não sejam autosustentáveis, como é o caso da ADSE, reinvestindo no SNS os milhões de euros que anualmente saem do orçamento de estado.
E, tudo isto é tão mais necessário num período de recessão económica que se antevê longo, em que teremos de procurar tratar melhor e em equidade, um crescente (face ao envelhecimento) número de doentes com os mesmos ou ainda menores recursos financeiros. À excepção dos fundamentalistas do mercado, todos sabemos que tal só é possível através de políticas públicas de saúde corajosas como a encetada por António Arnault 30 anos atrás. É certo que as condições sociais são hoje diferentes, (para melhor), nos falta o desafio político de então e, em meu entender, protagonistas políticos à altura. A verdade, porém, é que se não for este o caminho iremos ver os índices sanitários, que nos colocam hoje entre as nações desenvolvidas, decaírem rapidamente para níveis que já não julgávamos possíveis.
Sob o argumento de que o Estado não tinha dinheiro, incentivou-se a entrada do capital privado para a saúde através das parcerias PP e de projectos de “outsorcing” cada vez mais alargados, atingindo hoje as áreas clínicas. Soube, recentemente, que um hospital EPE do grande Porto encomendou colonoscopias ao exterior, presumo que por incapacidade do corpo clínico da especialidade assegurar as necessidades assistências dos doentes que delas necessitam. Imagino pois que tal comece a ser prática corrente em muitos hospitais onde, á excepção dos serviços cirúrgicos em que a lista de espera tem sido contido através de pagamentos a peso de ouro (SIGIC), a dificuldade em conseguir resposta atempada a consultas e exames da especialidade não pára de crescer.
É pois necessário reconduzir o SNS aos seus princípios originais e, para tal, não basta restabelecer as carreiras médicas, sendo embora um contributo essencial. É necessário ter coragem para separar sectores, estimulando a actividade em dedicação exclusiva e definindo incompatibilidades, dinamizar a contratualização a nível interno e externo, fazendo reflectir sobre as instituições e serviços as consequências de um bom ou mau exercício de funções públicas. Poderá ainda ser necessário extinguir subsistemas públicos que não sejam autosustentáveis, como é o caso da ADSE, reinvestindo no SNS os milhões de euros que anualmente saem do orçamento de estado.
E, tudo isto é tão mais necessário num período de recessão económica que se antevê longo, em que teremos de procurar tratar melhor e em equidade, um crescente (face ao envelhecimento) número de doentes com os mesmos ou ainda menores recursos financeiros. À excepção dos fundamentalistas do mercado, todos sabemos que tal só é possível através de políticas públicas de saúde corajosas como a encetada por António Arnault 30 anos atrás. É certo que as condições sociais são hoje diferentes, (para melhor), nos falta o desafio político de então e, em meu entender, protagonistas políticos à altura. A verdade, porém, é que se não for este o caminho iremos ver os índices sanitários, que nos colocam hoje entre as nações desenvolvidas, decaírem rapidamente para níveis que já não julgávamos possíveis.
Tá visto
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7 Comments:
... "A maior conquista social do século XX, teve, desde o início, dois inimigos declarados: a Direita Política (grosso modo) e a Ordem dos Médicos (com raros interregnos)..."
Caro Tá Visto:
Aí está uma visão simplista, deturpada e enviesada do longo trajecto histórico do SNS.
Na natividade do SNS nem a Direita teve a ousadia de estar contra.
A Ordem dos Médicos, nessa altura presidida pelo Dr. António Gentil Martins, reconhecido e influente homem de Direita, passou a ser diariamente assediado para democratizar as estruturas internas da corporação (eleições para os Colégios, mais poderes aos Conselhos Regionais,etc) e abandonar laivos autoritários onde pretendia incluir competências sindicais, etc...
O Estatuto da OM, reformulado, como não podia deixar de ser depois do 25 de Abril (Decreto-Lei nº 282/77 de 5 de Julho) - apesar do Dr. Gentil Martins estar na presidencia da OM - reconhece e pugna pela ideia de que a defesa dos legítimos interesses dos médicos passa em primeiro lugar pelo exercício de uma medicina humanizada que respeite o direito à saúde de todos os cidadãos, nele se consagrando ainda o princípio da criação de um Serviço Nacional de Saúde, no qual os médicos terão necessariamente papel preponderante e fundamental.
Nesta altura andava eu a fazer o Serviço Médico à Periferia, numa recondida vila do Interior que só conhecia a degradada Misericórdia, com esparsos médicos "voluntários" e na área de enfermagem, havia umas "auxiliares", normalmente, religiosas. Portanto, nos primórdios "franciscanos" do SNS.
A Direita Política só tem coragem de afrontar o SNS quando, sob os auspícios do poder financeiro e das seguradoras, vê "nascerem" (como cogumelos, digo eu) vultuosos investimentos no Sector Privado da Sáude.
Mas, mais tarde, esta Direita, sempre que está no Poder - e esteve largos anos - tenta morder, abocanhar, o SNS.
Os médicos e os restantes profissionais de sáude, por razões distintas, não esquecem a dupla Leonor Beleza/Cavaco Silva, o inefável Costa Freire, a ANF, i. e., o insidioso assalto ao SNS.
Todavia, a Direita é obrigada, politicamente, a manter-se no quadro constitucional e o máximo que arranca é o "tendencialmente gratuito".
Começa, no entanto, a atacar o Estado Social, com uma asserção que se vai ouvir muito dentro do SNS: "as necessidades são infinitas, mas o dinheiro é finito".
Começa aqui uma era economicista do SNS, sustentada pelos administradores saídos da ENSP, que será para uns redentora do SNS e para outros desastrosa. Como é habitual nem uma coisa nem a outra. Conseguem insinuar-se nos corredores do Poder na João Crisostomo e assentar praça no SNS, todos generais de 5 estrelas...
Já no séc XXI essa Direita arranja como bordão ideológico modernas inovações na gestão que privilegiam o “outsorcing”, as vantagens das contratualizações externas e, mais tarde, os ultra-modernos HH's PPP's., com cedência da gestão.
Tudo isto começou nos tempos de Luis Filipe Pereira e prosseguiu - sob uma pseudo-fachada socialista - nos tempos de Correia de Campos. Hoje, é um dos grandes enigmas do futuro.
Portanto, sempre foi fácil identificar inimigos do SNS.
Mais dificil foi - e é - encontrar e denunciar os destruidores encapotados do modelo público e, mais raro, será referenciar quem trabalha, no SNS, com eficiência e dedicação.
Caro Tá visto:
Agora, reconduzir o SNS aos princípios originais seria demais...
Lá iam as EPE's regressando os HH´s ao SPA e voltando a pesar no controlo orçamental do Estado e retirava-mos da Constituição o "tendencialmente"...tão arduamente trabalhado para as taxas moderadoras!
Caso Freeport
Carlos Guerra, à altura presidente do Instituto da Conservação da Natureza (ICN), disse ao “Diário de Notícias” que está um pouco surpreendido com a recente polémica. “É preciso recordar que onde está hoje o Freeport estava uma fábrica de pneus”.
Estas notícias vêm mesmo a calhar aos Srs. Professores que as exploram à exaustão. Na verdade uma classe de professores que se conduz pela falta de rigor e aproveitamento não é boa para a educação e formação da sociedade jovem deste País, futuros dirigentes. A avaliação deve continuar, porque não podem ser os interessados a determinar como e quem os avalia .
JP 24.01.09
.../ No PÚBLICO de ontem, a repórter Maria Lopes contava a alegria dos lojistas do Freeport de Alcochete com o último escândalo. Para eles "qualquer tipo de publicidade é boa". Desde que se noticiou, há três anos, que o centro ia fechar, "tem sido sempre a facturar". Para um, "2008 foi o melhor ano".
E se estas histórias de primos e tios de Sócrates, à mistura com aldrabões e jornais ingleses, fossem uma hábil campanha de publicidade viral da Freeport? É que todos temos famílias grandes e há sempre por onde pegar. O leitor sabe o que estão a fazer os seus cunhados, primos e irmãos de leite neste momento? Admirar-se-ia que algum deles andasse metido nalguma marosca? Eu cá não. Só espero que a procissão de ovelhas negras que aí vem acabe com o flagelo das Cow Parades..../
MEC, JP 25.01.09
Caro Tá visto:+
Agora, reconduzir o SNS aos princípios originais seria demais...
Lá iam as EPE's regressando os HH´s ao SPA e voltando a pesar no controlo orçamental do Estado e retirava-mos da Constituição o "tendencialmente"...tão arduamente trabalhado para as taxas moderadoras!
Meu caro “e-pá”
Diz o meu amigo que na natividade do SNS nem a Direita teve a ousadia de estar contra. Se bem se recorda, também quanto à via para uma sociedade socialista, CDS à parte e honra lhe seja feita pela coragem política de o afirmar, o principal partido da Direita estava contra. Agora, uma coisa é estar-se convictamente a favor e outra é, por conveniências de momento, afirmá-lo. A verdade é que as poucas vozes no PSD (destaco Albino Aroso e Paulo Mendo) a favor do SNS público, em que o Estado assume papel central no financiamento e prestação de cuidados, não deixaram esteio dentro do partido. É só ouvir o que sobre o assunto dizem Ferreira Leite e Pedro Paços Coelho.
Bem, mas questões históricas à parte, embora sempre importantes porque o presente também se faz do passado, considero fundamental reafirmar-se hoje os princípios originais do SNS “universal, geral e gratuito», deixando claro que a alteração do gratuito para «tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito», significa tão só a questão das taxas moderadoras quando a tal houver lugar, o que não é o caso das aberrantes taxas de internamento. E, é também fundamental que a Esquerda (o que quer que isso seja) tenha coragem de afirmar que, no actual estadio de desenvolvimento socioeconómico, só o Estado está em condições de assegurar aqueles objectivos em condições de equidade, mantendo-se o sector privado como complementar.
Relativamente ao modelo EPE, não está em causa a agilização da gestão e a incorporação de regras e procedimentos empresariais que a tal conduzam. O que preocupa é que tal conduza a uma resposta desarticulada e que uma filosofia mercantil se instale, levando, através da desregulamentação das relações laborais, entrada de capitais ou parcerias com sectores privados, as administrações passem a preocupar-se mais com os interesses dos accionistas que em atingir ganhos em saúde das populações que servem.
Quanto à questão dos EPE deixarem de contar para o deficit orçamental ela é uma forma artificial de iludir Bruxelas quanto à realidade da despesa pública, como tantas outras que têm sido encontradas, sobre a qual não me pronuncio por desconhecimento técnico.
"Fui designado ministro dos Assuntos Sociais, Saúde e Segurança Social por um acaso. O primeiro-ministro Mário Soares convidou-me para ministro da Justiça do II Governo Constitucional. Uns dias depois, quando já tinha o programa do ministério praticamente pronto, no qual incluí o esboço de um serviço nacional de Justiça, Mário Soares pediu-me para, afinal, ser ministro dos Assuntos Sociais, porque estava com dificuldade em encontrar alguém para essa área. Disse-me que era uma missão que me pedia e acabei por aceitar." (António Arnault- Tempo Medicina)
"Se tivéssemos uma justiça à altura, toda a crise actual seria mais suportávél" (António Barreto- Público, de hoje)
Que pena o Dr.António Arnault não ter conseguido que nenhum dos Ministros da Justiça do PS se tivesse inspirado no seu "esboço", para criar um Serviço Nacional de Justiça...
...E não teríamos o SNS.
O que, evidentemente, seria óptimo para os negócios.
Caro Tavisto:
Nos anos quentes pós 25 de Abril (o tal PREC) até o CDS, defendia defender um "socialismo personalista"...
Coisa que nunca percebi...
Agora, mudaram-se os tempos e novas vontades andavam a ganhar fôlego...
Estamos outra vez numa era de mudança.
Ao neoliberalismo reinante até esta profunda crise vai, com certeza, vão ser imputadas pesadas responsabilidades.
Os povos aprendem com as trajectórias históricas e imunizam-se contra as iniquidades, as adulterações, preversões e os desvios doutrinários, contra o que, dizendo terra à terra, falha.
Os anátemas políticos não se aplicam só aos povos que viveram regimes comunistas... Ninguém, supõe o retorno do regime soviético à actual Rússia.
O mesmo deverá passar-se em relação ao neoliberalismo e aos seus exímios defensores - os neocons.
Aprendemos com tudo.
Basta olhar a maneira como G W Bush terminou o mandato - sem pinta de dignidade! - e, p. exº., a notícia de hoje, sobre ao governo da Islândia - o tal que "conseguiu" a melhor qualidade de vida da Europa! - que foi, simplesmente, à vida...sob a pressão popular.
Portanto, importantes modificações políticas vêm a caminho. Começaram nos EUA e vão contagiar o mundo político, financeiro e económico
Devemos estar atentos às consequências destas mudanças naS políticaS sociais dos governos emergentes desta crise. É preciso conservar a memória histórica.
E aí esbarramos com as opções entre sistemas de saúde públicos, privados, mistos, convencionados, etc.
Por cá, VIVA O SNS!
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