Pacote de cuidados
Sou totalmente a favor do SNS, mas ele é insustentável, mesmo se melhorarmos os 25% de desperdício que existe. Teremos que fazer cedências, definir que prestações de cuidados são essenciais e explicar aos doentes porque é que não os tratamos.
professor Sobrinho Simões, director do Ipatimup, CM 07.05.09
Para contornar o problema da sustentabilidade do nossos sistema de saúde, o professor Sobrinho Simões parece defender a criação de um conjunto de medidas de racionamento, ou seja, o desenvolvimento de um processo de escolha e implementação de um pacote de cuidados de saúde prioritários ou essenciais.
professor Sobrinho Simões, director do Ipatimup, CM 07.05.09
Para contornar o problema da sustentabilidade do nossos sistema de saúde, o professor Sobrinho Simões parece defender a criação de um conjunto de medidas de racionamento, ou seja, o desenvolvimento de um processo de escolha e implementação de um pacote de cuidados de saúde prioritários ou essenciais.
Supondo reunidas as condições técnicas e políticas susceptíveis de ultrapassar as dificuldades relativas à definição de uma metodologia capaz de desenvolver critérios minimamente aceitáveis e promoção dos indispensáveis debates públicos, o saldo deste processo não deixaria de ferir, com maior ou menor gravidade, principios fundamentais do nosso sistema de saúde.
Etiquetas: s.n.s
3 Comments:
É curioso ser um médico a levantar a questão de racionamento de cuidados, uma vez que são normalmente avessos a esse conceito.
Em relação ao "pacote de cuidados" como medida de sustentabilidade, talvez valha a pena olhar para a experiência de onde foi tentada a sua introdução: o resultado final foi geralmente um aumento dos cuidados incluidos, uma vez que despoletada a discussão a pressão pública para a inclusão é muito grande, mesmo de cuidados que de outro modo seriam considerados marginais.
É um caminho perigoso.
SNS com terapêutica a conta-gotas?
Com todo o respeito que tenho pelo Prof. Sobrinho Simões, tenho de manifestar a minha frontal discordância com a sua análise. Ou, antes, com a metodologia da sua abordagem.
Estaria de acordo com a sua asserção se o SNS fosse uma solução técnica efémera no âmbito da resolução de problemas sociais.
Mas, no meu entender, o SNS é um pilar do Estado Social, consolidado há 30 anos.
É um dos mais delicados e sensíveis problemas da política social nacional.
Logo, a discussão da sua viabilidade e da sustentabilidade do SNS deve discutir-se no âmbito político e o mais alargadamente possível.
É um assunto capital que interessa a todos os cidadãos.
Não podemos ficar por pareceres técnicos ou "impressões" por mais idóneas que sejam - como é o caso.
O questionamento a "conta-gotas" do actual paradigma do SNS - não estou a referir-me particularmente à opinião do Prof. Sobrinho Simões - parece-me, quase sempre, um sermão encomendado visando preparar terrenos para outras sementeiras...
Quando quisermos discutir este crucial problema (hoje poderá entrar nessa categoria) devemos colocá-lo aberta e livremente à discussão pública, aberta, sem hors d'œuvre introdutórios, nem condicionalismos empertigados e, muito menos, com soluções mágicas plagiadas e importadas.
Mas, é preciso esclarecer que o SNS nunca pode transformar-se num tabu, incontornável, inultrapassável e indecifrável, à boa maneira cavaquista...
O crescimento dos custos de saúde, acima do crescimento da riqueza dos países, coloca a necessidade de medidas explícitas de distribuição dos recursos de saúde na agenda política dos países desenvolvidos.
As medidas de racionamento têm sido, no entanto, vagas, implícitas e desenvolvidas de forma discricionária e discreta pelos prestadores de cuidados de saúde. O que é novo no tema do racionamento é o debate sobre a necessidade de políticas explícitas e sistemáticas de racionamento, os modelos e métodos a adoptar,
A introdução de critérios explícitos no racionamento transfere parte da responsabilidade que recai nos prestadores de cuidados de saúde para outros agentes, principalmente para os governantes.
O esforço para definir critérios passa pelo desenvolvimento de princípios normativos e critérios técnicos que possam ser usados para incluir ou excluir pacientes da prestação de serviços, ou para incluir ou excluir programas da provisão legislativa, em substituição de práticas subjectivas dos médicos.
Níveis de decisão
Nos sistemas de saúde públicos, as decisões de afectação dos recursos da saúde são feitas, basicamente, em dois níveis. Ao nível macro estabelecem-se prioridades entre programas de saúde. A consequência dessa decisão é que determinados tratamentos não sejam fornecidos e/ou publicamente financiados (como é o caso da maioria dos serviços de saúde oral, em Portugal). Ao nível micro são estabelecidas prioridades entre os pacientes. Os prestadores de cuidados de saúde enfrentam frequentemente a dificuldade de decidir entre privilegiar a eficiência da distribuição, seleccionando os doentes que têm um bom prognóstico ou, privilegiar a igualdade de hipóteses de acesso a todos que precisem de serviços médicos.
A consequência mais habitual desse segundo nível de priorização é o desenvolvimento de listas de espera. A explicitação do estabelecimento de prioridades envolve o desenvolvimento e uso de critérios técnicos que têm como base as áreas da epidemiologia,
economia e “medicina baseada na evidência” (MBE).
A contribuição da economia no estabelecimento de prioridades tem sido amplamente discutido na literatura de economia da saúde. A economia aborda o problema da afectação dos escassos recursos da saúde a partir da avaliação de custos e benefícios económicos de programas e serviços alternativos. A questão da valorização dos resultados em saúde tem merecido uma vasta literatura na economia. Nos últimos anos tem-se generalizado o uso de uma medida que num só índice incorpora as duas principais dimensões da saúde, mortalidade (ganhos em quantidade) e morbidade (ganhos em qualidade)– Quality-Adjusted-Life-Years (QALY).
Os QALY medem os anos de boa saúde (ano saudável) ganhos com um determinado tratamento. A análise custo-utilidade (ACU) prioriza os tratamentos por comparação entre custos e QALY’s.
Nos últimos anos, alguns países ocidentais tentaram de forma sistemática determinar os critérios para definir uma cobertura de cuidados de saúde que responda aos princípios éticos que regem estas escolhas 1. Os pioneiros nessa matéria são o Estado do Oregon (Estados Unidos), a Holanda, a Nova Zelândia, a Noruega e a Suécia.
As experiências ilustram as dificuldades e os desafios do processo de racionamento explícito. O Estado do Oregon constituiu o primeiro exercício explícito e organizado de estabelecer prioridades. O plano do Oregon teve a sua origem num episódio trágico de negação de um transplante (de medula óssea) que culminou na morte de uma criança. A racionalidade dessa decisão foi o alargamento do número de beneficiários do sistema Medicaid a todos os cidadãos em situação económica elegível. Foi estimado que o não financiamento público de 34 transplantes libertaria recursos suficientes para incluir no programa 1.500 novos utentes. Nesse cenário, o preço de 34 vidas parecia tolerável.
Esse episódio foi o ponto de partida para a definição de uma lista de cuidados de saúde a financiar publicamente. A metodologia desenvolvida envolveu a utilização de dados e valores sociais obtidos por audiências públicas e desenvolveu-se em três etapas. Na primeira, criou-se um ranking das combinações diagnóstico e de tratamento, com base no seu valor para a sociedade, o seu valor para o doente potencial e a sua importância para um pacote de serviços básicos.
Na segunda etapa, recorreu-se à análise custo-utilidade (ACU), isto é, ao custo por QALY, para ordenar no interior de cada categoria os pares doença/tratamento. Por último, ponderaram-se os resultados segundo critérios de razoabilidade. Assim, se obteve, em 1991, uma lista de 709 pares doença/tratamento a serem cobertos pelos esquemas de protecção social dirigidos a pobres e idosos. Face ao teto orçamental para despesas públicas de saúde, decidiu-se financiar os primeiros 587 cuidados contemplados. Esta política revelou-se positiva, quer porque mais pessoas tiveram acesso ao programa Medicaid, quer pela diminuição do número de pacientes. Na revisão legislativa de 1993, os benefícios alargaram-se e a lista positiva compreendeu 696 casos. As dificuldades do Oregon e a discussão em torno das suas consequências ilustram as limitações da abordagem económica tradicional, em particular a sua aceitação social.
O programa do Oregon mereceu a atenção internacional pela opção por um modelo que exclui serviços de saúde do financiamento público para alargar o leque de beneficiários. Semelhante trade-off é inviável em sistemas de saúde em que o acesso universal constitui um direito fundamental. Os países europeus tendem por isso a seguir modelos com maior ênfase na equidade do tratamento ao cidadão e na abordagem comunitária.
Lancet, fev 2006
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