domingo, maio 10

A República das (dos) Bananas...

art work prescrire
Ontem à noite, (08-05-09) a TVI passou no Jornal da Noite uma reportagem, de quase quinze minutos, que ilustra bem o clima de fantasia que se vive no sector da saúde e, em particular, na área do medicamento. O país teve a oportunidade de ver o despudor e a falta de seriedade a que o negocismo e a venda de prescrição conduziram a profissão médica em Portugal. O que vimos foi o relato fotográfico feito por uma empresa (J Neves) sem quaisquer pergaminhos de prestígio (antes pelo contrário) na investigação e no desenvolvimento. O que vimos foi a imagem degradada e ridícula de médicos de família (a brincar aos piratas) numa fingida participação, num suposto congresso, cujo programa oscilava entre Kuala-Lumpur, praias paradisíacas, jantares dançantes e cujo tema “científico” dominante era o “dia livre para actividades particulares”. Um dos médicos entrevistados referiu que, por ano, ia a mais de dez congressos. Uns de Ginecologia outros de Diabetes e assim por diante (naturalmente em função do número de genéricos de marca que prescreve e com a provável finalidade de ir aferir as últimas novidades da comunidade científica sobre esses mesmos genéricos num qualquer resort tropical de cinco estrelas).

Ao que sabemos em 2006 (data desta paródia) já o novo quadro legal estava em vigor. Ficam por isso aqui algumas perguntas:
˜ O Ministério Público terá visto o Jornal da Noite?
- O MS poderá divulgar publicamente quais as comissões gratuitas de serviço (pagas pelos contribuintes) concedidas aos profissionais que participaram neste evento? Poderá divulgar a lista de comunicações (Orais e Escritas)? Poderá divulgar os Relatórios de Participação em Evento Científico? Poderá divulgar se neste evento estariam (por mero acaso) médicos com funções dirigentes na estrutura do MS (DGS, ACSS, Unidades de Saúde)?
- Poderá divulgar o perfil de prescrição de medicamentos comercializados pelo laboratório J Neves pelos diferentes participantes?
˜ E já agora o Infarmed (qual musa subitamente acordada) poderá interpelar o laboratório por esta prática e fazer aplicar a lei?
- Ou será que o laboratório J Neves é um daqueles que comercializa os genéricos (de marca) com os excipientes, as cores e as formas que mais confianças dão aos médicos?
˜ E o Sr. Bastonário da Ordem dos Médicos não se sentirá envergonhado pelo desprestígio a que tem vindo a conduzir a profissão médica?
˜ Será que o Ministério da Saúde, Ordem dos Médicos e a Apifarma podem colocar online nos respectivos sites a lista de todos os médicos (pelo menos os que trabalham no SNS) que participam em Congressos ou outro tipo de acções de “Formação” sempre que haja envolvimento financeiro da IF? Será que o MS pode publicar o relato escrito destas participações “científicas”?
˜ Será que o Infarmed, finalmente, se dá conta do papel a que se tem prestado? Será que poderá explicar as centenas de registos de cópias e genéricos, a falta de firmeza na garantia absoluta de qualidade de todos os medicamentos a quem concede AIM? Será que algum dia será capaz de fazer cumprir a lei e atenuar a promiscuidade entre a IF e alguns médicos?

Tudo isto acontece (está impresso nos livros da história) quando o poder se fragiliza, não se exerce, se acomoda… As tribos emergem, reforçam a captura do sistema e a política vai morrendo às mãos dos interesses…Um Estado frágil, sem autoridade, sem rigor, incapaz de dar o exemplo é um Estado doente.

SNS

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8 Comments:

Blogger xavier said...

Inexplicavelmente ao postar mais este excelente texto do SNS juntei inadevertidamente um outro texto sobre o mesmo tema.
Corrigida a situação, resta-me apresentar as minhas desculpas ao SNS.

4:00 da tarde  
Blogger DrFeelGood said...

Temos assistido nos últimos tempos ao desenvolvimento dos casos BPN e Freeport num desdobrar de episódios que nos vai deixando envergonhados.

Noutro plano, a luta entre a Apifarma e ANF, envolvendo no turbilhão da disputa do mercado, médicos e farmacêuticos, tem assumido igualmente aspectos deploráveis.

A longa reportagem da TVI de ontem à noite insere-se nesta guerra suja de tentar prejudicar o adversário.
Uma vez mais, alguém providencial fez chegar ao repórter de serviço o CD das imagens comprometedoras.
A coreografia infantil dos piratinhas é realmente confrangedora, botando a ridiculo um grupo profissional com falta de memória que não consegue resistir ao aceno de uns tontos dias de descontracção num qualquer resort tropical de várias estrelas.

Por sua vez, o Estado,o MS, o Infarmed, assistem impotentes a todo este triste cortejo de golpes e contra golpes, incapazes de qualquer intervenção positiva.

No meio de todo este regabofe qual o papel reservado aos utentes?

5:32 da tarde  
Blogger e-pá! said...

Tenho pena de não ter assistido ao referido programa.

Mas, para além dos aspectos caricatos que estão referidos, verdadeiramente aberrantes, este programa vem confirmar o desassossego que, desde algum tempo, me vem perseguindo. Isto é, perante este "mercado selgagem", onde colocamos o índice de confiança que devemos (necessitamos de) depositar nos MG's?

Mais, se às degradantes imagens transmitidas - ao que julgo - acrescentar-mos o esquema de bonificações às farmácias, entra um novo parceiro na engrenagem, que tem a capacidade de transformar um mercado estruturalmente selvagem, num autêntica selvajaria, onde vale tudo!

Vai ser dificil credibilizar os MG's, sem previamente regular e disciplinar o mercado de genéricos.
Mais uma vez, também aqui, as entidades reguladoras têm um comportamento cego e atípico.

Vender medicamentos não é a mesma coisa do que vender fruta. Ou será parecido, na medida em que, pode estar sã e escorreita na casca e no seu interior infestada de uma podridão incontrolável.

Este episódio é mais um, a juntar a muitos outros, que tornam inadiável a necessidade de reformular e restruturar o INFARMED e a ERS.

Ou, então, ninguém cumpre nada e todos ficam impunes, porque, a cadeia de cumplicidades está criada, salvaguardada e operante.
Ou, outro CD - não sei se existe - poderia ser exibido sobre o comportamento da IF com as farmácias de oficina. teria, com certezas, cenas igualmente dignificantes...

A começar pelo MS (as comissões gratuitas de serviço são autorizadas pelas Administrações das Instituições ou Directores de Unidades, a Apifarma e a OM (que têm um protocolo assinado, etc.
E falta ainda referir - não sei se o comentário o fazia - as farmácias, os farmacêuticos, a OF e a ANF...

Portanto, meio mundo da área da Saúde, embrulhado em prevaricações (umas mais graves do que outras, saliente-se, mas todas dolosas).

6:21 da tarde  
Blogger Hospitaisepe said...

Viagens de um lado descontos de quantidade do outro.
Vamos ver até onde vai a falta de decência dos protagonistas deste folhetim rasca.

10:59 da tarde  
Blogger JRSR said...

O épa tinha mesmo de falar em farmácias e em farmacêuticos...parece que com isso quer desculpar a "pirataria".

E fala ainda que é por isto que não sabe ate que ponto os MG terão qualidade, mas esquece-se de dizer que os medicamentos de marca também dão viagens ao Havai.

12:40 da manhã  
Blogger tambemquero said...

O JMF entrevistou João Félix, Director-geral da maior companhia de genéricos a actuar em Portugal e uma das maiores do mundo, a Mylan, que há poucos meses foi também alvo dos holofotes das notícias por ter adquirido o gigante Merck Genéricos. linkJornal Médico de Família (JMF) - Uma das críticas mais vezes apontadas ao mercado de genéricos português, é a de que o número de apresentações aprovadas pelo INFARMED, de diferentes companhias, é demasiado elevado... 500 apresentações de uma mesma molécula... 700 de outra... Como se explica esta situação?

João Félix (JF) - Bom... Antes de mais, importa distinguir entre apresentações aprovadas pelo INFARMED e apresentações efectivamente disponíveis no mercado. Coisas muito diferentes. Veja o exemplo da Sinvastatina, tantas vezes referido nos últimos dias: registadas no INFARMED, temos 174 AIM aprovadas, que correspondem a diferentes dosagens de 65 marcas, entre genéricos e medicamentos com nome de fantasia. Pois bem: destas 65 marcas, só 49 estão disponíveis no mercado.

JMF: - O que ainda assim, é um número muito elevado. O Estado não deveria travar a proliferação de empresas a actuar nesta área, e assim o número de marcas e correspondentes apresentações?

JF: - Essa tem sido a solução mais vezes apontada... Mas que não é possível implementar. Isto porque vivemos no mercado europeu, sujeito às regras da livre concorrência. Não se pode impedir alguém de actuar neste sector, desde que reúna os requisitos técnicos para tal.

JMF - Mas a verdade é que, dizem algumas vozes, o enorme número de apresentações disponíveis obriga as farmácias a stocks absurdos...

JF: - Não me parece que o cenário seja assim tão absurdo como o pintam. Dou-lhe um exemplo: eu vivo em Algés, na zona de influência da USF Dafundo, que é a principal responsável pelo receituário dispensado pelas farmácias de oficina que funcionam naquela área. Ora bem: é de crer - digo eu - que para uma mesma substância activa, cada médico irá prescrever os produtos de uma mesma empresa farmacêutica... Ou porque confia mais num determinado laboratório, ou por qualquer outra razão. A menos que alguém ache possível que um médico adopte, como hábito de prescrição, receitar a cada um dos seus doentes um Omeprazol diferente. Como também me parece improvável que, logo por azar, os 7 ou 8* médicos que exercem na USF Dafundo prescrevam, cada um, "o seu" Omeprazol...
Ou seja, as substâncias prescritas numa determinada área geográfica concentram-se num número limitado de companhias, pelo que as farmácias condicionam os seus stocks a esta realidade. É evidente que pode sempre aparecer um genérico de outra empresa. Mas para isso também há solução, que não passa pela obrigação de a farmácia ter todas as apresentações disponíveis no mercado. Assim, e de acordo com as regras do sector, quando confrontado com um pedido de medicamento que não disponha em stock, o farmacêutico tem um determinado prazo para o disponibilizar ao consumidor.

JMF

12:59 da tarde  
Blogger e-pá! said...

Caro Farmaceutico Comunitário:

"Pirataria" é sempre pirataria.
Seja paraticada por quem for.
E nada a desculpa.

"Selvajaria" é um tipo de mercado grosseiro, rude, intratável, viciado... que tem proliferado no sector do medicamento com os MG's e que pode ser tudo o que quisermos.
O que não será é um mercado aberto (concorrência), regulado (fiscalizado) e transparente (o produtor não é o aconselhador, o distribuidor e o comercializador).

Isto é, uma espécie de tudo ao monte e fé em Deus!

7:08 da tarde  
Blogger tambemquero said...

O bastonário da Ordem dos Médicos anunciou hoje que pediu à Procuradoria-Geral da República (PGR) que abra um inquérito sobre a alegada participação de médicos num congresso na Malásia que pode configurar um crime de corrupção. link

12:34 da manhã  

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