quarta-feira, maio 27

Para onde Vaz, Artur?

Declaração de interesses: Considero Artur Vaz (AV) um dos melhores gestores de hospitais e admiro-o como um intelecto de grande nível. É um “influenciador” muito hábil, mas é de aspectos técnicos e não políticos que quero falar.

Dito isto olhemos para a entrevista link para “ler” o que disse e o motivo porque o disse.

1-Quem lê a entrevista fica com a ideia, eventualmente errada, que quis:
- Enviar recados e demonstrar impaciência, quando se discute o valor do capital social, o plano de investimentos e a sua relação com outros investimentos do SNS;
- Demonstrar disponibilidade para o projecto actual lembrando que lhe agrada a gestão de hospitais privados.

2- As ideias-chave e a sua bondade.

2.1. Orientação estratégica?
A direcção estratégica, incluindo objectivos e planos estratégicos, é definida pelos accionistas com a aprovação da estratégia proposta. Anualmente pode haver ajustamentos (revisão) que serão aprovados com os objectivos, planos e orçamentos anuais. Nos EPE, como nos privados, é assim e o “comando estratégico” funciona com os 2 accionistas (MS/MF).
A implementação da estratégia durante o ano é questão táctica e de execução que compete aos “executivos” (gestores), cabendo aos representantes dos accionistas (BOD) verificar e garantir que essa implementação acontece com a eficiência e eficácia necessárias. A presença do accionista (no BOD) não é para alterar a estratégia no ano mas para apoiar a gestão e controlá-la garantindo que se cumpre.
Nos EPE também é assim a diferença está em que:
- A função accionista não está estruturada e a funcionar;
- Como há várias entidades envolvidas e o controlo de facto não funciona, a gestão tem muito mais poder que nos hospitais privados (percebe-se por isso que AV não reivindique mais “autonomia”).

“Estar muito perto dos interesses estratégicos dos accionistas” é de facto sujeitar-se a alterações inopinadas da estratégia e fazer um papel muito mais executivo (cumprir ordens directas) e muito menos estratégico. Note-se que não estou a dizer que é bom ou mau, apenas estou a concluir.

2.2. Accionistas, consonância e confusão de papéis
Os accionistas (MS/MF) podem dar orientações aos EPE sobre o cumprimento da estratégia no ano, como o BOD dum hospital privado fará se exercer correctamente a sua função. Essas orientações devem, segundo a lei, ser emitidas ao mais alto nível, pelo MS as orientações gerais e específicas.
A confusão de papéis existe agora, mas em muito menor grau que anteriormente. A contratualização pela agência faz-se relativamente aos doentes do SNS apenas (não toda a actividade do hospital) e a discussão da estratégia faz-se com a ARSLVT que tem (também) funções de accionista na região, conforme a lei. Existe “conflito latente de interesses” na ARSLVT mas na ACSS ainda mais: é coordenador das agências, representante do accionista, financiador, controlador financeiro, chefe supremo (informática, finanças,

É verdade que é necessário organizar a função accionista: 1º entre o MS e MF; 2º o que e quem faz (regional, nacional). A análise da estratégia terá que ser regional para que considere a articulação com restantes serviços da região, coisa que num gabinete em Lisboa não se pode fazer.
A estratégia pode ser analisada e aprovada centralizadamente, se for apenas financeira e “números” de gestor – quando devia ser essencialmente clínica e visionária embora com tradução financeira – mas então o seu papel é quase nulo. Nessas condições não dá a ”orientação estratégica” que a gestão necessita para o ano, talvez por isso AV precise de “uma linha precisa de orientação estratégica”.
De qualquer modo AV tem toda a razão quanto á necessidade de organizar a função accionista, nos papéis de apoio, acompanhamento e controlo, que agora quase não existem e isso é um problema.

2.3. Novos órgãos de gestão nos EPE?
O CA do EPE é O representante dos accionistas, como bem diz o nosso amigo Tonitosa que cumprimento pelo acerto dos comentários, e não parecem necessários mais órgãos. Nos privados o BOD tem uma função essencial quando há múltiplos accionistas dispersos e quando a actividade em causa precisa de “apports” externos fundamentais para desenho e para facilitar a solução estratégica na vertente externa (de bancos, clientes, fornecedores) - obter mais capitais, parceria estratégica, etc.
Quando há um accionista “muito” maioritário e quando a actividade é produzir um bem público em monopólio (ou quase) o interesse é nulo, pois o maior custo (suportado com o BOD) não tem grandes vantagens:
- Controlo da gestão. O dito muito maioritário pode dar as suas ordens sobre decisões importantes de dentro (BOD) ou de fora que serão prontamente cumpridas;
- Formulação da estratégia. A estratégia não tem muito a ganhar de terceiros do exterior quando prestamos um serviço público, desde que as funções contratação e accionista funcionem.

Ora o Estado é de facto o único accionista e tem “apenas” os seguintes poderes: regulamentar, regular, financiar, comprar, controlar, fiscalizar, auditar, … (inclui despedir e contratar gestores).
O CA dos EPE é o representante do Estado e tem algumas funções do BOD, as restantes estão na função accionista que é preciso organizar.

2.4. Contratação de cuidados de saúde com privados
Tem razão AV mais uma vez quando afirma a necessidade do “Estado ter pessoas com sofisticação técnica e neutralidade ideológica”, acrescentaria apenas, acompanhando o Olho Vivo, que além disso devem ser independentes de interesses privados da saúde.
Tem igualmente razão quando refere a necessidade do Estado avaliar todas as experiências em que se mete (AS incluída), e não deve ser apenas o Tribunal de Contas a fazê-lo. Deve haver avaliação técnica independente pedida pelo Estado, por exemplo a uma Universidade, considerando todos os aspectos importantes do contrato.

Abílio

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10 Comments:

Blogger PhysiaTriste said...

Redigi recentemente um comentário ao post “ Artur Vaz sente falta” que não chegou ao destino. Como tive problemas com a rede, admito que se tenha extraviado.
Porque também não guardei cópia, o texto que se segue é uma aproximação do anterior.

Dizia então, nesse primeiro texto, que pouco havia a acrescentar à excelência dos comentários àquele post e que bem gostaria que, no MS, se desse atenção ao texto do Abílio. Merece cuidada reflexão e, por isso, felicito o Xavier por lhe dar relevo.

Mas o que me tinha trazido, então, á liça era uma afirmação do Tonitosa; “…tendência para a burocracia imposta pelos serviços centrais do Ministério.”.
A mim me parece que, na origem de muitos problemas, está o espírito burocrático que marcou/marca os nossos serviços públicos. E também, já agora, muitas empresas, quer públicas quer privadas.

A divulgação recente do Manual dos Aplicadores do Ministério da Educação é um deprimente exemplo de como altos dirigentes da Administração Pública continuam reféns dum modelo burocrático de cariz Napoleónico e Colbertista.

Ao ler as normas a respeitar pelos professores, na realização dos exames, não pude deixar de me recordar dum regulamento promulgado por Colbert, quando foi Secretário de Estado da Marinha, em que se definia a quantidade de rum que deveria ser dada a cada marinheiro, quando no mar ou em terra, no Verão ou no Inverno.

A burocracia, recordemo-lo, tem origem na política e a sua finalidade primacial era a de acautelar a transmissão, sem distorções, das ordens do monarca e reportar as informações locais, de modo a garantir o controlo absoluto.
A burocracia administrativa tem em vista atingir aqueles fins com o máximo de eficácia.

Já que adoptamos o modelo francês da burocracia, podíamos, ao menos, tê-lo aplicado integralmente. Mas parece ter acontecido, a parte desse modelo, o mesmo que às malas de Jacinto, na viagem de Paris para Tormes.

A pesquisa dos factos, a análise, a medida, a preparação metódica, pontos fortes da burocracia francesa, extraviaram-se.

O que cá chegou, bem conservado, foi a “infalibilidade” da hierarquia, a lógica cartesiana, a separação entre a “máquina” e o “aparelho”.

A questão que se levanta é a de saber se a tendência para a burocracia se manifesta, apenas, nos serviços centrais do Ministério.

Olhando para os hospitais EPE, diga-nos lá, Tonitosa, quantos é que têm a funcionar, verdadeiros Centros de Responsabilidade?

3:08 da tarde  
Blogger e-pá! said...

Tenho dificuldade em entender nuances deste teor:

...afirma a necessidade do “Estado ter pessoas com sofisticação técnica e neutralidade ideológica”...- neutralidade ideológica, porquê?

- será condição necessária para ter qualificação (não acho conforme o termo sofisticação) técnica?

10:46 da tarde  
Blogger Hermes said...

Cem por cento de acordo com o comentário do Brites.

Passeia mais uma vez a sua classe, agora a falar da burocracia.

«A pesquisa dos factos, a análise, a medida, a preparação metódica, pontos fortes da burocracia francesa, extraviaram-se.
O que cá chegou, bem conservado, foi a “infalibilidade” da hierarquia, a lógica cartesiana, a separação entre a “máquina” e o “aparelho”.»

Acertou no alvo, em cheio!

Em minha opinião são as hesitações e a opção por medidas admnistratrvas, ao invés de aprofundar a gestão, que têm produzido alguns dissabores no SNS.

Apenas para fugir um pouco "ao sério".
Ao menos não se pode pedir à hierarquia para aplicar na saúde, aos gestores pelo menos, aquela receita do Colbert? Por mim pode ser vinho do Porto, mas não sou esquisito!

7:42 da manhã  
Blogger DrFeelGood said...

Saudades da Engenheira...

AV, é um excelente AH, como refere o Abílio.
Foi lugar tenente do eng.º Dias Alves no projecto dos Mellos da Amadora, foi um dos assessores da eng.ª Isabel Vaz, no projecto do Hospital da Luz.

Que eu saiba, esta nomeação para o HFF EPE é a primeira experiência de AV como figura principal.
O arranque não tem corrido pelo melhor. Sem baixos. Digamos, que tem corrido assim assim.

A entrevista de MV ao TM é essencialmente um lançar de recados à navegação. A anunciar que o líder do HFF está disponível para realizar um trabalho de primeira. Se a cnjuntura de interesses do costume o permitirem.

Sou um dos que torce para que AV seja capaz de levar as coisas a bom porto. A provar que o HFF não é um projecto amaldiçoado.

8:19 da manhã  
Blogger e-pá! said...

Há uns tempos, quando da última mudança do CA dos HUC, perante anunciadas e propaladas mudanças de estilo de administração, escrevi um comentário com a seguinte mensagem (cito de cor): “Acudam aos HUC!”.

A verdade é que ninguém acudiu…

Hoje, temos um Hospital transformado num campo de batalha. linkNa altura, referi que estavam em incubação 16 comissões (!) para estudar a reforma da instituição que, entretanto, deveria transitar do SPA para uma EPE.
Sempre tive receio de uma panela mexida por muita gente. Normalmente, sai desse panelão uma mistela intragável…
Foi, exactamente o que aconteceu nos HUC.
A “reestruturação” fracturou o Hospital em 4 Áreas de Gestão Integrada (AGI), aboliu os Departamentos, destabilizou os Serviços Hospitalares (colocou os Directores de Serviço “em gestão”- expressão de F. Regateiro) e um teceu um calculado “distanciamento” entre o Hospital e a Faculdade.

O resultado:
Demissões em catadupa dos Directores de Departamento, de presidentes de Comissões Hospitalares, acusações recíprocas pelo desentendimento ou, mesmo, ruptura entre Hospital e Faculdade, etc.

O novo coelho sacado da cartola foi, desta vez, as Áreas de Gestão Integrada (AGI).
Será, talvez, o primeiro Hospital português estruturado não em Serviços ou Departamentos Clínicos mas em áreas de gestão integradas "ad hoc". À frente exemplificarei que nada têm a ver com o contexto clínico.
Ou as AGI´s serão um "salto quantitativo", à revelia dos legalmente previstos CRI's?
Ninguém sabe!

A concepção é de tal maneira inédita e extravagante que levou o presidente da Comissão Política Distrital do PSD (pessoa insuspeita de “esquerdismos balofos”) a classificar estas alterações de medidas “economicistas”. Vejam lá ao tempo que chegamos!

Um só exemplo (há alguns já mediatizados como o do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica do Prof. Manuel Antunes) que pela sua expressividade é facilmente inteligível, para não dizer paradigmático. As novas AGI’s separaram a Oncologia da Radioterapia, passando por cima da Comissão Oncológica Hospitalar…

Quem tiver um mínimo de senso, nesta altura, não consegue conter a indignação pela catástrofe que se prevê vir a desabar sobre os doentes.
Haja pejo!

11:22 da manhã  
Blogger SNS -Trave Mestra said...

Ando morto por contar esta história. Vamos ver se passa na censura.

Um rato estava prestes a ser apanhado por um gato quando avistou uma vaca. Aproximou-se e pediu-lhe: depressa, caga-me em cima para ver se despisto o gato, senão ele come-me!
A vaca assim fez, mas não conseguiu tapar a cauda do rato que ficou de fora...

Veio o gato e, vendo a cauda do rato, puxou-o para fora e comeu-o de uma assentada.

Moral da história: Nem todos os que te cagam em cima são teus inimigos. Nem todos os que te tiram da merda são teus amigos. E, quando te meteres na merda, mete-te todo!!

12:51 da tarde  
Blogger Orfeu said...

Confesso que tenho alguma dificuldade em compreender como é que alguém aceita responsabilidades executivas e pouco tempo depois de tomar posse dessas funçoes vem mandar "recados" a quem o nomeou através dos jornais

1:58 da tarde  
Blogger Joaopedro said...

Excelente post.
Talvez a pretexto dos recados políticos, AV acabe por ter oportunidade de refinar o seu apurameto técnico.

6:13 da tarde  
Blogger tambemquero said...

A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) tem, desde hoje, competências mais alargadas, com a atribuição de funções de regulação económica do sector, devendo pronunciar-se sobre o montante das taxas e preços dos cuidados de saúde. linkJP 28.05.09

O desempenho da ERS nunca passou do sofrível.
Como prémio o Estado dá-lhe mais competências.

7:08 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

O Estado que muitos de nós supõem existir, de facto, não existe. Há muito que está tomado por intermediários com "função de agência". Dominam equações imperfeitas e variáveis não controláveis. Por exemplo ERS, APHP, distritais/federações partidárias entre outras...

11:20 da manhã  

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