quarta-feira, agosto 12

A informática do nosso SNS


Sobre o Artigo “Informática como instrumento de manipulação” link

Infelizmente conheço melhor do que ninguém (uma “força de expressão” usada sem segundas intenções) o que se tem passado desde há 30 anos para cá na chamada “informática” do nosso SNS.

Considerando esta notícia publicada no Publico como muitíssimo oportuna, ela foca, no entanto uma parcela quase insignificante da questão mais global da situação crítica e inoperante - e que se tem vindo a degradar de há “anos para anos” – do estado em que se encontra a referida “informática” do nosso SNS.

E que resulta tão somente do facto de – desde há quase 30 anos – não existir no Ministério da Saúde em Portugal (“a” excepção em toda a EU) nenhum organismo independente, com reconhecido know-how e experiência interdisciplinar, não só a nível da sua administração/gestão/desenvolvimento nacional (conhecedores do funcionamento actual e das necessidades de um SNS evolutivo, das disciplinas e regras da Medicina, especialistas com formação certificada nas TICs, Gestores de WEB e de Comunicações, especialistas em Standards e Qualidade na Saúde, economistas de saúde, ….), mas, a nível internacional, com imagem reconhecida pelos seus congéneres dos restantes países da EU, e também pela CE.

- Organismo nacional a quem caberá preparar, em cada 3 anos, um “Plano de Desenvolvimento de Sistemas e das TICS no SNS (xxxx-yyyy) ”.
- Organismo responsável pela apresentação de Relatórios Anuais do exercício e de resultados (sistémicos, administrativos e financeiros – investimentos e economias (ou a sua previsão no tempo e quantificada), com a inclusão do respectivo Diagnóstico de situação – o qual, se tal for necessário, deverá ser complementado com a apresentação de um “plano de contingência” a ser executado no ano seguinte.

Para além das suas competências nacionais, é impensável que os seus responsáveis, a diversos níveis, não mantenham regulares contactos – directos - com a direcção da Unidade de e-Health da CE e com os seus serviços. “Aprendizagem, lobby, e eventual obtenção de co-financiamento da EC para projectos regionais” resultando desses contactos institucionais/pessoais - são mais valias preciosas a serem conquistadas, contribuindo para que Portugal melhore a sua imagem no espaço e no mercado Europeu.
Para além dessas iniciativas em Bruxelas, torna-se “obrigatório” serem criadas as necessárias condições para:
- participação em Consórcios internacionais (EC-Calls, Projectos EU, Estudos, …), e para
- participação (com desejável apresentação de “papers”, ou intervindo como “speakers”) nos principais Congressos e Conferencias de reconhecido prestígio e qualidade internacional, relacionados com eHealth, Standards, HIT Management ou outras áreas relevantes para o regular e pró-activo exercício de funções nesse Organismo nacional (estes Eventos realizam-se anualmente, e têm grande importância para objectivos ligados não só à “formação/actualização”, e à formação de “lobby” a nível internacional, mas permitem também o surgimento de decisões no local - orientadas para “business” e pré-preparatórias de novos Consórcios internacionais a serem criados posteriormente).

Uma actividade indispensável também ao bom funcionamento e ao cumprimento das responsabilidades desse “Organismo nacional” perante os utilizadores do SNS (médicos, doentes, gestores hospitalares) será, sem dúvida a criação de uma política de “formação contínua” dos seus quadros e dos funcionários em geral.

Portanto, acabei de descrever o “fundo da questão” relacionada com a notícia do Público.
Que podia ter sido resolvida, e bem, desde há cerca de 30 anos para cá (à época, 1979, a OCDE manifestou o seu apreço pela estratégia do Plano/programa em curso no SIS - um instituto com autonomia financeira e administrativa criado em 1977 - projecto que considerou como inovador e “piloto” na Europa (onde, como responsável do SIS e a convite da OCDE, eu mesma pude realizar várias apresentações do “Plano Director” em curso, ao mais alto nível e em diferentes Países onde a “Informática da Saúde” dava os seus primeiros passos.

O desperdício causado pela eliminação desse “Organismo-piloto” é irreversível, e não-quantificável, acabando por, indirectamente ter um efeito terrivelmente negativo: provocou um prolongado “arrastamento de situações penosas para o País” até ao presente momento - tendo à cabeça o próprio desgaste provocado (a vários níveis) no próprio SNS.
De facto, o surgimento em 1982 da era “pós-SIS”, deu origem ao início de sucessivas e diversas fases de grande instabilidade funcional, que se mantiveram praticamente até à data da extinção total do novo “organismo que foi então criado” – o IGIF.
Durante esse longo período de mais de 25 anos, o desinteresse ignorante, a par de uma progressiva acumulação de falta de “competência/expertise” passou a ser apanágio deste sector. Isto a par da instalação duradoira de uma política de “in-cultura” tecnológica - quer dos responsáveis quer dos seus operacionais. Finalmente, esta situação acaba por ser gravemente afectada pela ausência de qualquer política nacional de coordenação das TICs – o que tem levado a que se assista a:
- uma evidente proliferação de soluções fragmentadas (e não certificadas), instaladas caso-a-caso, e que todos conhecemos.
- à ausência de aplicação de Standards comuns (a nível Europeu) nos sistemas instalados, e que também acabam por não são passíveis de um controlo de qualidade sistemático (o que, conjuntamente com a certificação do Sistema, se torna imperativo para qualquer concurso obrigatoriamente internacional,).
- ao facto das tecnologias avançadas não terem podido ser tomadas como “paradigma” de novas formas de trabalho, e consequentemente, não ter sido possível contribuir-se de forma positiva para as necessárias políticas de manutenção-upgrade do SNS (isto é, evitando-se assim as actuais políticas de funcionamento “estacionário” no tempo, e permitindo através das aplicações avançadas das TICs , obterem-se enormes melhorias a nível nacional, não estando afastadas as de cariz económico) .

- instalações de sistemas “pontuais”, isolados, não permitindo – p. ex. num mesmo hospital - a sua integração/interacção com outros sistemas já instalados anteriormente, e em permanente funcionamento nos serviços desse hospital

- aumento constante de vultuosos gastos/não-investimentos/ prejuizos financeiros, que tais situações comportam (incluindo, p.ex., as exorbitantes despesas feitas com os – até agora indispensáveis - transportes de doentes envolvendo terceiros, e que cobrem todo o território nacional).
Gastos que também se reflectem em “más práticas” da utilização do escasso Orçamento da Saúde - limitando portanto uma sua melhor aplicação pelo Ministério: melhoria dos serviços, equipamentos, e da gestão dos RH, que teria forçosamente um impacto positivo na qualidade da prestação dos cuidados de saúde aos pacientes.

A profusão e confusão criada por esta verdadeira “manta de retalhos” - onde “dorme” o nosso SNS, imperturbável - tendencialmente irá agravar-se ainda mais.
Coser “remendos” é puro desperdício – de inteligência mal aplicada, de tempo e de dinheiro – sem nenhum benefício nem para o País (todos nós, cidadãos), nem sequer para o cabal funcionamento do Ministério da Saúde.

[Á semelhança do que já acontece em muitos países da EU (NL, DE, UK, FR,….) a “coabitação” no OGE da Saúde de dinheiros públicos e privados, virá talvez a ser, dentro de alguns anos, uma boa “oportunidade” para o SNS melhorar a sua prestação no terreno – mas servirá sem dúvida, e sobretudo, para passar a responsabilizar os actores num terreno que beneficiará nessa altura dum novo tipo de “coesão” ]

O estranho é que, apesar de estarmos perante um cenário que, lentamente mas progressivamente, se tem vindo a “afundar” no fosso de uma orquestra que já lá não está, nada parece demover (melhor, influenciar) as pessoas responsáveis por este estado de coisas.
Nem o mais pequeno “gesto” é feito!

Uma nova política para as TICs, que espero, possa finalmente vir a surgir no futuro (?), irá ser concretizada necessariamente através de um novo Organismo, que, para além de assumir novos tipos de responsabilidades, infelizmente irá confrontar-se com este estado de coisas (associado quer simplesmente a “deficiências culturais”, quer a mentalidades fechadas à inovação e progresso que acrescentarão dificuldades ao trabalho de fundo que terá de ser feito).

Isto é, obviamente que esses novos responsáveis pelas TICs no SNS, terão à sua frente (e nos 3 anos seguintes aos da sua entrada nesse Organismo) um trabalho gigantesco, revestido de grande complexidade, de modo a poderem vir a “transformar” e racionalizar:
a) quer as más-rotinas de funcionamento instaladas,
b) quer o verdadeiro sub-mundo das centenas de “pequenos sistemas“ instalados (e os interesses “satélites” que lhes estão associados – interna e externamente)

Todo este trabalho ciclópico, terá de ser feito em paralelo com o da necessária /temporária manutenção do actual “status.quo”.

E, “last but not least”, também lhes competirá avançar no terreno numa área quiçá mais sensível, ou mesmo difícil: terão de dar início à gigantesca, grande revolução das mentalidades. Mas, também terão de avançar com a necessária preparação/formação/requalificação de praticamente todas as profissões das pessoas que estejam envolvidas neste cenário - no actual, e/ou na preparação do futuro.

A quem vier a caber todo este grande e enaltecedor trabalho de mudança, desejo “coragem” para enfrentarem este “gigante do Adamastor”, lucidez (se possível “diplomática”) para a análise dos problemas e das “negociações” desgastantes do dia-a-dia, perseverança nos objectivos traçados, e, …. sem sombra de dúvida que irão também precisar de “boa sorte” !
Claro que seguem também os meus melhores votos de “grande sucesso” para os resultados que vierem a ser atingidos!

Maria Laires
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(Fundadora e ex-presidente do SIS – 1977) (Fundadora da APIM- Assoc. Portuguesa de Informática Médica - 1980) (Fundadora da ADT –Assoc para o Desenvolvimento da Telemedicina – 1997)

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2 Comments:

Blogger Tavisto said...

Uma pessoa lê o artigo opinião de Maria Laires e indigna-se. Nós que fomos pioneiros na área da tecnologia de informação em saúde nos anos 70, por irresponsabilidade governativa deitámos tudo a perder e temos hoje uma manta de retalhos informática dispendiosa e pouco operativa. Tal como a Sísifo, os deuses parecem ter-nos condenado a ter de refazer sempre o mesmo trabalho.

8:54 da manhã  
Blogger DrFeelGood said...

Excelente post da ML.

O sector da informação da Saúde é paradigmático em relação à nossa capacidade de organização e de esbanjamento de recursos.
No ano em que o SNS comemora 30 anos de existência continuamos aos papéis.
O expurgo do RNU, só estará concluído em finais de 2010 e
o RSE só para 2012.
Mas com eleições pelo meio não há a garantia de nada.
Continuamos sem dados fiáveis sobre coisas elementares como o número de doentes sem médico de família.
Com limitações destas como podemos ambicionar a ser um país com uma economia desenvolvida.

9:52 da manhã  

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