terça-feira, novembro 24

Fim de ciclo


A degradação da vida política parece não conhecer limites.
Depois de ter desaproveitado a oportunidade estratégica de uma maioria absoluta para concretizar as reformas estruturais e de relançar o país o PS iniciou um penoso percurso de autofagia política. Nada tendo aprendido com a derrota nas Europeias nem com a relatividade da vitória nas legislativas o governo afunilou-se num espectro de penumbra perdendo o contacto com a realidade social e política. Os erros do passado são agora, humilhantemente, corrigidos pelos diferentes partidos da posição levando, nalguns casos, a exercícios acrobáticos desprestigiantes como aquele que ocorreu a propósito da revogação das taxas moderadoras. Numa tentativa extrema de controlar o incontrolável abdicou-se da política substantiva em favor da política das aparências. O esticar de tal modelo já levou ao extremo de vermos a Ministra do Trabalho afirmar-se surpreendida pelo desastre dos números relativos ao desemprego do país que, supostamente, governa.
Não será por isso de estranhar que possamos vir a assistir a uma surpresa semelhante quando esmiuçados que forem os dois orçamentos rectificativos de 2009 se ficar a conhecer o real contributo do sector da saúde.
É evidente para todos que até ao próximo ciclo eleitoral, provável em 2011, a navegação será à vista com iniludíveis consequências sobre o futuro do serviço nacional de saúde. A direita e os grupos económicos já há muito perceberam que não têm motivo para qualquer tipo de preocupação. O risco de uma reforma regeneradora do SNS há muito que deixou de existir e nem sequer constitui fulcro de preocupação do actual poder perdido que está na obsessão de não fazer ondas nem melindrar interesses corporativos. O exemplo da pirueta praticada com a avaliação dos professores põe a nu a dura realidade da ligeireza com que a política de plástico desautoriza o Estado e subverte o interesse público.
Pepe

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3 Comments:

Blogger Unknown said...

De facto, é de estar com atenção ao real contributo do sector da saúde. Aparentemente, depois de um período em que se verificou uma melhoria nas "contas" da saúde, assiste-se agora a uma derrapagem, quanto a mim só explicável pela negligência/displicencia de diversos responsáveis (desde o MS até às ARS e Administrações de Hospitais).Umas auditorias a diversos desses organismos seriam bem vindas.

8:34 da manhã  
Blogger Economico said...

Tenho para mim, e desde há muitos anos, que a despesa em saúde é das melhores formas de redistribuição dos rendimentos gerados pela Economia. A existência de um Serviço Nacional de Saúde, seja ele baseado no modelo de Beveridge ou de Bismarck, é uma das melhores formas da totalidade da Economia contribuir para a melhoria das condições de vida da população em geral.
Aponto duas principais razões: A primeira está relacionada com a qualidade e quantidade de anos de vida activa da população; A segunda relaciona-se com a distribuição equitativa dos recursos em saúde por todos, independentemente dos seus rendimentos ou estatuto social.
Estes são os princípios básicos nos quais acredito, independentemente de aceitar discutir, a qualquer altura, o modelo que melhor se adequa a persecução dos objectivos de um sistema de saúde universal e gratuito na altura da prestação.
No entanto, discordo do comportamento despesista de alguns elementos activos no sistema de saúde português. Não será a primeira vez, nem queira a sorte ou Deus ou no que quiserem acreditar, a última que me refiro aos recursos humanos como o principal recurso do sistema. É o recurso que mais devemos estimar e é também aquele que mais se despreza, mais se esbanja e que menos cuidado existe na sua análise.
Quantas vezes não é a segunda escolha melhor que a primeira? Em quantos casos não é melhor contratar mais horas ou mais profissionais de saúde do que comprar o último grito da moda em Imagem Médica? Quantas vezes não é melhor reduzir o tamanho da enfermaria do Sr. Prof. ou do génio dos transplantes em Portugal e no Mundo, para colocar doentes de especialidades “nada interessantes” como Ortopedia, Urologia ou Medicina Interna?
Eu sei que este é o discurso do Gestor, do mau-da-fita, daquele que não compreende que um doente é um caso único e importante, mas mesmo se assim se pensar a que reflectir que a doente com indicação para uma cirurgia de rotina, não-urgente e programada, também contribuiu para o sistema de saúde que temos e também merece ser tratada, apesar da sua condição ser mais complexa que severa.
Apesar do exposto, volto a afirmar que considero a despesa em saúde, um dos melhores investimentos públicos que se pode efectuar, só comparável com o Ensino.
Um hospital distrital além de um bem inestimável para a saúde das populações que serve, é um local de trabalho para centenas de pessoas (desde profissionais muito habilitados até pessoas com menor nível de habilitações), é um pólo de desenvolvimento regional no sentido em que pode promover a subsistência de fornecedores regionais e é um local de atracção para populações de outras regiões. Por estas e outras razões um hospital é sempre bem-vindo a uma cidade qualquer e a sua localização é sempre muito disputada.
Por isso afirmo, de forma figurada claro, atirem-se pela borda fora os maus gestores e premeiem-se os bons gestores, mas com base na sua boa utilização dos recursos disponíveis e não na sua maior ou menor participação na fraude para a saúde pública que é o gastar menos, ou o inaugurar mais, ou o mostrar o último grito da tecnologia médica que irá ficar parado durante meses.

12:59 da tarde  
Blogger High Quality said...

Excelente comentário do Económico.

Deixo duas notas pequenas para sua reflexão.

Há quem defenda que a redistribuição dos rendimentos se faz melhor pela via dos impostos, considerando que a produção pode beneficiar não os que mais precisa mas os que estão mais próximos, têm mais informação ou as relações certas. Pode ainda acontecer que a produção seja ineficiente- por ex., ficaria mais barato se o beneficiário de redução de impostos ou de subvenção a usasse onde é mais eficiente- ou ineficaz ou inadequada às necessidades. Penso que no caso da saúde o Económico tem razão, sobretudo se as taxas moderadoras funcionarem e se ao SNS não for permitido funcionar com muito desperdício e inapropriação.

Os casos e doentes de especialidades "nada interessantes" têm muito interesse (e importância.).. Trata-se de haver prioridades no SNS (orientações) e de afectar os recursos em conformidade. Usa-se por um lado o sistema de financiamento e um sistema de incentivos para reforçar aquelas orientações e, por outro, mecanismos de avaliação da qualidade e da utilização para balizar o funcionamento ... Claro que a alta tecnologia é importante só que o uso de recursos escassos na prevenção, em cuidados de proximidade ou de menor intensidade produz muitas vezes maior utilidade social. Pode é não ter tanta relavância mediática e isso conta muito para muita gente, lá isso conta...

11:50 da tarde  

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