PPB, entrevista
foto revista GH
É certo que a qualidade do entrevistado conta e muito neste trabalho escorreito da Andreia Vieira que dá gosto ler : link
.../ GDH e incentivos
Tempo de Medicina (TM) — Um dos projectos em que está a trabalhar relaciona-se com a reclassificação de doentes em resposta aos incentivos financeiros associados com os pagamentos por GDH. Um incentivo financeiro pode, de facto, levar a uma alteração da classificação atribuída previamente a um doente?
Pedro Pita Barros (PPB) — Pode. Quando os GDH foram introduzidos nos EUA há muitos anos criaram esse efeito de classificação que tem vindo a ser comentado. Acontece quando há dois GDH que estão muito próximos, por exemplo, pneumonias com complicações e pneumonias sem complicações. Se eu mexo nos incentivos financeiros e digo que duplico o preço que pago o GDH com complicações e mantenho constante o GDH sem complicações, a tentação que há é fazer a mudança. No nosso caso tem sido um pouco diferente porque desde a adopção dos GDH, na década de 80, a relação deles com o financiamento tem sido ténue. Sempre tivemos orçamentos globais, mas agora com os contratos-programa começa a haver uma aproximação a esta ideia de que aquilo que o hospital fizer reflecte-se de alguma forma no pagamento. Se o aumento do grau de complexidade dos actos do hospital levar a aumentar o preço dos casos mais complicados, então pode ter algum efeito, levando-os a fazerem essa classificação. Mas eu não acredito que seja uma situação em que o médico tenha um administrador ao lado a ver como são classificados os casos. Não funciona assim. Pode haver um ambiente geral de «em caso de dúvida, então faça-se assim». Porque é que isto sendo tão óbvio não é um problema que se diz que internamente se tem de trabalhar? Porque a partir do momento em que o orçamento passa a depender desses valores também é verdade que o hospital passa a ter cuidado com a forma como codifica. E às vezes o fazer bem pode implicar que se opte pelo GDH mais barato, porque assim ninguém chateia e se faltar dinheiro ele há-de vir de algum lado. Por isso, pode haver aqui dois efeitos.
Se se juntar isto ao facto de a população estar a envelhecer, então, pode ser mais complicado. Estão a aparecer patologias mais complicadas e existem efeitos naturais que podem levar a aumentar os casos complicados.
«TM» — A propósito do Programa de Intervenção em Oftalmologia (PIO), António Travassos chegou mesmo a alertar para o facto de haver muita gente que estaria a ser operada sem necessidade. Corre-se esse risco, não é?
PPB — Sim, e com esses programas especiais ainda mais. Porque a existência desses programas especiais depende de um volume suficientemente grande de casos que o justifique. Daí claramente a tentação de passar a incluir pessoas que noutras situações não o seriam. Esses programas têm sempre esses riscos perversos. Inclusive, pode constituir um incentivo de passar a pôr gente em lista de espera que ainda não precisa. Não precisa mas um dia vai precisar. Portanto, fica já em lista de espera para depois voltar a haver um programa especial de recuperação das listas de espera. E isso são coisas perigosas.
«TM» — E como evitar que isso aconteça?
PPB — A única maneira de o fazer é alterando a filosofia. Em vez de tentar resolver o problema das listas de espera atirando dinheiro para cima das listas de espera, o melhor é fazer como estava a ser feito com o SIGIC, que é organizar melhor e fazer passar as pessoas que estão a mais num lado para o sítio onde haja capacidade para as tratar. Acho que o argumento para criar o PIO foi simplesmente um argumento político, por ter havido dois ou três casos de alta visibilidade de autarcas que fizeram pressão pública levando as pessoas a algum lado. E isso criou pressão política para fazer a alteração. Porque não há nada que me diga que a capacidade instalada de oftalmologistas não conseguia resolver a lista de espera. Se há uma situação que não se consegue resolver e está a ficar em lista de espera, é porque a eficiência de um funcionamento regular não está a ocorrer. E tem é de se perceber porque é que não está.
«TM» — Recentemente, foi lançado o Programa de Tratamento Cirúrgico da Obesidade. Acha que a sua criação pode ter sido também por motivos políticos?
PPB — Todas essas decisões têm uma grande componente política. Mas eu, como economista e tendo em conta aquilo que li, não consigo saber se a obesidade é um dos problemas mais sérios do País para resolver com programa especial. Agora se o Ministério acha que deve fazê-lo por qualquer outra razão… é para isso que eles lá estão a decidir. Mas há que pensar se o que é gasto nesse programa não seria mais bem utilizado noutras aplicações. É desta forma que temos de pensar e isso não foi dito. ,,,/
Andreia Vieira, TM 15.02.10
.../ GDH e incentivos
Tempo de Medicina (TM) — Um dos projectos em que está a trabalhar relaciona-se com a reclassificação de doentes em resposta aos incentivos financeiros associados com os pagamentos por GDH. Um incentivo financeiro pode, de facto, levar a uma alteração da classificação atribuída previamente a um doente?
Pedro Pita Barros (PPB) — Pode. Quando os GDH foram introduzidos nos EUA há muitos anos criaram esse efeito de classificação que tem vindo a ser comentado. Acontece quando há dois GDH que estão muito próximos, por exemplo, pneumonias com complicações e pneumonias sem complicações. Se eu mexo nos incentivos financeiros e digo que duplico o preço que pago o GDH com complicações e mantenho constante o GDH sem complicações, a tentação que há é fazer a mudança. No nosso caso tem sido um pouco diferente porque desde a adopção dos GDH, na década de 80, a relação deles com o financiamento tem sido ténue. Sempre tivemos orçamentos globais, mas agora com os contratos-programa começa a haver uma aproximação a esta ideia de que aquilo que o hospital fizer reflecte-se de alguma forma no pagamento. Se o aumento do grau de complexidade dos actos do hospital levar a aumentar o preço dos casos mais complicados, então pode ter algum efeito, levando-os a fazerem essa classificação. Mas eu não acredito que seja uma situação em que o médico tenha um administrador ao lado a ver como são classificados os casos. Não funciona assim. Pode haver um ambiente geral de «em caso de dúvida, então faça-se assim». Porque é que isto sendo tão óbvio não é um problema que se diz que internamente se tem de trabalhar? Porque a partir do momento em que o orçamento passa a depender desses valores também é verdade que o hospital passa a ter cuidado com a forma como codifica. E às vezes o fazer bem pode implicar que se opte pelo GDH mais barato, porque assim ninguém chateia e se faltar dinheiro ele há-de vir de algum lado. Por isso, pode haver aqui dois efeitos.
Se se juntar isto ao facto de a população estar a envelhecer, então, pode ser mais complicado. Estão a aparecer patologias mais complicadas e existem efeitos naturais que podem levar a aumentar os casos complicados.
«TM» — A propósito do Programa de Intervenção em Oftalmologia (PIO), António Travassos chegou mesmo a alertar para o facto de haver muita gente que estaria a ser operada sem necessidade. Corre-se esse risco, não é?
PPB — Sim, e com esses programas especiais ainda mais. Porque a existência desses programas especiais depende de um volume suficientemente grande de casos que o justifique. Daí claramente a tentação de passar a incluir pessoas que noutras situações não o seriam. Esses programas têm sempre esses riscos perversos. Inclusive, pode constituir um incentivo de passar a pôr gente em lista de espera que ainda não precisa. Não precisa mas um dia vai precisar. Portanto, fica já em lista de espera para depois voltar a haver um programa especial de recuperação das listas de espera. E isso são coisas perigosas.
«TM» — E como evitar que isso aconteça?
PPB — A única maneira de o fazer é alterando a filosofia. Em vez de tentar resolver o problema das listas de espera atirando dinheiro para cima das listas de espera, o melhor é fazer como estava a ser feito com o SIGIC, que é organizar melhor e fazer passar as pessoas que estão a mais num lado para o sítio onde haja capacidade para as tratar. Acho que o argumento para criar o PIO foi simplesmente um argumento político, por ter havido dois ou três casos de alta visibilidade de autarcas que fizeram pressão pública levando as pessoas a algum lado. E isso criou pressão política para fazer a alteração. Porque não há nada que me diga que a capacidade instalada de oftalmologistas não conseguia resolver a lista de espera. Se há uma situação que não se consegue resolver e está a ficar em lista de espera, é porque a eficiência de um funcionamento regular não está a ocorrer. E tem é de se perceber porque é que não está.
«TM» — Recentemente, foi lançado o Programa de Tratamento Cirúrgico da Obesidade. Acha que a sua criação pode ter sido também por motivos políticos?
PPB — Todas essas decisões têm uma grande componente política. Mas eu, como economista e tendo em conta aquilo que li, não consigo saber se a obesidade é um dos problemas mais sérios do País para resolver com programa especial. Agora se o Ministério acha que deve fazê-lo por qualquer outra razão… é para isso que eles lá estão a decidir. Mas há que pensar se o que é gasto nesse programa não seria mais bem utilizado noutras aplicações. É desta forma que temos de pensar e isso não foi dito. ,,,/
Andreia Vieira, TM 15.02.10
Etiquetas: Entrevistas, PPB
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