domingo, março 28

Aprender com os Americanos

É verdade que ainda ficaram quinze milhões sem qualquer cobertura médica. É verdade que a saúde, nos Estados Unidos, continua a ser, antes de mais, um negócio para as seguradoras e não um direito. Mas o passo que se deu foi de gigante, depois de um século de tentativas, o debate deixou de ser se o Estado deve ou não estar presente no sistema de saúde. Passou a ser como deve fazê-lo.

Lá, os argumentos que condenam à morte milhares de pessoas por falta de apoio médico são a liberdade de escolha e a defesa de menos Estado. Por cá, ainda esta semana o líder do PSD explicou ao Público as vantagens da presença dos privados no sector e do fim da gratuitidade do SNS. Pelas mesmas razões.

Os números não enganam. Cada americano gasta 7.290 dólares em saúde por ano. Em Portugal gastam 2.150. A esperança de vida em Portugal é superior à dos EUA e os Estados Unidos estão vários lugares acima no ranking da mortalidade infantil. E esta relação mantém-se em todos os países desenvolvidos que têm um sistema público e universal: gastam muito menos para conseguir mais.

Serve este momento histórico na vida política dos EUA para tirarmos algumas conclusões caseiras. Que demora muito mais tempo a conquistar um direito do que a perdê-lo. O que temos é precioso. Se cedermos dificilmente voltaremos ao lugar onde estamos agora. Que a conversa da vantagem da privatização das funções sociais do Estado é isso mesmo: conversa e ideologia sem qualquer base factual. E que a suposta ´liberdade de escolha´, como se prova pela experiência americana, é sempre socialmente selectiva. Na Saúde, ela é paga com vidas. Na educação, com o futuro. No resto, com a justiça e a igualdade.

Daniel Oliveira, semanário expresso 27.03.10

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2 Comments:

Blogger Tavisto said...

Em matéria de Saúde os EUA e Portugal fazem trajectórias opostas. Obama, afrontando os interesses instalados em torno de um sistema de saúde mercantil dominado por seguradoras, luta para construir um modelo com cobertura universal. Por cá, políticas de saúde erráticas e oportunistas, cedem e permitem que interesses mercantis se instalem procurando substituir-se ao Estado, pondo assim em causa a equidade, universalidade e a qualidade do SNS.
Convém recordar que foi em torno de uma proclamada liberdade de escolha do cidadão que a Direita (lato senso) procurou impedir a aprovação da lei que estatuiu o SNS. Hoje, também, é em torno desse mesmo conceito que os grupos económicos procuram substituir o SNS por um modelo concorrencial assente na convenção, reservando ao Estado o papel de mero financiador. Avocam, naturalmente, ao Estado o papel central na regulação do sistema, sem se preocuparem em saber se tem estruturas com capacidade para o fazer e escamoteando o fracasso recente da regulação na esfera financeira responsável pela actual crise económica mundial.
Aprendamos pois com os Americanos

12:07 da manhã  
Blogger tambemquero said...

Respigando algumas pérolas do Passos Coelho:

- "gastos com a saúde como uma componente da despesa social": São despesas é para reduzir, se fosse investimento nas pessoas. era diferente.

- "transferência dos custos da saúde para os utentes": É para quem puder e ...mais nada. Qual taxas de 5 euros de internamento, qual quê...

- "os cidadãos devem ser beneficiados com desagravamentos fiscais": Os pobres que já não pagam IRS, descontam onde?

- "processo e calendário que envolve a materialização da liberdade de escolha": Doentes sabem o que precisam, de quê, quando, onde, por quem, como...

- "escolha criteriosa "das unidades de saúde pública destinadas à concessão de gestão privada": Os amigos que estão nos hospitais privados ou nas misericórdias oferecem mais confiança, claro....

Simplesmente Constança

9:33 da manhã  

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