sábado, julho 24

Organização Interna dos Hospitais

HUC
O Relatório do Grupo Técnico para a Reforma da Organização Interna dos Hospitais link, ora em discussão pública, não contém propostas novas ou desconhecidas entre os profissionais da área da Saúde e dá maior ênfase a questões de governação clínica em ambiente da pretendida maior autonomia organizacional que deveria ter resultado da designada empresarialização dos hospitais.

Em minha opinião, adoptar técnicas empresariais é diferente de um hospital público ser transformado numa empresa. A administração duma empresa institui um conjunto de normas padrão ou standards que especificam critérios técnicos, métodos, processos e práticas para condicionar a produção, cujas eventuais alterações só devem acontecer com autorização prévia da mesma administração. Num hospital público é diferente por uma razão essencial - é indispensável que a própria administração garanta a autonomia técnica da primeira linha de produção constituída pela prestação de cuidados.

Não deve haver standards na prestação de cuidados. Pode e deve haver protocolos clínicos orientadores nos tratamentos de cada patologia, conformes ao estado da arte médica e aceites inter-pares, mas, em bom princípio da qualidade de cuidados, não há doenças, há doentes. Os meios de diagnóstico e tratamento devem ser os adequados ao estado evolutivo de cada doente, com a possibilidade de serem alterados em qualquer momento pelos clínicos responsáveis.

O relatório é omisso quanto à criação de condições remuneratórias e outras para atrair voluntariamente os médicos a actividade exclusiva no sector público. Sejamos claros - um médico a trabalhar no sector público e no privado, ao praticar um acto no sector público e ao reconhecer que esse mesmo acto praticado no sector privado lhe pode render muito mais, é evidente que está a ser incentivado a praticá--lo no privado.
Esta situação desrespeita um dos princípios básicos da independência concorrencial entre a oferta e a procura, porque o médico actua nas duas posições - do lado da oferta, prestando o serviço, e do lado da procura enquanto agente do doente, o qual, por não dispor de conhecimento para a tomada de decisões, consumirá os serviços de acordo com o aconselhado pelo médico. Além disso, o efeito da oferta privada induzir a procura é reforçado pela existência de uma terceira parte envolvida, o Estado, que vai pagar a despesa, o que igualmente também não motiva o doente e o médico a moderarem o consumo.

Nesta nota breve, quero fazer sobressair uma recomendação do Relatório - dever "ser analisada, por grupo independente com know- -how específico, a questão do modelo (constituição, forma de recrutamento, etc.) dos Conselhos de Administração dos Hospitais EPE", para evitar conflitos de interesses. Também acho.

Santos Cardoso, DN 19/07/2010

Nenhum servo, pode servir a dois Senhores, porque, ou odiará a um e amará ao outro, ou se afeiçoará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir, ao mesmo tempo, a Deus e a Mamon." São Lucas, Cap., V. 13.

Como realça Santos Cardoso, o relatório sobre a reforma hospitalar não aborda uma questão fundamental para o sucesso de qualquer programa de mudança do paradigma do Hospital Público: A necessidade de, uma vez por todas, clarificar a relação contratual do prestador médico, pedra de toque de qualquer sistema de saúde, na dupla qualidade de prestador público e privado, obstando a situações de conflito de interesse.
Acreditar que este “aleijão” que há longos anos tolhe o SNS e que se tem vindo a agravar com a entrada dos grupos económicos na saúde, pode ser resolvido através da acção inspectiva da Entidade Reguladora é pura ilusão.
Como bem diz o articulista, sem a criação de condições remuneratórias que permitam o trabalho em exclusividade no sector público qualquer reforma, por melhor que seja o recorte técnico do articulado, está condenada ao fracasso.

Tavisto

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6 Comments:

Blogger DrFeelGood said...

O projecto de revisão constitucional do PSD revela um tal radicalismo ideológico em matéria económica e social e um uma tal desorientação e oportunismo em matéria de organização política, que só uma grosseira leviandade partidária pode justificar.
É evidente que o PSD está em processo de metamorfose político-ideiológica. Mas só uma enorme dose de imaturidade política da nova liderança pode explicar tanta incontinência e arrogância em matéria de revisão constitucional. Para proclamar a sua mudança de identidade política, um partido não precisa de transportar para a Cosntituição do País nem o seu programa nem a sua ideologia.
vital moreira, causa nossa 20.07.10

10:30 da tarde  
Blogger e-pá! said...

..."Num hospital público é diferente por uma razão essencial - é indispensável que a própria administração garanta a autonomia técnica da primeira linha de produção constituída pela prestação de cuidados."...

Julgo ver aqui um assomo do desenvolvimento de CRI's a par do ultra mencionado - raramente efectivado - conceito de governação clínica.

Estas medidas vão, indubitavelmente, aumentar a eficiência dos serviços hospitalares e, em conjugação com outras [registo e prescrição electrónicas, p. exº.], permitir um controlo da qualidade dos cuidados.

Mas, sem qualquer laivo economicista, apenas por previsão orçamental, qual o impacto destas medidas na produção e na despesa?

Será necessário equacionar o rebate das mudanças sugeridas para, posteriormente, não surgirem surpresas...

11:03 da manhã  
Blogger tambemquero said...

Profissionais apoiam reforma dos hospitais mas mostram receios

«As instituições não são todas iguais»

Embora rendidos à qualidade e pertinência do relatório elaborado pelo Grupo Técnico para a Reforma da Organização Interna dos Hospitais, os profissionais ouvidos pelo «TM» chamam a atenção para o facto de as instituições não serem todas iguais, logo, o modelo não poderá ser aplicado de forma homogénea.
Aquilo que é considerado uma das principais vantagens da aplicação prática das sugestões do Grupo Técnico para a Reforma da Organização Interna dos Hospitais é também visto como um dos eventuais constrangimentos. Ou seja, se, por um lado, os profissionais apontam como factor muito positivo a possibilidade de passarem a ser tidas em conta as reais necessidades das populações servidas por cada hospital, ao mesmo tempo receiam que a reorganização das instituições seja feita sem atender às especificidades próprias de cada uma. Isso mesmo é realçado pelo médico Nuno Morujão, segundo o qual «não é correcto considerar as instituições como homogéneas, não sendo portanto acertado utilizar um modelo universal na sua estrutura organizativa». Por este motivo, o antigo presidente do conselho de administração da Unidade Local de Saúde de Matosinhos entende que «cada instituição deverá organizar-se da forma que for comprovadamente mais eficaz para melhor adequação da organização dos serviços às necessidades assistenciais dos doentes, com consequente melhoria da efectividade dos cuidados e com maior racionalidade na identificação e utilização dos recursos humanos e materiais necessários».
A mesma opinião foi avançada ao «Tempo Medicina» por Jorge Espírito Santo, oncologista do Hospital de Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro, que deixou bem claro: «As instituições não são todas iguais.» Para o médico, é importante ter em consideração não só a dimensão ou a diferenciação do hospital em causa, «mas também a perspectiva da procura que vai haver, as necessidades que têm de ser servidas».

Profissionais desmotivados

Segundo Nuno Morujão, «é hoje evidente que um modelo de organização não é algo de absoluto e universal», ainda que «nos últimos tempos» se tenha assistido «à transposição de soluções ou modelos organizacionais adoptados por algumas instituições, para outras com características diversas, como se estas obedecessem à mesma lógica de necessidades em termos de gestão e de organização na prestação de cuidados e também como se a cultura organizacional de todas elas fosse equivalente». O médico constata que «aquilo que funcionou numas instituições foi prejudicial noutras, acarretando, inclusive, desmotivação dos profissionais e degradação do desempenho das instituições, tanto do ponto de vista assistencial como do ponto de vista económico-financeiro».
A desmotivação dos profissionais é, aliás, um dos tópicos apontados para a eventual dificuldade que possa vir a registar-se na reforma dos hospitais. Isso mesmo é sublinhado pelo anestesiologista Rui Guimarães, que nota o «pico de grande desmotivação» entre os colegas. O médico explica que o facto de coexistirem «num País tão pequeno» modelos de organização tão diversos não ajuda, sobretudo porque muitas vezes as mudanças são introduzidas «sem nunca se ter chegado a conclusões, sem se ter medido nada». Ora, «os profissionais estão cansados de serem quase experiências de laboratório», desabafa.
Também Jorge Espírito Santo receia que a reorganização seja comprometida pelo estado de espírito dominante: «A questão é saber se os profissionais, após tanto tempo de desencanto e frustração, têm capacidade para acreditar que esta vai ser uma mudança a sério, ou seja, se vai mesmo mudar alguma coisa.»

Tempo Medicina 26.07.10

11:40 da tarde  
Blogger tambemquero said...

...
Liderança necessária

Um dos aspectos mais enaltecidos por Rui Guimarães em relação ao documento apresentado na semana passada (edição de 19/07/10) é a tónica colocada na liderança, bem como o necessário envolvimento «das pessoas». O especialista reconhece que «é preciso dotar os profissionais de capacidade de liderança», de preferência «despidos de factores ideológicos». Ainda assim, lembra que «há muita gente com aptidão para a liderança mas que não é aproveitada».
Já para Nuno Morujão, «a obtenção de uma liderança clara, inequívoca, sustentada no alinhamento do pensamento estratégico das pessoas que integram os órgãos de gestão intermédios e de topo» é uma das «maiores dificuldades» que poderá vir a ser sentida. Pelo contrário, «estes órgãos são frequentemente um somatório de pessoas individuais, sem um verdadeiro alinhamento do pensamento estratégico, e não um órgão colectivo com tudo o que isso implica». O clínico frisa mesmo que «não se gerem pessoas, lideram-se», sendo que «para isso são determinantes o carácter e o exemplo de desempenho daqueles que integram os órgãos de gestão».

Mais autonomia

Jorge Espírito Santo vê como um «salto qualitativo importante» a «transformação dos hospitais em organizações com vários núcleos de decisão intermédia». Todavia, adverte para a necessidade de se pressupor que «a própria organização vai ser mais autónoma e responsável e, por outro lado, que se faça um muito bom planeamento para se perceber até que ponto essa organização pode ir em termos de prestação de cuidados». O oncologista é peremptório: «Se este processo avançar sem que a montante a filosofia mude, sem que se reforce a capacidade de governação clínica, sem que se atribua uma verdadeira autonomia com responsabilidade e com exigência de avaliação de resultados, a reforma dificilmente poderá ser implementada no terreno.»

Tempo Medicina 26.07.10

11:42 da tarde  
Blogger Unknown said...

" A ausência de sistemas de informação capazes de produzir dados e indicadores consistentes e fiáveis(…) persiste como uma das limitações mais significativas, simultaneamente à boa prática clínica e à gestão, impedindo definitivamente a adopção de estratégias de decisão baseadas na evidência, comprometendo qualquer tentativa séria de avaliação e cerceando o desenvolvimento de processos de auditoria e controlo de qualidade.

(…)
A reforçada autonomia da instituição hospitalar (…)terá que basear-se no cumprimento de objectivos e “standards” criteriosamente estabelecidos e avaliados por órgãos autónomos de regulação estratégica"

Extraído de: http://www.governo.gov.pt/pt/GC18/Documentos/MS/Rel_Organizacao_Governacao_Hospitais.pdf



Como é que estas duas coisas podem ser compatíveis num processo transparente de avaliação?

http://saudeeportugal.blogspot.com

4:42 da manhã  
Blogger Unknown said...

"A formação pós-graduada, com créditos reconhecidos nas áreas médica e de enfermagem, processa-se essencialmente por modelo e impregnação, requerendo, por isso, profissionais qualificados e rotinas assistenciais modelares para alcançar os seus objectivos e assegurar um desenvolvimento profissional
contínuo."

Retirado do Relatório

E esta hein?

5:17 da manhã  

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