sábado, agosto 14

Agitação e propaganda

Saúde para todos... de qualidade

…”Numa altura em que a actualidade informativa é marcada pela infelicidade de quatro pessoas que arriscam ficar cegas depois de recorrerem a uma clínica privada, o Diário Económico divulga hoje um estudo que mostra que 40% dos cuidados de saúde do País já resultam dos privados. Metade das consultas de especialidade já é feita nos privados, que, no conjunto de todos os serviços oferecidos, vão facturar este ano mil milhões de euros. Os números sublinham que os privados na saúde são uma realidade incontornável, que deverá aumentar à medida que a população, cada vez mais envelhecida, precisa de mais cuidados e ao Serviço Nacional de Saúde vai faltando capacidade de resposta. Assim, a questão é outra: como evitar mais casos como o da clínica holandesa no Algarve? Com mais e melhor regulação do Estado. Com o crescimento da actividade privada, o Estado tem que reforçar o papel de regulador, sem descurar o papel de produtor. Não podem existir clínicas ou consultórios abertos sem estarem licenciados. Tem que existir tolerância zero nestes casos, porque no final sofrem sempre os mesmos: os doentes”… link
…/…

Repare-se na potência das agências de comunicação. Poucos dias depois do incidente de Lagoa em que uma das faces mais conhecidas do “empreendedorismo” privado na saúde foi posta em evidência aparece, de imediato, num jornal Económico, um “oportuno” estudo promovido pela Associação Portuguesa de Hospitalização Privada discorrendo uma série infindável de imprecisões e disparates. E até o “comentador convidado” foi por “mero acaso” o economista da saúde mais conhecido pelas suas teses ultra-liberais.
Há que prevenir não vá este episódio levantar “outros véus”…

Depois lá vem a infindável série de tagarelices eivadas de propaganda barata como por exemplo dizerem que 40 % dos cuidados já são prestados por privados (mas apenas segundo eles por mil milhões de euros o que nos leva a pensar que se fizessem tudo os portugueses em vez de suportarem 9 mil milhões de euros com cuidados de saúde gastariam apenas pouco mais de dois mil milhões de euros). Esta gente não só é impreparada como age moralmente de forma muito pouco séria.

Se o MS cumprisse o seu papel teria a obrigação de publicitar, com detalhe, as responsabilidades relativas dos diversos sectores e acabar com o espaço para este circo onde os feirantes persistem em fazer o papel de vendilhões do SNS desvalorizando o esforço dos milhares de profissionais que lá trabalham e dos milhões de utentes que aí, são diariamente, atendidos.

Nota:
A ADSE afinal era tão poupadinha e tão eficiente que lá vai no próximo orçamento carregar (mais uma vez) nos descontos feitos pelos serviços agravando, ainda mais, o encargo nas despesas com pessoal. Fanfarronices…

Setubalense

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3 Comments:

Blogger Tavisto said...

Bastonário: Medicina passou a ser mera prestação de serviços

O bastonário da Ordem dos Médicos considera que o caso dos doentes em risco de cegueira após cirurgia numa clínica é exemplo de como a medicina passou a ser vista como mera prestação de serviços em Portugal.
“Este caso é exemplar das condições em que hoje em dia se exerce medicina em Portugal, que tem a ver tanto com o privado como com o público. Há uma lógica e uma cultura de tipo empresarial que esmaga a cultura médica”, comenta Pedro Nunes à agência Lusa.
Sem se querer referir ao caso específico da clínica na Lagoa (Algarve), que ainda está em averiguação, o bastonário lamenta que hoje em dia a medicina esteja “transformada em mera prestação de serviço, em mero ato técnico”.
Para Pedro Nunes, a cirurgia deve ser feita pelo cirurgião que deu a indicação operatório e que tem de assumir a responsabilidade e acompanhamento no pós operatório.
Contudo, alerta que esta “antítese do que é fazer medicina” também acontece no sistema público, exemplificando com o sistema de recuperação das listas de espera.
“Podemos ter o caso de um doente operado na outra ponta do país por um médico que nunca o viu. A seguir a ser operado volta para a sua terra e não tem mais contacto com quem o operou”, critica.
“Não concordamos com medicina feita sem que haja uma responsabilidade no pré e pós operatório”, sublinha.
………………………………………………………….
Diário Digital / Lusa, sexta-feira, 6 de Agosto de 2010

Pela relevância, aqui deixo parte de uma entrevista do Dr. Pedro Nunes ao Diário Digital (os sublinhados são da minha responsabilidade).
O bastonário foca aqui um aspecto fundamental do exercício da medicina que tem a ver com a relação médico-doente e a natureza humana dessa mesma ligação. Hoje em dia temos cada vez mais situações clínicas e menos pessoas concretos. É feito um diagnóstico, o doente entra numa lista de espera cirúrgica para se ser operado, na melhor das hipóteses, por um cirurgião do serviço onde se foi observado ou, na pior das hipóteses, num outro qualquer hospital (dentro ou fora da rede do SNS) onda a tômbola do SIGIC o colocou se esgotado o tempo legal de espera cirúrgica.
É verdade que o doente pode recusar e decidir esperar, aguardando que a sua vez chegue no hospital onde foi observado. Estou certo que assim procederá a maioria. Outros, porém, cansados de esperar, ignorando os riscos que qualquer intervenção cirúrgica comporta e confiando na omnisciência e infalibilidade médica, seguem as orientações que a burocracia do sistema determina.
E tudo isto é tão mais verdadeiro e dramático, quando os indicadores de produção (volume cirúrgico; dados de mortalidade/morbilidade; taxa de infecção hospitalar) não estão disponíveis para consulta pública e, nalguns casos, nem o próprio MS os conhecerá, o que impede, mesmo ao doente mais avisado, tomar decisões com base em critérios objectivos.

12:29 da tarde  
Blogger Clara said...

Seja como for, o sector privado da saúde está muito mal representado por este eng.º Teófilo.
Parece uma figura sinistra de um ritual de uma qualquer ciência do oculto.

6:10 da manhã  
Blogger tambemquero said...

A clínica de Lagoa onde foram sujeitos a cirurgias quatro doentes agora internados no Hospital dos Capuchos, em Lisboa, não tem bloco operatório. E nem tencionava ter no futuro, apesar de fazer cirurgia de ambulatório há anos. Isso mesmo fica patente no projecto de obras de adaptação apresentado pela clínica I-QMed em finais de 2009 à Câmara Municipal de Lagoa.link

Para além da aparente falta de condições físicas para a realização de cirurgias, nomeadamente a cataratas - que realizou em três dos pacientes, agora cegos do olho operado -, a clínica I-QMed teria apenas ao serviço dois médicos. O oftalmologista Franciscus Versteeg - que se desdobrava entre o Algarve e a Holanda, onde possui outra clínica - e o otorrinolaringologista Bonifácio José. Uma parte substancial das funções inerentes à actividade e acompanhamento clínico era desempenhada pelo psicólogo Reinaldo Bartolomeu. Foi o próprio Franciscus Versteeg que admitiu ao Diário de Notícias que este psicólogo o apoiava nas cirurgias, abrindo "caixas e materiais desinfectados, tomando conta do equipamento ou mexendo em botões".

JP 13.08.10

2:09 da tarde  

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