quinta-feira, agosto 5

Lendas e Narrativas (tomo IV)

A miragem da liberdade de escolha…

Ministério limita partos nos privados a grávidas com mais de 32 semanas
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Só aceitar grávidas com mais de 32 semanas de gestação num serviço de urgência é a mais importante das regras que os hospitais privados com blocos de partos passam a partir de hoje, quarta-feira, a ter de cumprir. Evita-se assim a transferência de prematuros frágeis para o público.

A portaria 615/2010
link, publicada ontem, terça-feira, em “Diário da República”, estabelece os requisitos técnicos a cumprir por unidades privadas com serviços de Obstetrícia e Neonatologia. A partir de hoje – e para lá de rigorosas condições físicas e organizativas –, a hospitalização privada terá de ter um quadro mínimo de pessoal se quiser ter bloco de partos a funcionar. E vê limitada a aceitação de grávidas. Assim, as unidades de Obstetrícia sem urgência aberta só podem receber “grávidas referenciadas directamente por obstetra privado, com gestação de baixo risco e obrigatoriamente com mais de 34 semanas de gestação”. Já os privados com urgência permanente e aberta ao exterior ficam condicionados a acolher grávidas com mais de 32 semanas de gestação.

Luís Graça, do Serviço de Obstetrícia do Hospital de Santa Maria e presidente do colégio da especialidade na OM na altura da discussão destas regras, encara com bons olhos o diploma. “O que se passava até agora era um disparate, bebés a nascer às 28 ou 29 semanas nos privados e a ser transferidos para um hospital público ao fim de três dias. Era desumano”, disse ao JN. Acontecia porque os hospitais privados trabalham essencialmente com seguros de saúde. Ora estes só pagam três dias de internamento a um recém-nascidos. “A hospitalização de um bebé na Neonatologia é muito cara”, explica Luís Graça. Ora, depois das 34 semanas, “é muito pouco provável precisar de mais de três dias de internamento”. Depois das 32, é raro, o que levou a OM a aceitar que o Ministério da Saúde descesse o limite dos hospitais com urgência.

E, aqui, a portaria é clara: as unidades com urgência devem contar permanentemente com dois obstetras, um pediatra com competência em Neonatologia e um anestesiologista, além de dois enfermeiros especialistas em Obstetrícia por cada mil partos anuais.
…/ …

Quanto mais se aprofundam as questões da qualidade e da segurança da prestação de cuidados mais nítido fica o embuste da liberdade de escolha. Neste naco de prosa informativa ficamos a saber que a liberdade de escolha, afinal, não é assegurada pelos seus promotores. Por um lado não dispõem de padrões de segurança que permitam receber grávidas com menos de 32 semanas. Por outro, parece que os seguros privados não conseguem financiar mais de três dias (e isto partindo do princípio que tudo corre bem). Provavelmente, os prémios cobrados pelas apólices de seguro pressupunham que os hospitais e as clínicas privadas trabalhavam abaixo dos meios mínimos técnicos e que os “bons” dos hospitais públicos lá estariam para garantir a função de “back-office” sempre que necessário.

Agora percebemos melhor a razão porque os hospitais e as clínicas privadas têm uma particular propensão para se instalar nas imediações de unidades públicas que cumpram essa missão.

Estas medidas se fossem aplicadas noutras áreas da actividade clínica privada trariam à tona factos muito interessantes e contribuiriam, decisivamente, para separar as águas empurrando para fora do sector prestadores sem garantia de qualidade e de segurança.

Uma nota final sobre o impacto desta medida nos “propagandistas” da liberdade de escolha. Será que vamos passar a ver nas condições contratuais dos seguros (ainda que em letras muito pequeninas) informação detalhada sobre o imenso rol de condicionalismos de acesso e financiamento que constituem a essência fundamental da mais pura restrição à liberdade de escolha mesmo e sobretudo a quem paga do seu bolso coberturas de saúde complementares ao SNS?

Herculano

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3 Comments:

Blogger Tavisto said...

Hospitais privados contra lei sobre partos prematuros
Por Andrea Cunha Freitas

O grupo Mello Saúde foi o primeiro a reagir à Portaria n.º 615/2010, publicada em Diário da República, que impede os hospitais privados de receberem grávidas com menos de 32 semanas, num serviço de urgência.

Sem contestar a necessidade de assegurar a qualidade dos serviços, os responsáveis pelo Hospital Cuf Descobertas - a maior maternidade privada do país e onde, desde 2001, se terão realizado mais de 15 mil partos - defendem que a distinção não deve ser feita entre o que é público e privado mas entre quem tem condições e quem não tem.

Até agora, os privados não tinham que obedecer a qualquer limite de semanas de gestação para a realização de um parto, sendo que, no sector público, os casos de prematuridade com menos de 34 semanas são transferidos para os hospitais de apoio perinatal diferenciado.

A nova portaria, publicada anteontem, centraliza definitivamente os nascimentos pré-termo nos hospitais mais diferenciados do Serviço Nacional de Saúde. Uma preocupação que já tinha sido expressa pela ministra da Saúde, Ana Jorge, quando no ano passado defendeu que os cuidados intensivos neonatais devem ser todos assumidos no sector público.

Com esta portaria, que limita os partos às 32 semanas de gestação para os privados com urgência aberta e 34 semanas para os restantes, abre-se de novo a guerra neste campo com a hospitalização privada.

Ontem, os hospitais da José de Mello Saúde reagiram sublinhando que estão "totalmente equipados" para prestar "cuidados de excelência", incluindo a grávidas com menos de 32 semanas de gestação. Porém, para Luís Graça, responsável pelo serviço de obstetrícia do Hospital de Santa Maria, a questão não está na qualidade dos serviços mas na salvaguarda do interesse do recém-nascido. É que, explica, a maioria dos partos nos privados realiza-se com um seguro que cobre três dias de internamento, o que, geralmente, significa transferir o bebé para os hospitais públicos após esse período. Uma viagem com riscos, avisa o especialista, propondo, em alternativa, que os privados, bem equipados, assumam os custos de internamentos de longa duração para evitar transferências.

Público 05/08/2010




Concordo em absoluto com a posição do grupo Mello sobre esta questão. Não faz qualquer sentido que haja uma lei para o público e outra para o privado. Os requisitos exigidos para manter uma maternidade aberta devem ser os mesmos independentemente da natureza jurídica do estabelecimento hospitalar.
Com a actual legislação o que é que vamos ter no terreno? Maternidades de 1ª, 2ª e 3ª categorias, com todo o tipo de confusões e conflitualidade (nomeadamente de natureza criminal) que daí pode resultar.
Se o principal argumento que sustenta a actual legislação é o interesse da criança, então o que haveria a fazer era actuar a montante, ao nível dos seguros-saúde, impondo este tipo de cobertura (cuidados neonatais) nas apólices que contemplassem cuidados obstétricos. Tal com está a lei, poder-se-à reduzir mas não anular a transferência de recém-nascidos entre instituições.
O (s) legislador que me desculpe mas o que me parece é que a voz que falou mais alto nesta questão não foi a do interesse do doente mas a do “negócio do parto”. Este sim ficou devidamente salvaguardado, os privados vão ter apenas de ajustar o nível de investimento ao tipo de cuidados obstétricos que pretendam prestar.

8:08 da tarde  
Blogger helena said...

Isto só pode ser fruto da costela Alegrista da senhora ministra a funcionar....

10:53 da tarde  
Blogger Setubalense said...

…”Se o principal argumento que sustenta a actual legislação é o interesse da criança, então o que haveria a fazer era actuar a montante, ao nível dos seguros-saúde, impondo este tipo de cobertura (cuidados neonatais) nas apólices que contemplassem cuidados obstétricos. Tal com está a lei, poder-se-à reduzir mas não anular a transferência de recém-nascidos entre instituições.
O (s) legislador que me desculpe mas o que me parece é que a voz que falou mais alto nesta questão não foi a do interesse do doente mas a do “negócio do parto”. Este sim ficou devidamente salvaguardado, os privados vão ter apenas de ajustar o nível de investimento ao tipo de cuidados obstétricos que pretendam prestar”…
…/…

Ora aí é que está o busílis. Dava cabo do “dumping” dos prémios dos seguros de saúde. Estes teriam de ser significativamente aumentados e lá se perderiam uns milhares de clientes. È que isto de oferecer partos (no privado 60 % em cesarianas) a preços convidativos pressupões que se contratualizam maternidades “faz-de-conta” embora muito bem decoradas e com música de fundo. Já viram o rombo que seria estas pseudo-maternidades terem de cumprir os requisitos técnicos e de recursos humanos para garantir 24 h por dia cuidados ultra-diferenciados?

Neste aspecto o MS não fez ideologia - Alegrista ou outra qualquer – limitando-se a salvaguardar na lei os riscos reais que quem conhece o sector por dentro sabe que são bem reais.

É que barato e bom em cuidados de saúde não é fácil de conseguir. Mesmo com muitas serigrafias e muita lógica hospitel.

11:31 da tarde  

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