O País de Cavaco
cartoon, antónio, expresso 30.10.10
Quando Cavaco chegou ao governo de Sá Carneiro eu tinha 11 anos. Quando chegou a primeiro-ministro eu tinha 16. E durante dez anos, coincidindo com os primeiros anos da minha vida independente, vi uma das maiores oportunidades do século passar ao lado deste país. Rios de dinheiro desperdiçados e um modelo de desenvolvimento de pernas para o ar. Um país de patos bravos, esquemas, cursos fantasmas, Oliveira e Costas, Dias Loureiro, Duarte Lima. E um primeiro-ministro que às perguntas difíceis respondia com bolo-rei na boca e à contestação com bastonadas.
Quando Cavaco saiu eu já tinha 26. No seu egoísmo estrutural, enterrou o seu partido por causa de um tabu. Perdeu as presidenciais, porque o país ainda se lembrava do mar de escândalos em que se afogava o seu governo em fim de mandato. Quando finalmente foi eleito presidente eu tinha 36. Foram cinco anos de um estadista pequeno, entre a paranoia das escutas que nunca existiram e a ausência nas cerimónias fúnebres do único Nobel da Literatura português.
Se for reeleito, terei 46 anos quando finalmente abandonar a vida política. Percebam que me custe, que dos 11 aos 46 anos terei vivido a influência deste profissional, vê-lo representar o papel de quem nada tem a ver com o estado em que estamos. Ele, que é a política portuguesa em tudo que ela tem de pequeno: os amigos nos negócios, os truques palacianos, o Estado perdulário. Ele, que tão mal se dá com o que na política vale a pena: o confronto de ideias, a coragem de correr riscos, a ética republicana. Apresenta-se como o último garante moral da Nação mas é talvez o maior símbolo de tantos anos perdidos. Os mais importantes da minha geração.
Daniel Oliveira
Quando Cavaco saiu eu já tinha 26. No seu egoísmo estrutural, enterrou o seu partido por causa de um tabu. Perdeu as presidenciais, porque o país ainda se lembrava do mar de escândalos em que se afogava o seu governo em fim de mandato. Quando finalmente foi eleito presidente eu tinha 36. Foram cinco anos de um estadista pequeno, entre a paranoia das escutas que nunca existiram e a ausência nas cerimónias fúnebres do único Nobel da Literatura português.
Se for reeleito, terei 46 anos quando finalmente abandonar a vida política. Percebam que me custe, que dos 11 aos 46 anos terei vivido a influência deste profissional, vê-lo representar o papel de quem nada tem a ver com o estado em que estamos. Ele, que é a política portuguesa em tudo que ela tem de pequeno: os amigos nos negócios, os truques palacianos, o Estado perdulário. Ele, que tão mal se dá com o que na política vale a pena: o confronto de ideias, a coragem de correr riscos, a ética republicana. Apresenta-se como o último garante moral da Nação mas é talvez o maior símbolo de tantos anos perdidos. Os mais importantes da minha geração.
Daniel Oliveira
Etiquetas: bater no fundo
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