terça-feira, dezembro 21

O epílogo do SNS

“O Serviço Nacional de Saúde está moribundo”
Carlos Santos, Presidente do Sindicato Independente dos Médicos, falou ao Correio da Manhã sobre o aumento de pedidos de reforma

CM – Como comenta o aumento dos pedidos de reforma antecipada de médicos?

Carlos Santos – Tem que ver, sobretudo, com o estado em que está o Serviço Nacional de Saúde (SNS). O SNS está moribundo e há um desencanto total dos médicos, principalmente dos mais velhos. Preferem abraçar outros projectos mais aliciantes, não pelo dinheiro, mas do ponto de vista estritamente profissional.

– Estas reformas antecipadas podem prejudicar o Serviço Nacional de Saúde?

– Sim. É preocupante porque não sabemos quem vai ensinar e avaliar os médicos mais novos. Pertenço a uma geração que ajudou a construir o Serviço Nacional de Saúde e que lutou, no ano passado, para o reabilitar. A partir de Janeiro será proibido contratar médicos reformados.

– Em que consistiu essa tentativa de reabilitação?

– Estive na negociação das propostas do Governo para aliciar os médicos reformados a ficar. Mas essas medidas não resultaram.

– Porque é que essas medidas não resultaram?

Porque os decretos não podem ser executados, uma vez que a proposta era de que os médicos que tivessem ido para a reforma antecipada deixassem de receber a pensão e passassem a receber apenas o salário. Na prática iam trabalhar de graça. E os que já estivessem aposentados sem penalizações iam ganhar 30 por cento. Mais a trabalhar em saldo.

– Também decidiu apresentar o pedido de reforma aos 60 anos? Porquê?

– Sim, decidi. Vou apresentar o pedido de demissão ainda esta semana. Toda a minha vida foi feita de projectos profissionais, por isso, talvez vá procurar algo mais aliciante. Tal como outros médicos, sinto-me impotente perante esta degradação das condições de funcionamento do SNS.
CM 21.12.10

Tibúrcio

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2 Comments:

Blogger Tavisto said...

Há uma contradição insanável nesta nota de desencanto em relação ao SNS. Diz Carlos Santos que os médicos mais velhos abandonam o SNS para abraçar outros projectos mais aliciantes, não pelo dinheiro, mas por razões estritamente profissionais. Esperar-se-ia pois que, no decurso da entrevista, o entrevistado apontasse outras razões, que não financeiras, para a saída precoce dos médicos. Mas tal não acontece, o único motivo invocado, a impossibilidade de acumular salário e reforma, é, em si mesmo, exclusivamente monetário.
As razões que levam os médicos mais velhos a abandonar o SNS são várias e, não vale a pena escamoteá-lo, as financeiras pesam muito. Quer se queira quer não, ter a possibilidade de antecipar a reforma podendo acumular com a actividade privada, exercício que muitos já vinham praticando ao longo da vida profissional, é altamente aliciante. Por outro lado, os grupos económicos vieram estimulá-lo ao procurarem precisamente os profissionais mais experientes e com maior carteira privada de doentes, para integrarem o corpo clínico desses mesmos grupos.
Se ao motivo apontado acrescentarmos a ausência de políticas que discriminem positivamente quem melhor trabalha, ao nível institucional e individual, a preponderância da governação administrativa em detrimento da clínica, o baixo nível de incentivos para cargos de direcção, uma política salarial inconsequente (um jovem especialista, aprendiz, pode obter um contrato individual de trabalho por valor superior a um colega, formador, com muitos anos de carreira), encontraremos motivos mais que justificativos para a fuga de médicos do sector hospitalar.
Aqui, põe-se a questão: mas por que abandonam também os médicos de família o SNS tendo hoje a possibilidade de trabalhar em moldes diferentes dos seus colegas hospitalares? A explicação parece-me residir no facto da reforma ter chegado tarde para muitos que, pela idade, habituados a um exercício individual durante anos, estão pouco disponíveis para novas formas de organização de trabalho nos Centros de Saúde.
Dizer-se que o SNS está moribundo é uma força de expressão. As dificuldades que atravessa são, porém, claramente preocupantes e, a não serem atalhadas, conduzirão, a curto prazo, a um declínio irreversível. Face à manifesta incapacidade dos actuais protagonistas, há que encontrar ao nível do MS governantes capazes de, fazendo uma leitura do todo, reabilitar o Serviço Público de Saúde.

1:37 da tarde  
Blogger e-pá! said...

Titânica implosão...

Para além das questões de sustentabilidade financeira que afectam o SNS e, nos últimos anos, têm-se agravado por inexistência de estratégias a médio e longo prazo que inovem este projecto, com mais de 30 anos, dando-lhe vigor, melhoria dos desempenhos e respostas adequadas, acresce agora um outro problema, com origem na incapacidade de assegurar recursos humanos suficientes para manter [ou melhorar] a expectativa das suas prestações.
De facto, a desilusão e a perda de motivação é galopante.
Neste momento, o SNS, sub-orçamentado, desmotivado e empenhado aos credores até à medula é a sombra de um serviço público que - apesar de todos os dissabores - tem prestado [presta ainda] um insubstituível serviço aos portugueses.
A visão de alguém que, neste momento, observa de fora este naufrágio, recorda o desastre do Titanic que, inundado e irremediavelmente condenado a descer às profundezas do Oceano, mantinha a orquestra de bordo, no convés, junto aos repletos botes, a tocar "Nearer, my God, to thee"...

9:43 da tarde  

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