Contas da Saúde
Tem-se desenvolvido na opinião publicada a ideia de que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é uma boa, mas dispendiosa conquista social.
Seria até a melhor das conquistas de Abril. Todavia, relatórios e estudos de ‘think-tanks' têm injectado a ideia de que o SNS é financeiramente insustentável. O PSD acolheu acriticamente esta ideia e logo a seguinte, a da privatização progressiva. A noção de privatização foi agora substituída pela de livre escolha. Para ideólogos da direita não haverá uma sem a outra. Vamos aos números recentes da Conta Satélite da Saúde (INE 2010).
O SNS nunca foi um sistema inteiramente público. Em termos de financiamento, a parte pública representou, em 2008 (últimos valores disponíveis) 66% da despesa corrente em Saúde. A despesa corrente privada das famílias estava em 29%, sendo a diferença entre ambas (5%) atribuível a subsistemas e seguros privados.
Quanto à prestação, o SNS foi desde a origem um sistema misto, a cargo de operadores públicos e privados. Em 2008, o SNS encaminhou 68% do seu gasto para prestadores públicos - hospitais (52%) e centros de saúde (16%); e os restantes 32% para privados - basicamente farmácias (19%) e convencionados (10%).
O que diferencia o SNS de um sistema convencionado é a universalidade e equidade, garantidas pelo funcionamento público de hospitais e centros de saúde. Se estes fossem privatizados, ainda que parcialmente, como a cobertura financeira da população tem outras fontes para além do SNS, nos serviços anteriormente públicos assistiríamos à discriminação imediata no ponto de tratamento, em função da capacidade de financiamento de terceiros pagadores e do valor de co-financiamento pelo próprio utente. Nos serviços de prestação privada alargar-se-ia a lamentável diferença de acolhimento entre doentes a cargo do SNS e doentes pagos pelo próprio bolso ou por terceiros.
As redundâncias, quer na cobertura, quer no acesso aumentariam, com o correspondente disparar da despesa. Assim se destruiria rapidamente a universalidade, a equidade e a desejada sustentabilidade.
O SNS pode ser racionalizado e tornado mais eficiente, de melhor qualidade e mais bom pagador. Prova-o a evolução da despesa entre 2000 e 2008. Até 2005, a despesa suportada pelo SNS cresceu, em média 5,7% por ano, com aumentos máximos de 7,1% em 2002 e 6,5% em 2005. Em 2006, a despesa diminui 3,9%, aumentou ligeiramente 4,1% em 2007 e apenas 0,9% em 2008. Tal foi conseguido em simultâneo com grandes ganhos de efectividade, avanços na qualidade, redução das listas de espera e criação de novos programas (unidades de saúde familiares, cuidados continuados, cheque dentista, cirurgia de ambulatório, saúde reprodutiva da Mulher). Desmantelar o SNS, mais que uma agressão ideológica, seria um grave erro económico.
António Correia de Campos, DE 18.04.11
Seria até a melhor das conquistas de Abril. Todavia, relatórios e estudos de ‘think-tanks' têm injectado a ideia de que o SNS é financeiramente insustentável. O PSD acolheu acriticamente esta ideia e logo a seguinte, a da privatização progressiva. A noção de privatização foi agora substituída pela de livre escolha. Para ideólogos da direita não haverá uma sem a outra. Vamos aos números recentes da Conta Satélite da Saúde (INE 2010).
O SNS nunca foi um sistema inteiramente público. Em termos de financiamento, a parte pública representou, em 2008 (últimos valores disponíveis) 66% da despesa corrente em Saúde. A despesa corrente privada das famílias estava em 29%, sendo a diferença entre ambas (5%) atribuível a subsistemas e seguros privados.
Quanto à prestação, o SNS foi desde a origem um sistema misto, a cargo de operadores públicos e privados. Em 2008, o SNS encaminhou 68% do seu gasto para prestadores públicos - hospitais (52%) e centros de saúde (16%); e os restantes 32% para privados - basicamente farmácias (19%) e convencionados (10%).
O que diferencia o SNS de um sistema convencionado é a universalidade e equidade, garantidas pelo funcionamento público de hospitais e centros de saúde. Se estes fossem privatizados, ainda que parcialmente, como a cobertura financeira da população tem outras fontes para além do SNS, nos serviços anteriormente públicos assistiríamos à discriminação imediata no ponto de tratamento, em função da capacidade de financiamento de terceiros pagadores e do valor de co-financiamento pelo próprio utente. Nos serviços de prestação privada alargar-se-ia a lamentável diferença de acolhimento entre doentes a cargo do SNS e doentes pagos pelo próprio bolso ou por terceiros.
As redundâncias, quer na cobertura, quer no acesso aumentariam, com o correspondente disparar da despesa. Assim se destruiria rapidamente a universalidade, a equidade e a desejada sustentabilidade.
O SNS pode ser racionalizado e tornado mais eficiente, de melhor qualidade e mais bom pagador. Prova-o a evolução da despesa entre 2000 e 2008. Até 2005, a despesa suportada pelo SNS cresceu, em média 5,7% por ano, com aumentos máximos de 7,1% em 2002 e 6,5% em 2005. Em 2006, a despesa diminui 3,9%, aumentou ligeiramente 4,1% em 2007 e apenas 0,9% em 2008. Tal foi conseguido em simultâneo com grandes ganhos de efectividade, avanços na qualidade, redução das listas de espera e criação de novos programas (unidades de saúde familiares, cuidados continuados, cheque dentista, cirurgia de ambulatório, saúde reprodutiva da Mulher). Desmantelar o SNS, mais que uma agressão ideológica, seria um grave erro económico.
António Correia de Campos, DE 18.04.11
Etiquetas: s.n.s
3 Comments:
Bem. É dificil estar em desacordo com este artigo de ACC...
Mas é, também, necessário ter memória.
De facto e apesar da despesa estar - em 2008 - controlada, quando ACC foi ministro, nessa mesma altura, a sustentabilidade financeira do SNS foi objecto de aprofundado estudo. Por alguma razão. Estudo esse que, como é do conhecimento público, originou um extenso relatório. Documento que foi irremediavelmente remetido para a prateleira...
Pergunta:
- Se as conclusões desse relatório tivessem sido discutidas, eventualmente aceites e, finalmente, aplicadas, hoje, a Direita estaria privada do argumento da [in]sustentabilidade?
ACC também já se trocou.
Até aqui se aumentasse a despesa privada das famílias seria entendido como uma degradação do Estado Social.
Agora, com a experiência europeia, ACC quer convencer-nos que é o SNS que está mais eficiente.
As famílias pagam mais. O Estado gasta mais mas comparticipa menos e ACC acha que isto é maior eficiência.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades...
"Desmantelar o SNS, mais que uma agressão ideológica, seria um grave erro económico". - pois, sem dúvida. É pena é não se ter lembrado disso mais cedo;concretamente, quando ainda era MS. Assim, não tinha contribuído para isso (como decorre de diversas medidas que tomou e cujo preço pago pelo SNS foi-é tremendo), por exemplo, não "cegando" com as USFs e respeitando efectivamente os Cuidados de Saúde Primários.
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