É possível reduzir a despesa na saúde sem prejudicar a qualidade?
Alguns objectivos impostos no memorando de entendimento assinado com a na área da saúde, são demasiado drásticos e têm um prazo demasiado curto, e o receio de que isso afecte a qualidade dos cuidados é justificado, mas compete-nos a todos minorar esse risco. Na saúde estamos longe dos chocantes números que a Grécia atingiu, mas existem desequilíbrios (o facto de a despesa em medicamentos exceder os 30% da despesa pública na saúde, problemas de organização, de produtividade e de desperdício) que oferecem oportunidades para redução da despesa sem degradação da qualidade, ou mesmo com melhoria, em alguns casos. Mas começo por destacar três princípios que me parecem importantes: não criar iguais constrangimentos nem impor metas de redução iguais para quem tem bons ou maus resultados, nem impor soluções iguais para desequilíbrios muito diferentes; conscientizar profissionais e doentes do custo de cada acto que praticam ou a que são submetidos; todos os níveis de responsabilidade devem ser envolvidos, não podemos esperar que todos as soluções venham de cima. Aponto de seguida alguns exemplos dessas oportunidades:
— Promover mudanças organizacionais baseadas em evidência nos diferentes níveis de decisão: um dos exemplos de resultados fantásticos do nosso sistema de saúde é a diminuição para menos de metade, em catorze anos, da mortalidade por acidente vascular cerebral (AVC). A implementação de unidades de AVC e o encaminhamento directo para estas unidades pelo INEM (a “Via Verde” do AVC) terão sido factores que ajudaram na obtenção deste resultado. Estas unidades não só diminuem as complicações como melhoram o prognóstico e reduzem os custos com estes doentes.
— Combater o desperdício: este desperdício tem sido quantificado entre 20%, segundo a Inspecção-geral das Finanças, e 30%, de acordo com o Tribunal de Contas. Às vezes, estes números resultam de comparações com metas ideais e inatingíveis, mas há áreas onde é possível actuar. Por exemplo, se todos os hospitais conseguissem a demora média de internamento dos nove melhores, que foi de 6,5 dias, e se aumentássemos em 5% a taxa de ocupação, ficariam disponíveis o equivalente a 12 hospitais de 400 camas. Medidas como planear as altas desde a admissão, internar os doentes na primeira cama disponível no hospital, independentemente do serviço ou melhor utilização dos hospitais de dia, poderão contribuir para esses objectivos. Segundo o estudo do Grupo Técnico para a Reforma Hospitalar, se aumentássemos a percentagem de cirurgias feitas em ambulatório, para as taxas obtidas no Serviço Nacional de Saúde inglês, poupavam-se 83.000 dias de internamento. Este esforço tem de ser liderado pelos responsáveis dos serviços, que aliam a autoridade clínica às responsabilidades de gestão.
— Aumentar a produtividade onde se detectar que tal é possível: bastava que cada cirurgião do SNS fizesse apenas mais duas cirurgias e meia por mês, para além da média de oito actual, para que deixássemos de ter os mais de 166 mil doentes em lista de espera.
— Elaborar e implementar normas de orientação clínicas: este é um objectivo defendido por muitos há muito tempo, porque é uma forma efectiva de melhorar a qualidade dos cuidados e diminuir a sua variabilidade, mas só agora, com a sua inscrição no memorando de entendimento, conheceu um incentivo real. Em relação à possibilidade de reduzir custos, tratar bem é sempre mais barato do que tratar mal, mas, em relação a custos directos, as normas só resultarão em economia nas situações de sobreprescrição, como é o caso de alguns antibióticos ou de alguns exames, como a osteodensitometria. A parte mais complexa e mais lenta é a adopção das normas de orientação clínicas por parte dos profissionais, que vai exigir múltiplas estratégias que têm que ver com a gestão dos comportamentos.
— Prevenir os erros é melhor do que remediá-los: na realidade, o volume e a complexidade dos actos praticados, particularmente nos nossos hospitais, fazem destes ambientes locais de risco, onde os erros e acidentes acontecem com consequências humanas e económicas nefastas. Existem múltiplas estratégias para diminuir essa probabilidade, que devem ser amplamente disseminadas: a simples utilização de uma antes de cada cirurgia, como fazem os pilotos dos aviões antes dos voos, permitiria reduzir a taxa de complicações de 27% para 16% e a mortalidade operatória para quase metade. Se conseguíssemos reduzir a taxa de infecções adquiridas no hospital de 9,8% para 5%, isso permitiria uma importante redução da mortalidade associada a esta complicação e uma poupança anual de 282 milhões de euros.
— Fomentar níveis mais integrados de cuidados, particularmente aos doentes crónicos, que garantam uma resposta mais contínua, mais proactiva e mais adequada aos diferentes tipos de necessidades que cada um apresenta, conseguindo retirar estes doentes das urgências hospitalares, a forma menos efectiva e mais cara de os tratar. Esta resposta deve ser baseada em equipas multidisciplinares que articulem os profissionais dos hospitais com os dos outros níveis de cuidados.
Luís Campos, Médico. Presidente do Conselho para a Qualidade em Saúde, JP 23.04.12
— Avaliar as múltiplas mudanças, reformas e experiências-piloto que vamos fazendo: reforma dos cuidados primários, urgências, cuidados continuados, hospitais SPA, EPE, SA, PPP, unidades locais de saúde, agrupamentos de centros de saúde, centros hospitalares, etc. A ausência desta avaliação é um flagrante caso de desperdício, numa área tão importante como é a do conhecimento, indispensável para nos ajudar a manter e melhorar o que deu resultado e a corrigir o que não deu.
Luís Campos, Médico. Presidente do Conselho para a Qualidade em Saúde, JP 23.04.12
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