quarta-feira, junho 27

Oremos...

Portugal, paraíso da austeridade
Por muito difícil que se torne viver em Portugal, e independentemente dos resultados concretos da política em curso, o país está fadado a ser um caso de sucesso no ajustamento desenhado pelos credores. Parece que está escrito.
É aliás uma história bonita que todos vão querer contar: funcionou em 1978, em 1983 (as anteriores intervenções do FMI) e vai funcionar agora. Uma pequena economia aberta que responde muito bem a choques, um povo abnegado que sabe sofrer para merecer a ajuda dos parceiros europeus, e não perde muito tempo ou energia com protestos. Um país báltico em tamanho grande.
Há um ano ainda houve quem pensasse que uma tal proeza só era acessível a um país como a Irlanda, mas Portugal ultrapassou todas as expectativas. Em Berlim não se fala de outra coisa: toda a gente conhece a evolução extraordinária e surpreendente das exportações portuguesas. Não interessa que este sector exportador seja muito pequeno e represente muito pouco do PIB. O que importa é demonstrar que o método funciona. E se funciona em Portugal porque não nos outros periféricos?
O recente Eurogrupo foi a prova dos nove. Jean Claude Juncker depois de ouvir Vítor Gaspar confessar o "aumento dos riscos e incertezas", que deixa o objectivo do défice mal parado, veio dizer aos jornalistas que o programa está ‘on track' e que os 4,5% este ano estão "ao alcance". O comissário Olli Rehn confirmou a benção. Mesmo que Juncker não tivesse ouvido Gaspar, haveria sempre um ministro holandês ou finlandês à cata de problemas na periferia para apontar o dedo e ganhar uns votos em casa. Ninguém pestanejou.
Com a Espanha e o Chipre já no clube dos países ‘on track', e a Itália muito perto, a fadiga toma conta da crise. A zona euro precisa tanto de um êxito como Portugal precisa de crédito. E como o país chegou àquele ponto em que os cortes já não produzem poupanças, a Troika pode ver-se obrigada a considerar metas menos apertadas este ano, sob pena de perder um caso exemplar. Isto dá margem a Portugal para se apoderar de alguns dos termos do programa, por exemplo, tentar repartir melhor os esforços do ajustamento de forma mais equitativa. Mas, este Domingo, a equipa de Passos Coelho demonstrou nada dar por garantido.
O facto das receitas fiscais e o desemprego estarem a boicotar o modelo ‘redondo' que Troika montou não é visto como a prova que a austeridade assim não funciona. É, sim, uma oportunidade para insistir com privatizações (vender e depressa) e com a transposição do travão da dívida. Em ambos os casos, tenta-se fechar à chave a transformação social em curso antes que o modelo descambe ainda mais. Isto é música para Bruxelas. E nem sequer se fecha a porta a novos cortes - uma prova que essa é essencialmente uma decisão da Troika. Portugal executa. Não protesta, nem negoceia, penitencia-se na esperança de ser recompensado. E se não for, é porque não rezou o suficiente
Luís Rego, DE 27.06.12

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