terça-feira, setembro 18

O balancete e a pilotagem do sistema de saúde


Quem ama o SNS deseja o seu desenvolvimento, isto é, manter a equidade, melhorar a qualidade e aumentar os benefícios para a saúde dos doentes sem aumentar os recursos, assim se garante a sustentabilidade da «jóia» da Administração Pública. Nesta linha são bem-vindas as críticas que visam a melhoria do SNS, como esta.

Passado um ano e meio é tempo de fazer um primeiro balanço, começando pelos pontos positivos de Paulo Macedo (PM) e terminando nas questões por resolver (a haver).

Já lançado a crédito de PM, temos:

1º Obtenção de 1.500 milhões de euros para regularização das dívidas acumuladas do SNS.
2º As poupanças conseguidas, por redução de preços e melhoria de controlo, em medicamentos e meios de diagnósticos.
3º Relançamento da informatização das prescrições médicas e da centralização de compras.
4º Controlo de diversas rubricas de despesa, por exemplo em fornecimentos e pessoal, em parte induzido pelas Finanças e pela Troika.

O desenvolvimento de protocolos clínicos, em associação com a Ordem dos Médicos, é também um ponto a sublinhar, embora o seu impacto seja diminuto até agora.
Na gestão da saúde verificou-se um hiato, visto que só há pouco terminou a elaboração dos programas de saúde (você disse «prioritários»?), o que comprometeu o lançamento atempado de acções e impediu maiores benefícios na saúde das pessoas.

No mais a actuação de PM oscilou entre o administrativo-financeiro - centralizador e controlador como na DG Impostos - e o político hábil na gestão de lóbis e na arte de «encanar a perna à rã» para evitar despesas e investimentos.

Como tem sido a regra nos restantes ministérios proliferam os estudos e as intervenções de consultores, protelam-se as definições de rumo (políticas) e as decisões, vide por exemplo o que tem acontecido à carta hospitalar.
Sendo um independente esperava-se que não cedesse às pressões de boys&girls tão fácil e abertamente, como no escândalo das nomeações para os ACES na região norte. Também não se viu ainda PM em verdadeira prestação de contas pública dando conta dos objetivos traçados e dos resultados conseguidos.

Como à frente iremos ver falta acrescentar ao controlador férreo:
-      O visionário do sistema de saúde;
-      O estratega do SNS;
-      O campeão das melhorias da gestão;
-      O defensor da excelência dos cuidados e da motivação dos profissionais.

Esquecidas para já as eleitorais promessas (devo dizer ameaças?), de liberdade de escolha e concorrência aberta entre instituições públicas e privadas, verifica-se uma quase ausência na regulamentação e regulação do sistema de saúde. Não houve alterações visíveis em instrumentos comuns de pilotagem (por ex no modelo de financiamento, nos requisitos de qualidade) ou na forma de articulação entre instituições, restando quanto ao sistema de saúde:

-Indefinição quanto ao papel no SNS das misericórdias e dos seus hospitais.
-Inexistência de planeamento e controlo de entrada de equipamentos pesados, proliferando como cogumelos novos hospitais privados. Existe pouca informação e acompanhamento da atividade privada em saúde.
-Manutenção da duplicação de actos entre o privado e o SNS, especialmente com a ADSE.
-Continuidade do regime das convenções, agora com menor preço e maior controlo, com impacto reduzido da prioridade legislada de utilização da capacidade existente no SNS.
-Atuação correta a moderar o acesso à urgência bem como na prescrição de medicamentos e na sua comparticipação, mas «redução à bruta» da margem das farmácias, aqui com benefícios questionáveis para a população.

Não é conhecida a estratégia do SNS no que respeita à oferta, isto é, quais os objectivos, as prioridades, os planos e as linhas de orientação para as diversas redes de cuidados e para os serviços que o integram. Cinco pontos deviam merecer atenção particular:

-Os cuidados continuados estão «congelados» e algo esquecidos, mantiveram-se algumas das suas pechas iniciais – burocracia, deficiente integração com hospitais, controlo difícil da despesa – e criou-se, em sobreposição, uma nova rede de cuidados paliativos.
-Os cuidados primários deixaram de ser acarinhados, como área-chave que são, e, apesar das muitas promessas, passaram às «velocidades baixas» (devagar, devagarinho, estar parado).
-Os estudos sobre a reformulação da rede de hospitais continuam sem aplicação, arquivados ou debaixo de qualquer pisa papéis de PM. Por exemplo existem várias unidades com gasto anual inferior a 7 milhões de euros e outros com gastos acima de 400 milhões.
-Idem anterior quanto à rede de urgências hospitalares, elemento fundamental de qualquer reformulação da oferta do SNS. Por exemplo existem várias urgências numa área de poucos kms em Lisboa e Porto.
-Nada se fez para garantir efectiva integração de cuidados aos doentes crónicos (ex diabetes).

A gestão dos hospitais foi perdendo autonomia e capacidade de actuação, entre a monitorização super-detalhada exigida pela tutela (Saúde, Finanças), a burocracia, a extrema dificuldade de contratar pessoal e de investir e a gravidade da situação financeira de muitas unidades. Lembramos as principais omissões e atrasos:

-Previa-se inicialmente a reformulação da lei de gestão mas nada aconteceu até agora.
-No memorando com a Troika 31/12/2011 era a data para garantir que a nomeação e avaliação dos gestores hospitalares se fazia dentro de regras objectivas e de mérito. Nada até agora.
-Aguardava-se um sistema racional e integrado de monitorização e controlo da gestão do hospitais - há sobreposição de pedidos, essencialmente financeiros e contabilísticos.
-Já que o SNS tem hospitais com regime diferente (EPE, SPA, PPP) esperava-se trabalho técnico apurado comparando o desempenho de hospitais e serviços para aprendizagem e desenvolvimento da gestão. Nada.

Quanto à qualidade e a sistemas de melhoria de processos nada se acrescentou.

Relativamente aos profissionais a desorientação é total pois não há política de recursos humanos, estão proibidos os incentivos, coexistem estatutos e remunerações substancialmente diferentes, continua a não haver política de formação independente dos laboratórios, mantém-se a dicotomia entre equipas de médicos e contratos à hora de desqualificados, continua a debandada de bons clínicos para o estrangeiro, etc.  

Deixei aqui alguns caminhos que deviam ser percorridos por quem quiser orientar o SNS com vista à melhoria dos seus resultados e à sua sustentabilidade futura. Espero que estas notas possam estimular a discussão no blogue. O SNS merece.

Tito Byant

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5 Comments:

Blogger DrFeelGood said...

Paulo Macedo tem desempenhado com empenho o seu papel de amanuense da Troika.
Sem rasgo nem brilho, armado em moralizador e combatente de lobis e dos diversos interesses instalados.
De entre os erros mais tacanhos cometidos pelo senhor ministro da saúde, sobressai o estrangulamento do programa de transplantação, considerado pela sua patroa Manuela Ferreira Leite uma extravagância de pais endinheirado.


10:13 da tarde  
Blogger tambemquero said...

Na perspectiva da opinião independente, a acção política no sector da saúde é muito negativa.

O colapso do Serviço Nacional de Saúde (SNS) está em curso. Os efeitos sob o resto do sistema de saúde estão em processo de disseminação gradual. Para as estruturas ainda existentes, oportunidades e ameaças iluminam as opções, como é comum em gestão. Porém, a falta de direcção estratégica e de liderança política gera dúvidas e facilita processos de manipulação de influências que deturpam os processos. Em suma, um cenário dramático promovido por aquela que será a pior equipa ministerial dos últimos 20 anos. Que erros colocam fortes dúvidas na capacidade desta equipa ministerial? Vejamos, em suma, algumas das mais preocupantes.

O esvaziamento do apoio aos cuidados continuados integrados (CCI), sendo uma dinâmica fundamental para a sustentabilidade do SNS, está entre os mais graves erros do actual ministro da Saúde. Limitou-se o desenvolvimento dos CCI por ignorância ou por cedência a interesses comerciais que vivem da despesa hospitalar?

O total falhanço na intervenção sob os cuidados de saúde primários, incluindo a nomeação de lideranças sem competências, reflecte incapacidade estratégica sistémica e já colocou em causa a contribuição da dinâmica das USF que havia demonstrado bons resultados.

O violento ataque às farmácias colocou em causa uma das melhores redes do mundo e castrou o potencial de intervenção nas comunidades locais que estas estruturas representam. Preconceito ou apenas ignorância?

Os protocolos clínicos criados de forma pouco transparente não geraram qualquer dinâmica de racionalização ou melhorias na prestação dos cuidados prestados. O processo não envolveu todas as profissões relevantes e ficou incompleto pela ausência de qualquer rasgo de intervenção sistémica para a gestão da qualidade.

A hostilidade aos produtores de medicamentos genéricos, sobretudo os nacionais, reflecte uma arrepiante letargia económica. Aumenta a nossa dependência na importação de medicamentos e boicota o nosso potencial de exportação nesta área de grande crescimento mundial. É apenas miopia estratégica?

O ataque aos parceiros de serviços de diagnóstico e a incapacidade de negociação e contratualização equilibrada é mais um erro. na medida em que não há capacidade de investimento no sector público.

A ausência de processos de equilíbrio entre salários dignos e incentivos à produção dos profissionais de saúde que sirva as reais necessidades das populações é uma outra falha grave. Sendo esse um dos temas bem trabalhados no debate internacional de gestão em saúde faz mais de 20 anos, como se justifica esta incapacidade no actual ministro da Saúde?

No passado, a posição entre os 15 melhores sistemas de saúde do mundo, reflectia, sobretudo, a qualidade dos nossos profissionais de saúde apesar da má qualidade da gestão praticada por indivíduos politicamente nomeados, sem qualificações e totalmente dependentes das consultoras para as mais básicas decisões de gestão. O abandono do país por parte de centenas de profissionais de enfermagem, terapeutas e, mais recentemente, médicos, envergonha-nos e escurece o futuro, na ausência de qualquer política de recursos humanos para o SNS.

O óbvio falhanço das actuais políticas de saúde, que contrasta com a intervenção mais competente do actual ministro da Solidariedade e Segurança Social, será base de futuras dificuldades adicionais no controlo da despesa pública e aumentos da incidência e gravidade de várias doenças. Os erros e o alcance dos seus efeitos resultam das acções titubeantes, indecisões e retrocessos que caracterizam o actual mandato no Ministério da Saúde.

Soluções? A seu tempo, devemos discuti-las. Agora é a hora de esclarecermos as incapacidades de quem é responsável e cometeu muitos graves erros. A lista já vai longa. Para o debate técnico, é óbvio que o falhanço na inversão do descontrolo da despesa na saúde resulta da aplicação inapropriada da lei de Pareto que reflecte a negação da especificidade do SNS.

Paulo Moreira, JP 17.09.12

10:21 da tarde  
Blogger Clara said...

Na 6ª feira passada (14/09), o Jornal Público lançava a bomba: “as Finanças reconheceram uma derrapagem no défice orçamental para 6,6% este ano. O número consta de um documento enviado pelo Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público (IGCP) aos bancos de investimento, na sequência da quinta revisão da troika”. A notícia, que passou relativamente despercebida, consubstanciará um falhanço surpreendente. Recorde-se como nas últimas semanas, já depois de iniciada a quinta avaliação, o Governo foi deixando cair que trabalhava com base num cenário de um défice de 5,3% do PIB; um cenário mais próximo de outras estimativas independentes como, por exemplo, a da Economist que prevê 5,5%.
A existência de uma derrapagem para 6,6% do PIB pré anuncia o seguinte: 1) que os relatórios da Direcção Geral do Orçamento não estão a captar toda a execução orçamental e; 2) que não é apenas a receita que está a falhar; também a despesa deverá estar a derrapar, o que não seria aceitável.

Ricardo Arroja, 19.09.12

Todos fazemos votos que não sejam as contas da saúde a derrapar como tem sido hábito nos anos anteriores.
Se este Governo não cair nos próximos tempos, certo é Paulo Macedo correr o risco de se tornar o campeão dos orçamentos rectificativos.

11:56 da tarde  
Blogger saudepe said...

Há medicamentos que não existem no público e que o Estado acaba por financiar no privado, admite coordenador nacional

O director do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, Nuno Miranda, reconheceu ontem, na Assembleia da República, que há situações de desigualdade entre doentes tratados no público e no privado, havendo hospitais públicos que não disponibilizam determinados medicamentos aos doentes quando depois os paga a doentes tratados em hospitais privados, através de subsistemas de saúde, como a ADSE (que cobre os funcionários públicos).
O responsável foi ontem ouvido na Comissão Parlamentar de Saúde e a sua resposta surgiu na sequência de uma situação apontada pelo deputado socialista Manuel Pizarro, que relatou o caso de doentes da ADSE que recebem medicamentos em hospitais privados, quando esses fármacos não são disponibilizados nas unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
“Não posso aceitar que o Estado no SNS limite o acesso a certos medicamentos e depois o mesmo Estado financie os hospitais privados que administram o medicamento a doentes da ADSE”, criticou Manuel Pizarro, que foi secretário de Estado da Saúde no anterior Governo socialista. Nuno Miranda admitiu que a situação é real e que não promove a equidade defendida no acesso à saúde.
O responsável disse também aos deputados que “a oncologia está subfinanciada”, indicando que é necessário estabelecer como se “divide todo o bolo” do financiamento da saúde em Portugal e anunciando que vai ser estudado e analisado o dinheiro usado para o cancro do colo do útero, da mama e o colorrectal.
Para o próximo ano vai avançar uma experiência em seis unidades hospitalares do SNS, com o objectivo de criar um pacote de financiamento que siga cada doente oncológico novo durante dois anos. “O objectivo é termos um pacote de financiamento que cobre todos os tratamentos de um doente. O dinheiro segue o doente, mesmo que tenha de realizar tratamentos em hospitais diferentes. O dinheiro estará associado ao doente e não ao hospital”, concretizou.

JP 20.09.12

12:04 da manhã  
Blogger saudepe said...

Para utentes, SNS está em "fase preliminar de extinção"

O responsável pelo Movimento de Utentes dos Serviços de Saúde, Manuel Villas Boas, considerou hoje que Serviço Nacional de Saúde encontra-se "em fase preliminar de extinção", prevendo-se "um novo corte de 375 milhões de euros para o próximo ano".

Tendo o Ministro da Saúde informado recentemente que 'mais cortes significativos na despesa da Saúde só seriam possíveis com alteração do modelo existente' torna-se legítima a perspetiva de extinção do Serviço Nacional de Saúde (SNS)", sublinha o dirigente.
Em comunicado enviado à Lusa, o Movimento de Utentes dos Serviços de Saúde (MUSS) "repudia firmemente a referida ideia e apela aos utentes para que se mantenham vigilantes e, através dos movimentos e associações, façam levantar a sua voz em protesto contra esta medida inconstitucional, violadora dos seus legítimos direitos e interesses".
No entender do MUSS, a atual situação é "consequência das novas medidas anunciadas pelo Governo e das velhas receitas impostas pela 'troika' internacional".
No texto, o MUSS salienta que, "desde a sua criação, que o SNS se tornou um dos alvos preferenciais de ataque dos grandes grupos económico-financeiros e das multinacionais ligados ao negócio da Saúde, contra o seu caráter universal, geral e gratuito, mesmo sendo do conhecimento geral que foi precisamente com o aparecimento do SNS que os indicadores de Saúde no país obtiveram uma evolução notória nunca anteriormente verificada, mormente no aumento da esperança de vida, na redução da mortalidade infantil e na promoção da prestação de cuidados médicos à população portuguesa".
No entanto, e apesar deste desempenho "muito positivo", verifica-se que "nos últimos anos se tem acentuado um crescente desinvestimento no SNS, gerador de vários constrangimentos, nomeadamente com o fecho de importantes unidades ligadas ao sistema e com medidas lesivas dos direitos dos profissionais médicos e enfermeiros, com sérias repercussões no acesso dos utentes à prestação de cuidados de saúde, enquanto se verifica, por outro lado, a proliferação de unidades privadas", acrescenta.
O MUSS aponta ainda "a situação de muitas famílias e idosos que, mercê do aumento constante das taxas moderadoras e do preço dos medicamentos, não conseguem aceder aos cuidados de saúde e numa altura de profunda crise social e económica imposta em que se exigiria do governo uma atenção especial para os mais desfavorecidos, surge o anúncio de mais medidas contra a Saúde".
O movimento de utentes da saúde refere-se a "um novo corte de 375 milhões de euros para o próximo ano, sem qualquer assomo de dignidade ou sensibilidade social e moral por parte deste Governo para com os portugueses que já afirmaram claramente não aceitar este rumo para o país".

JP, 19.09.12

12:08 da manhã  

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