Resistência aos antibióticos, ameaça nacional
O Governo atribuiu, no passado mês de Fevereiro, o estatuto
de programa nacional prioritário ao combate às infecções e às resistências aos
antibióticos que, desta forma, passa a integrar a lista das (até agora) oito
áreas prioritárias sob a responsabilidade da Direcção-Geral da Saúde. link
O despacho do secretário de Estado Adjunto do Ministro da
Saúde, Fernando Leal da Costa, passou quase despercebido. O que se pretende é
controlar o fenómeno preocupante do aumento das infecções hospitalares através
de uma melhor monitorização e de acções concretas que disciplinem a utilização
dos antibióticos, nomeadamente através da prescrição feita pelos médicos.
"Há uma subida preocupante destes níveis e não podemos
ficar a assistir sem fazer nada. Precisamos de acções programáticas
eficazes", justifica Francisco George, director-geral da Saúde.
"Estamos confrontados com a iminência de termos infecções que não podem
ser controladas e tratadas por antibióticos", confirma.
Apesar disto, Francisco George não subscreve os cenários
catastróficos defendidos recentemente por uma especialista do Reino Unido que
comparou esta ameaça ao terrorismo.
A influente directora médica no departamento de Saúde do
Reino Unido e conselheira do Governo britânico, Dame Sally Davies, fez um apelo
ao Governo para que inclua as resistências aos antibióticos na lista oficial de
ameaças nacionais da qual constam o terrorismo, uma pandemia de gripe ou o
perigo de inundação da zona costeira. link
O crescente aumento das resistências aos antibióticos é uma
"bomba-relógio" defendeu. E, se nada for feito, a uma escala
internacional, no prazo de vinte anos, uma simples infecção após uma pequena
cirurgia de rotina pode ser fatal. "Não será possível fazer muitos dos
nossos tratamentos para cancro ou transplantes", acrescentou.
As estimativas mais recentes sobre terrorismo divulgadas
pela União Europeia apontam para um registo de 30 mil vítimas de ataques, entre
as quais 10 mil mortes. As resistências aos antibióticos carregam um fardo bem
mais pesado. Se nos centrarmos apenas nos casos de tuberculose multirresistente
reportados, estamos a falar, segundo dados da Organização Mundial de Saúde, de
mais de 440 mil casos que causam 150 mil mortes. Por ano.
E se é impossível adivinhar o impacto de um ataque
terrorista, no caso dos antibióticos o futuro é mais do que previsível. No pior
dos cenários - se nada for feito para mudar a actual situação - corremos o
risco de recuar muitos anos na história e regressar a um tempo em que qualquer
infecção nos pode matar.
Novos antibióticos
O que fazer? A responsável de saúde britânica reclama um
investimento da indústria farmacêutica no desenvolvimento de uma nova classe de
antibióticos. "O pipeline está praticamente vazio. Desde finais da década
de 80 que não há uma nova classe de antibióticos", refere. Segundo
defende, deve ser dado um incentivo aos laboratórios, que actualmente preferem
apostar no desenvolvimento de fármacos para doenças crónicas a apostar em
antibióticos que, na maioria das vezes, são tomados por períodos de oito ou dez
dias.
Mas, afinal, como é que os antibióticos - uma das maiores
descobertas da medicina - se tornaram o "mau da fita" ou a parte mais
fraca neste retrato pessimista? A verdade é que a culpa é só nossa. O uso
indevido e excessivo dos antibióticos fez com que perdessem força na guerra que
travam com as bactérias. Tantas vezes os usamos desnecessariamente que deixam
de ser eficazes.
Nos relatórios do Sistema Europeu de Vigilância da
Resistência aos Antimicrobianos (EARS), link Portugal surge, ano após ano, no grupo dos
dez países europeus que mais consomem antibióticos. Esse consumo excessivo
será, precisamente, um dos principais alvos do programa nacional prioritário
agora criado. O plano de acção deste programa ainda não foi apresentado, mas
Francisco George adianta que um dos objectivos é "tomar um conjunto de
medidas concretas que ajudem a disciplinar a utilização de antibióticos pelos
médicos (através da prescrição) e pelos doentes".
Sabe-se que dois terços das prescrições de antibióticos são
feitos em ambulatório, fora de ambiente hospitalar, nomeadamente em centros de
saúde. O despacho do secretário de Estado da Saúde estabelece ainda que
"todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde e os demais que integrem
a rede nacional de prestação de cuidados de saúde devem garantir a existência
de uma Comissão de Controlo de Infecção (CCI) implementada no prazo de 60
dias".
Francisco George confirma a necessidade de um reforço da
monitorização que compete às CCI, mas sublinha que estas "têm de ter
importância nas unidades de saúde e ter meios, instrumentos, espaço e recursos
para cumprir a missão".
As infecções hospitalares estão a aumentar e as resistências
das bactérias aos antibióticos também. Este é um facto que constitui uma
preocupação a nível internacional. "Portugal é um dos países da UE com
maior taxa de prevalência de infecções nosocomiais [adquiridas em meio
hospitalar] (o mais recente estudo da DGS concluiu que em 9,8% dos doentes foi
identificada infecção nosocomial, mostrando uma tendência de aumento ao longo
da primeira década do século)", constata o despacho do Ministério da Saúde.
No preocupante aumento das resistências aos antibióticos,
também somos líderes, sobretudo no que se refere aos casos de infecção pela
bactéria MRSA (Staphylococcus aureus resistentes à Meticilina). "Estamos
entre os países com taxa mais elevada", lamenta José Artur Paiva, que
coordenava a comissão exclusivamente dedicada aos antibióticos e que ficará a
coordenar o agora criado Programa de Prevenção e Controlo de Infecções e de
Resistência aos Antimicrobianos.
Além dos elevados números da bactéria MRSA, Portugal também
acompanha a tendência europeia de um aumento de casos de uma resistência a
antibióticos de largo espectro (Klebsiella pneumoniae resistente a
carbapenemos, por exemplo) usados para tratar pneumonias e infecções urinárias.
Apesar de manter valores reduzidos (entre 1% e 5%), Portugal contribui para
este preocupante fenómeno registando um aumento de casos que duplica os valores
encontrados nos anos anteriores (menos de 1%).
No relatório Saúde em Números, publicado em Janeiro deste
ano pela DGS, há um capítulo dedicado às infecções nosocomiais da corrente
sanguínea (INCS) nos hospitais portugueses onde se conclui que a prevalência
aumentou de 3,2% em 1988 para 5,9% em 2010. O "aparecimento crescente de
microrganismos multirresistentes" não é a única explicação para este
aumento, mas é uma delas. No total, entre Janeiro de 2010 e Dezembro de 2011
foram registados 3744 episódios de INCS. Nos escassos dados sobre o nível de
resistência é possível verificar que em quase metade dos episódios reportados 62,4%
dos casos foram causados pela bactéria MRSA.
Um "novo impulso"
"Temos um problema internacional, com uma expressão
variável de país para país, e que em Portugal existe de forma
significativa", resume José Artur Paiva, que não abdicade fazer a
"defesa da honra" dos antibióticos: "É um património da
Humanidade, aumentou a esperança média de vida, diminuiu a mortalidade neonatal
e possibilitou a realização com sucesso de cirurgias muito complicadas como
transplantes". No entanto, apesar de não subscrever a "linguagem
desnecessária e que não é científica" de Dame Sally Davies, José Artur
Paiva considera que este património "indispensável na prática clínica está
em riscos de extinção" (sem o desenvolvimento de novas classes de
antibióticos) e que está a perder eficácia. Mas, para que todas as catástrofes
que a médica britânica anuncia acontecessem era preciso que não se fizesse mais
nada a partir deste momento. O que não é o caso, garante o especialista.
"Há uma consciência do problema e ele tem agora, em Portugal, um carácter
prioritário", nota, lembrando que as autoridades de saúde fazem uma
vigilância epidemiológica da taxa de infecções, da percentagem de alguns dos
mais importantes micro-organismos resistentes e do consumo de antibióticos.
"Queremos dar um novo impulso a esta questão. Temos um número crescente de
infecções hospitalares e não podemos ficar parados", reforça Francisco
George.
Mas além de todos os factos provados e comprovados sobre a
questão dos antibióticos na saúde das pessoas, Emídio Gomes, professor
catedrático e director da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade
Católica do Porto, fala ainda do domínio na alimentação dos animais e da
segurança alimentar. Aqui, apesar de ainda haver muito a fazer como comprovam
os escândalos mais recentes, o especialista assegura que nunca a segurança
alimentar (no que se refere ao uso de antibióticos também) foi tão controlada
como é hoje.
"As intoxicações de origem biológica caíram de níveis
aberrantes nos últimos anos", diz. O que hoje é notícia, antes era algo
que acontecia todos os dias.
Andrea Cunha Freitas, JP 17.03.12
Temos de distinguir a prescrição em ambulatório, onde Portugal figura entre os campeões de consumo de quinolonas (por exemplo) da prescrição em ambiente hospitalar onde o nosso país aparece mais próximo dos utilizadores de boas práticas (quadros).
Etiquetas: Medicamento
1 Comments:
Prevalência de Infeções Associadas a Cuidados de Saúde (IACS) adquiridas no hospital (infeção nosocomial) assim como a prevalência de infeções adquiridas na comunidade nos doentes internados. O estudo teve a participação de 97 hospitais do Continente e Ilhas incluindo 14 hospitais privados, num total de 21011 doentes. Observou-se uma taxa de prevalência de infeção nosocomial de 11,7% em 9,8% de doentes e uma taxa de prevalência de infeção da comunidade de 22,5% em 22,3% de doentes. Os serviços que apresentaram taxas mais elevadas foram as unidades de cuidados intensivos, serviços cirúrgicos e de hematologia /oncologia. As taxas estavam associadas à idade e tempo de permanência no hospital. Os principais fatores de risco extrínseco foram a presença de dispositivos invasivos. Staphylococcus spp, E. coli e Pseudomonas aeruginosa representaram 66% dos microrganismos isolados nas infeções nosocomiais e 48,9% dos doentes estavam a tomar antibióticos.
Inquérito de Prevalência de Infeção 2010link
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