Constantino Sakellarides
"Governo vai ter muita dificuldade em fazer a reorganização
hospitalar"
Constantino Sakellarides
considera que fazem falta na saúde medidas "transformativas" que
assegurem a manutenção do Serviço Nacional de Saúde. O futuro do Serviço Nacional de
Saúde está em xeque e a sua continuidade depende mais de "medidas
transformativas" do que de "cortes transversais". Quem o diz é o
presidente da Fundação para a Saúde e ex-director-geral da Saúde, Constantino
Sakellarides, que critica a falta de preparação do Governo.
O Serviço Nacional de
Saúde (SNS) tem futuro? Há condições para mantê-lo?
Todas as instituições portuguesas estão em risco. Ou a situação portuguesa e europeia se modifica ou seremos a curto prazo um País de consumidores que consomem mais ou menos aquilo que lhes oferecem, mas que não determinam o que lhes oferecem. Aqueles que não podem pagar aceitam a assistência do Estado de terceira qualidade.
A sustentabilidade do SNS passa por mais cortes de despesa?
Todas as instituições portuguesas estão em risco. Ou a situação portuguesa e europeia se modifica ou seremos a curto prazo um País de consumidores que consomem mais ou menos aquilo que lhes oferecem, mas que não determinam o que lhes oferecem. Aqueles que não podem pagar aceitam a assistência do Estado de terceira qualidade.
A sustentabilidade do SNS passa por mais cortes de despesa?
Os cortes não são sinónimo de ganhos de eficiência e muitos deles são até
sinónimo de perda de eficiência a prazo. O que precisamos é de maior eficiência
com transformação. Por exemplo, o nosso sistema de saúde é montado para agudos.
A tendência universal é dar importância ao trajecto dos doentes. Ou seja, é
importante gerir o trajecto das pessoas. O que interessa é que o trajecto seja
de tal forma desenhado que no fim do trajecto haja bons resultados com menor
preço.
A questão é que o Governo precisa de dar respostas rápidas. Tem metas e prazos a cumprir.
A principal razão não é essa. A principal razão é que não estão preparados. A qualidade do programa deste Governo é tremendamente má. Os partidos preocupam-se em adquirir o poder, mas não se preocupam em preparar para governar. Com uma boa preparação conciliariam respostas imediatas e começariam a preparar as outras medidas. Por exemplo, a reforma dos cuidados de saúde primários precisa de ser revisitada, passados 10 anos, e todas as áreas precisam de medidas de curto prazo e de medidas transformativas, mas não feitas por amadores. Paulo Macedo é uma pessoa inteligente, mas enquanto não aprende comete erros que depois não reconhece.
O ministro é amador?
É injusto dizer que o ministro é amador, mas a preparação foi amadora. A pessoa ou vai para o Governo e tem isto preparado, e consegue conciliar medidas a curto prazo com outra visão mais a prazo, ou não consegue fazê-lo em cima da guerra.
Isso é visível na questão da reorganização hospitalar, a medida mais estrutural do memorando para a saúde. Anda a marcar passo...
Pois. E não pode ser. Isso não pode estar preparado agora. Um Governo que entra tem de ter ideias sobre isso, pois precisa de uma análise cuidadosa, precisa de saber quais os comportamentos previsíveis dos actores sociais e como se ultrapassam.
Mas acha que este governo a vai conseguir levar a cabo?
Vai ter muita dificuldade.
Porquê?
Primeiro, hoje em dia não faz sentido fazer uma reforma hospitalar sem simultaneamente redesenhar o trajecto dos doentes. Há aqui um erro de concepção logo a começar. Mas há também uma coisa chamada de ciclo político: no primeiro ano consegue-se fazer, no segundo também, no terceiro com dificuldade, no quarto não se faz nada porque o Governo está muito desgastado. Daí a necessidade de preparação de um Governo. As coisas fundamentais para transformar têm de ser feitas nos dois primeiros anos. Se não consigo fazer nos dois primeiros anos, não consigo avançar.
E se lhe pedisse para elencar uma ou duas medidas positivas?
O conjunto da política do medicamento, apesar de ter deformações e os efeitos terem começado antes deste Governo, tem de ser seguido com bastante determinação e é um campo difícil. Outro aspecto importante foi o ministro da Saúde ter conseguido junto das Finanças dinheiro para amortizar dívida e isso não é fácil.
E qual a medida mais negativa?
Os cortes transversais em serviços são sempre problemáticos se não há tempo para adaptação.
A grande maioria dessas medidas está inscrita no memorando. É possível continuar a cumprir com ele?
É possível cumprir assim. Se é preciso cortar a gente corta, sem olhar para as consequências. A primeira coisa a fazer logo em 2011 era ter avaliado o impacto das medidas na saúde. Não se fez.
A qualidade do SNS baixou desde a chegada da troika?
Temos relatos que nos obrigam a pôr a questão…
Mas o ministério continua a ver isso como relatos apenas…
A resistência para o insucesso é muito grande quando há um processo de intervenção destes. Ninguém admite insucessos.
Na semana passada saíram dois estudos que mostram que o aumento das taxas não criou bloqueios ao acesso.
Mas não provam. O facto de não se conseguir comprovar o efeito não quer dizer que ele não exista. Nós sabemos que o efeito não é universal. A hipótese de partida é se há grupos da população portuguesa que são afectados.
O ministro da Saúde é um dos mais populares do Governo. A que se deve?
De uma forma geral os ministros da saúde não têm sido muito impopulares, pelo menos nos dois primeiros anos [risos]. Paulo Macedo é uma pessoa inteligente e tem boa imagem pública. As pessoas pensam que é uma pessoa interessada, inteligente, competente e com espírito de missão, portanto um ministro de qualidade. E as pessoas respeitam um ministro de qualidade mesmo que não concordem com ele. Além disso tem a fama e o proveito de ser ouvido no Governo e isso conta muito.
A sua forma de estar também ajuda?
Sim. Não está sempre a falar e quando fala dá boas notícias. Há uma estratégia de comunicação no Ministério, facilitada pelo facto de Paulo Macedo ter conseguido ir buscar dinheiro para as dívidas e ter conseguido que os cortes na saúde praticamente não se verificassem em termos reais este ano. Isto permitiu-lhe dizer que protege a saúde, o que é objectivamente verdade.
Então e defeitos?
Peca por uma certa auto-suficiência. Enche-se de convicção e as pessoas com muita convicção tornam-se menos receptivas a ouvirem. Ouve pouco aquilo que não está na caixinha e tem o inconveniente de um ministro independente. Sabe qual é? Os partidos metem-lhe a máquina à volta e ele é menos livre do que parece.
Mas isso nota-se na sua acção?
Não tenho dúvidas. Há coisas que não consegue fazer porque não tem máquina para o fazer, mas claro que não reconhece. Pode ser um ministro inteligente, mas acaba por ser puxado pela pouca inteligência do sistema que o rodeia. Os efeitos reais das suas intenções são muito menores do que ele gostaria.
Macedo está a ser o melhor ministro da Saúde dos últimos anos?
É muito difícil fazer comparações. Depende muito do contexto. Não temos tido maus ministros, o que eles não têm é uma máquina que lhes permita tomar decisões rapidamente. As transformações de fundo que precisamos para sustentar o SNS exigem um aprofundamento de decisões que não são feitas em cima do campo de batalha.
A questão é que o Governo precisa de dar respostas rápidas. Tem metas e prazos a cumprir.
A principal razão não é essa. A principal razão é que não estão preparados. A qualidade do programa deste Governo é tremendamente má. Os partidos preocupam-se em adquirir o poder, mas não se preocupam em preparar para governar. Com uma boa preparação conciliariam respostas imediatas e começariam a preparar as outras medidas. Por exemplo, a reforma dos cuidados de saúde primários precisa de ser revisitada, passados 10 anos, e todas as áreas precisam de medidas de curto prazo e de medidas transformativas, mas não feitas por amadores. Paulo Macedo é uma pessoa inteligente, mas enquanto não aprende comete erros que depois não reconhece.
O ministro é amador?
É injusto dizer que o ministro é amador, mas a preparação foi amadora. A pessoa ou vai para o Governo e tem isto preparado, e consegue conciliar medidas a curto prazo com outra visão mais a prazo, ou não consegue fazê-lo em cima da guerra.
Isso é visível na questão da reorganização hospitalar, a medida mais estrutural do memorando para a saúde. Anda a marcar passo...
Pois. E não pode ser. Isso não pode estar preparado agora. Um Governo que entra tem de ter ideias sobre isso, pois precisa de uma análise cuidadosa, precisa de saber quais os comportamentos previsíveis dos actores sociais e como se ultrapassam.
Mas acha que este governo a vai conseguir levar a cabo?
Vai ter muita dificuldade.
Porquê?
Primeiro, hoje em dia não faz sentido fazer uma reforma hospitalar sem simultaneamente redesenhar o trajecto dos doentes. Há aqui um erro de concepção logo a começar. Mas há também uma coisa chamada de ciclo político: no primeiro ano consegue-se fazer, no segundo também, no terceiro com dificuldade, no quarto não se faz nada porque o Governo está muito desgastado. Daí a necessidade de preparação de um Governo. As coisas fundamentais para transformar têm de ser feitas nos dois primeiros anos. Se não consigo fazer nos dois primeiros anos, não consigo avançar.
E se lhe pedisse para elencar uma ou duas medidas positivas?
O conjunto da política do medicamento, apesar de ter deformações e os efeitos terem começado antes deste Governo, tem de ser seguido com bastante determinação e é um campo difícil. Outro aspecto importante foi o ministro da Saúde ter conseguido junto das Finanças dinheiro para amortizar dívida e isso não é fácil.
E qual a medida mais negativa?
Os cortes transversais em serviços são sempre problemáticos se não há tempo para adaptação.
A grande maioria dessas medidas está inscrita no memorando. É possível continuar a cumprir com ele?
É possível cumprir assim. Se é preciso cortar a gente corta, sem olhar para as consequências. A primeira coisa a fazer logo em 2011 era ter avaliado o impacto das medidas na saúde. Não se fez.
A qualidade do SNS baixou desde a chegada da troika?
Temos relatos que nos obrigam a pôr a questão…
Mas o ministério continua a ver isso como relatos apenas…
A resistência para o insucesso é muito grande quando há um processo de intervenção destes. Ninguém admite insucessos.
Na semana passada saíram dois estudos que mostram que o aumento das taxas não criou bloqueios ao acesso.
Mas não provam. O facto de não se conseguir comprovar o efeito não quer dizer que ele não exista. Nós sabemos que o efeito não é universal. A hipótese de partida é se há grupos da população portuguesa que são afectados.
O ministro da Saúde é um dos mais populares do Governo. A que se deve?
De uma forma geral os ministros da saúde não têm sido muito impopulares, pelo menos nos dois primeiros anos [risos]. Paulo Macedo é uma pessoa inteligente e tem boa imagem pública. As pessoas pensam que é uma pessoa interessada, inteligente, competente e com espírito de missão, portanto um ministro de qualidade. E as pessoas respeitam um ministro de qualidade mesmo que não concordem com ele. Além disso tem a fama e o proveito de ser ouvido no Governo e isso conta muito.
A sua forma de estar também ajuda?
Sim. Não está sempre a falar e quando fala dá boas notícias. Há uma estratégia de comunicação no Ministério, facilitada pelo facto de Paulo Macedo ter conseguido ir buscar dinheiro para as dívidas e ter conseguido que os cortes na saúde praticamente não se verificassem em termos reais este ano. Isto permitiu-lhe dizer que protege a saúde, o que é objectivamente verdade.
Então e defeitos?
Peca por uma certa auto-suficiência. Enche-se de convicção e as pessoas com muita convicção tornam-se menos receptivas a ouvirem. Ouve pouco aquilo que não está na caixinha e tem o inconveniente de um ministro independente. Sabe qual é? Os partidos metem-lhe a máquina à volta e ele é menos livre do que parece.
Mas isso nota-se na sua acção?
Não tenho dúvidas. Há coisas que não consegue fazer porque não tem máquina para o fazer, mas claro que não reconhece. Pode ser um ministro inteligente, mas acaba por ser puxado pela pouca inteligência do sistema que o rodeia. Os efeitos reais das suas intenções são muito menores do que ele gostaria.
Macedo está a ser o melhor ministro da Saúde dos últimos anos?
É muito difícil fazer comparações. Depende muito do contexto. Não temos tido maus ministros, o que eles não têm é uma máquina que lhes permita tomar decisões rapidamente. As transformações de fundo que precisamos para sustentar o SNS exigem um aprofundamento de decisões que não são feitas em cima do campo de batalha.
JN
11 Julho 2013
Etiquetas: Entrevistas
1 Comments:
Há nesta entrevista uma frase lapidar: "Todas as instituições portuguesas estão em risco"...
Só que as instituições - entre elas o SNS - não se colocam per si em risco. São os 'centros de decisão' que as catapultam para essas situações. E nestas circunstâncias é pretensioso querer ficar de fora.
Na verdade, é 'isso' que a equipa de Paulo Macedo continua a esforçar-se por mascarar.
E basta ler atentamente a entrevista para entender toda a tragédia que está subjacente.
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