segunda-feira, julho 21

Novo ciclo de investimento na Saúde


Necessário um novo ciclo de investimento na Saúde- conclusão de estudo sobre caminho a seguir pós-troika
Voltar a investir na saúde é urgente, de forma a recuperar da «lógica do puxa e afrouxa dos programas de ajustamento» trazidos pela troika. Esta é uma das conclusões do estudo levado a cabo pela associação Inodes, que alerta para questões como o desemprego e a emigração dos profissionais de saúde, entre outras.
Não há grande volta a dar. Perante o estado em que o sector da Saúde se encontra, em virtude do impacte causado pela intervenção estrangeira e os programas de ajustamento, «o País precisa de um novo contrato económico e social que inclua o investimento em Saúde». A conclusão está bem patente no estudo «Cortar ou investir na saúde? Novo contrato económico e social para o pós troika», levado a cabo pela Associação de Inovação e Desenvolvimento da Saúde Pública (Inodes) e que foi apresentado no passado dia 8, em Lisboa.
Os autores do estudo - Constantino Sakellarides, Aranda da Silva e Helda Azevedo -- analisaram vários trabalhos e estatísticas sobre o tema e concluíram pela necessidade urgente de se «iniciar um novo ciclo de investimento na saúde».
No final da apresentação do estudo coube a Adalberto Campos Fernandes, que também integra a direcção da Inodes, tecer alguns comentários sobre as conclusões partilhadas. Para o professor da Escola Nacional de Saúde Pública, «nos últimos três anos o Ministério da Saúde fez um exercício de pura deambulação política», simplesmente por «não saber o que fazer». E daqui terá resultado a situação a que se chegou hoje, que o estudo dá conta e que Adalberto Campos Fernandes sintetiza desta forma: «Quando o Governo se perde e a oposição não se encontra temos uma tempestade perfeita e deambulamos todos».
O antigo presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de Lisboa Norte chamou ainda a atenção para a «falsa mensagem de esperança» que, no seu entender, se «gosta» de transmitir actualmente, mas que não passa de uma «narrativa de conforto». «A narrativa oficial decretou que tudo está a correr bem na Saúde, e quem diz o contrário ou está a “fazer política” ou “contra” o Governo», constatou.
Em relação ao conceito de «valor em Saúde», a que tantos recorrem, Adalberto Campos Fernandes foi irónico, arrancando gargalhadas à plateia: «O valor em saúde é como o SNS: é o que um homem quiser.» E explicou que este valor depende de quem fala nele, seja profissional de saúde, cidadão ou Indústria Farmacêutica, por exemplo. Já a terminar, disse que «temos de ser capazes de olhar para a Saúde como uma área de investimento com humanidade», sendo que «humanidade não é só conforto nos hospitais». «Políticas públicas sem humanidade são um grande equívoco», concluiu.
Investir com sentido ético
Na sessão de abertura participou Paula Almeida, vogal do conselho directivo do Infarmed, que sublinhou a necessidade de se investir na Saúde «com sentido ético». «Toda a gente sabe que uma sociedade saudável será sempre uma sociedade mais produtiva e seguramente alavancadora de recuperação económica», afirmou.
Anda assim, e numa alusão indirecta aos medicamentos inovadores recentemente disponibilizados para tratar patologias como a hepatite C, lembrou que «a inovação deve apresentar um preço justo e adequado, mesmo quando se destina a poucos doentes, sem pôr em risco a sustentabilidade do SNS».
E reconhecendo que «a necessidade aguça o engenho» acabou por admitir que o contexto de crise e contenção económica em que o País tem vivido acabou por contribuir para «corrigir algumas discrepâncias que precisavam de ser ajustadas».
Constantino Sakellarides, um dos autores do estudo, marcou também presença no evento, tendo analisado os motivos por que não é possível investir em Saúde actualmente em Portugal. Nas suas palavras, e de acordo com o trabalho efectuado, a situação verifica-se não só em Portugal e resulta de uma «clara incapacidade de fazer previsões correctas», nomeadamente em relação ao PIB. E mesmo quando, em relação aos «programas de ajustamento», como aqueles que se verificam em países como Portugal e Grécia, as discrepâncias nas previsões foram detectadas, nunca foram feitas nenhumas correcções. Este facto, na sua opinião, é «surpreendente».
Lê-se nas conclusões do estudo do Inodes, e Sakellarides reforçou, que «com a actual crise económica e financeira tem-se registado um desinvestimento na saúde». Imperando, sobretudo, uma lógica de ajustamento financeiro que assenta em «puxar intensa e abruptamente e relaxar só quando é inevitável», o que «impede a harmonização das políticas públicas e ignora os custos sociais dos ajustamentos».
Coube a Helda Azevedo, economista da Faculdade do Porto que também contribuiu para a realização do estudo, focar a «perda de capital humano por parte dos países em “ajustamento”», o que se traduz em desempego e emigração nas profissões da saúde. De acordo com os autores do trabalho, esta realidade tem-se verificado «nos últimos anos» mas é «ignorada no debate e configuração das políticas públicas nacionais e europeias».
Por seu turno, Aranda da Silva, actual responsável do Inodes, partilhou as conclusões do estudo com os presentes, frisando que o trabalho levado a cabo é, acima de tudo, «uma porta aberta para aprofundar a questão», deixando no ar o convite a que esta temática venha a ser desenvolvida e debatida com mais profundidade e análise no futuro.
No site da Inodes -– link –- encontra-se disponível um resumo executivo do estudo.
Condições para um novo contrato económico e social
A realização de um novo contrato económico e social é, pois, necessário, segundo os autores do estudo. Mas para que possa ser concretizado, três condições devem ser cumpridas. Desde logo, que haja «ampla aceitação social» da situação do País e dos factores que a têm determinado, antecipando vários cenários possíveis para o período 2015-2019. Em segundo lugar, que haja um «consenso nacional alargado sobre as condições e os passos necessários para um grau aceitável de harmonização das políticas públicas». E, por fim, «impõe-se uma nova geração de estratégias de saúde», sendo importante que estas «se articulem com outras políticas públicas e que tenham uma forte expressão e mobilização local à volta da ideia de que a aspiração ao bem-estar e a prosperidade económica são duas faces da mesma moeda».
Andreia Vieira , Tempo Medicina

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