Novo ciclo de investimento na Saúde
Necessário um
novo ciclo de investimento na Saúde- conclusão de estudo sobre caminho a seguir pós-troika
Voltar a
investir na saúde é urgente, de forma a recuperar da «lógica do puxa e afrouxa
dos programas de ajustamento» trazidos pela troika. Esta é uma das conclusões
do estudo levado a cabo pela associação Inodes, que alerta para questões como o
desemprego e a emigração dos profissionais de saúde, entre outras.
Não há grande
volta a dar. Perante o estado em que o sector da Saúde se encontra, em virtude
do impacte causado pela intervenção estrangeira e os programas de ajustamento,
«o País precisa de um novo contrato económico e social que inclua o
investimento em Saúde». A conclusão está bem patente no estudo «Cortar ou
investir na saúde? Novo contrato económico e social para o pós troika», levado
a cabo pela Associação de Inovação e Desenvolvimento da Saúde Pública (Inodes)
e que foi apresentado no passado dia 8, em Lisboa.
Os autores do
estudo - Constantino Sakellarides, Aranda da Silva e Helda Azevedo --
analisaram vários trabalhos e estatísticas sobre o tema e concluíram pela
necessidade urgente de se «iniciar um novo ciclo de investimento na saúde».
No final da
apresentação do estudo coube a Adalberto Campos Fernandes, que também integra a
direcção da Inodes, tecer alguns comentários sobre as conclusões partilhadas.
Para o professor da Escola Nacional de Saúde Pública, «nos últimos três anos o
Ministério da Saúde fez um exercício de pura deambulação política»,
simplesmente por «não saber o que fazer». E daqui terá resultado a situação a
que se chegou hoje, que o estudo dá conta e que Adalberto Campos Fernandes
sintetiza desta forma: «Quando o Governo se perde e a oposição não se encontra
temos uma tempestade perfeita e deambulamos todos».
O antigo
presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de Lisboa Norte
chamou ainda a atenção para a «falsa mensagem de esperança» que, no seu
entender, se «gosta» de transmitir actualmente, mas que não passa de uma
«narrativa de conforto». «A narrativa oficial decretou que tudo está a correr
bem na Saúde, e quem diz o contrário ou está a “fazer política” ou “contra” o
Governo», constatou.
Em relação ao
conceito de «valor em Saúde», a que tantos recorrem, Adalberto Campos Fernandes
foi irónico, arrancando gargalhadas à plateia: «O valor em saúde é como o SNS:
é o que um homem quiser.» E explicou que este valor depende de quem fala nele,
seja profissional de saúde, cidadão ou Indústria Farmacêutica, por exemplo. Já
a terminar, disse que «temos de ser capazes de olhar para a Saúde como uma área
de investimento com humanidade», sendo que «humanidade não é só conforto nos
hospitais». «Políticas públicas sem humanidade são um grande equívoco»,
concluiu.
Investir com
sentido ético
Na sessão de
abertura participou Paula Almeida, vogal do conselho directivo do Infarmed, que
sublinhou a necessidade de se investir na Saúde «com sentido ético». «Toda a
gente sabe que uma sociedade saudável será sempre uma sociedade mais produtiva
e seguramente alavancadora de recuperação económica», afirmou.
Anda assim, e
numa alusão indirecta aos medicamentos inovadores recentemente disponibilizados
para tratar patologias como a hepatite C, lembrou que «a inovação deve
apresentar um preço justo e adequado, mesmo quando se destina a poucos doentes,
sem pôr em risco a sustentabilidade do SNS».
E
reconhecendo que «a necessidade aguça o engenho» acabou por admitir que o
contexto de crise e contenção económica em que o País tem vivido acabou por
contribuir para «corrigir algumas discrepâncias que precisavam de ser
ajustadas».
Constantino
Sakellarides, um dos autores do estudo, marcou também presença no evento, tendo
analisado os motivos por que não é possível investir em Saúde actualmente em
Portugal. Nas suas palavras, e de acordo com o trabalho efectuado, a situação
verifica-se não só em Portugal e resulta de uma «clara incapacidade de fazer
previsões correctas», nomeadamente em relação ao PIB. E mesmo quando, em
relação aos «programas de ajustamento», como aqueles que se verificam em países
como Portugal e Grécia, as discrepâncias nas previsões foram detectadas, nunca
foram feitas nenhumas correcções. Este facto, na sua opinião, é
«surpreendente».
Lê-se nas
conclusões do estudo do Inodes, e Sakellarides reforçou, que «com a actual
crise económica e financeira tem-se registado um desinvestimento na saúde».
Imperando, sobretudo, uma lógica de ajustamento financeiro que assenta em
«puxar intensa e abruptamente e relaxar só quando é inevitável», o que «impede
a harmonização das políticas públicas e ignora os custos sociais dos
ajustamentos».
Coube a Helda
Azevedo, economista da Faculdade do Porto que também contribuiu para a
realização do estudo, focar a «perda de capital humano por parte dos países em
“ajustamento”», o que se traduz em desempego e emigração nas profissões da
saúde. De acordo com os autores do trabalho, esta realidade tem-se verificado
«nos últimos anos» mas é «ignorada no debate e configuração das políticas públicas
nacionais e europeias».
Por seu
turno, Aranda da Silva, actual responsável do Inodes, partilhou as conclusões
do estudo com os presentes, frisando que o trabalho levado a cabo é, acima de
tudo, «uma porta aberta para aprofundar a questão», deixando no ar o convite a
que esta temática venha a ser desenvolvida e debatida com mais profundidade e
análise no futuro.
No site da
Inodes -– link –- encontra-se
disponível um resumo executivo do estudo.
Condições para um novo
contrato económico e social
A realização
de um novo contrato económico e social é, pois, necessário, segundo os autores
do estudo. Mas para que possa ser concretizado, três condições devem ser
cumpridas. Desde logo, que haja «ampla aceitação social» da situação do País e
dos factores que a têm determinado, antecipando vários cenários possíveis para
o período 2015-2019. Em segundo lugar, que haja um «consenso nacional alargado
sobre as condições e os passos necessários para um grau aceitável de
harmonização das políticas públicas». E, por fim, «impõe-se uma nova geração de
estratégias de saúde», sendo importante que estas «se articulem com outras
políticas públicas e que tenham uma forte expressão e mobilização local à volta
da ideia de que a aspiração ao bem-estar e a prosperidade económica são duas
faces da mesma moeda».
Andreia
Vieira , Tempo Medicina
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