domingo, dezembro 28

Saude, 2014 em revista (2)

A quadratura do círculo: subfinanciamento, falências técnicas, despesas, custos e dívidas…
O fim do ano é muitas vezes tempo de fazer contas à vida e corrigir trajectórias. O SNS tem vivido tempos espartilhado por rígidas e cegas restrições orçamentais em prejuízo das concepções políticas e sociais. Nesse ínterim que, não sendo novo, se acentuou dramaticamente nos últimos 4 anos, para além de medidas várias que colocam em risco o seu futuro, foi coleccionado dívidas fruto de sucessivos subfinanciamentos ditados, como tem sido frequentemente denunciado, primeiro por estratégias políticas urdidas à volta do conceito ideológico de ‘menos Estado, melhor qualquer coisa’ e, na política orçamental, consubstanciados por uma catadupa de cortes.
Verifica-se aqui uma estranha perversão. É como se estivéssemos perante um incendiário que primeiro deita fogo à casa para depois vestir as vestes de bombeiro e aparecer a tentar dominá-lo, transformando-se assim num salvífico ‘benemérito’. Tantas vezes se fará este ‘exercício’ que um dia a casa arderá. Trata-se da epistolar mania incendiária justificativa de posteriores intervenções (na maioria dos casos ‘privatizações’).
Na realidade, seria bom conhecermos – neste momento – quanto do capital social dos Hospitais EPE está por realizar ou deveria ter sido ‘injectado’ se acaso existisse a intenção de consolidar o SNS. No início do mandato (Setembro de 2011) o actual ministro calculou que os Hospitais EPE necessitariam de 3.000 M€ em aumentos de capitais para resolver os problemas acumulados durante os anos da transição de SPA, para SA e finalmente para EPE. link. Para o cidadão comum, latu sensu, o utente, que fiscalmente suporta todas estas ‘engenharias financeiras’, o trajecto de transformação dos Hospitais do SPA para SA e posteriormente EPE é um nebuloso enigma e assume características de um logro. Ninguém conhece qual o limite dos capitais estatutários, nem os critérios que determinam o seu montante. No início do processo existiu – e essa sensação ficou bem nítida – o intuito de afastar os Hospitais do perímetro orçamental contabilizável, para camuflar défice público. Mas esse tempo findou e a rábula mantém-se.
Estas caóticas imagens e as múltiplas contradições que o processo foi gerando condicionam os ciclópicos trabalhos que têm sido desenvolvidos pela equipa residente na João Crisóstomo em relação ao SNS. E os malabarismos prosseguem com o contínuo alimentar de uma enorme falácia. Não existiu, nem há vontade (política) explícita para o fazer, qualquer movimento que se possa conotar com o aumento de capitais HH’s EPE a fim de clarificar o factor de sustentabilidade. Isso seria visto como investimento no SNS, um serviço público e considerado ‘blasfémia’.
As dívidas do SNS crescem e tornaram-se um problema recorrente capaz de produzir profundos danos na prestação de cuidados, não porque existam erros de gestão subjacentes, ou atitudes de laxismo dos profissionais em relação a desperdícios (frequentemente invocados mas não referenciados). Na realidade, o problema existe porque a cúpula dirigente enveredou pelo tal subfinanciamento crónico e aditivo que pretende disfarçar e encobrir para, mais tarde e face ao descalabro anunciado, aparecer exibindo pragmáticas ‘soluções salvadoras’ que passam pelo abandono das funções prestadoras em favor de entidades privadas.
O que anunciou o Ministro da Saúde na sequência da aprovação do OE 2015 e quis integrar na quadra natalícia para simular um caritativo ‘bodo aos pobres’?
“Paulo Macedo esclareceu que o reforço de 456 milhões de euros não é um perdão de dívida - à semelhança do que aconteceu este ano - logo, não será totalmente canalizado para saldar dívidas a fornecedores. …
De acordo com dados do próprio ministério, a dívida do SNS no terceiro trimestre deste ano situava-se nos 1.779 euros, mas a previsão é que desça para os 1.429 milhões até ao final do ano. Isto mesmo terá sido prometido à missão da troika que está em Lisboa para a monitorização pós-programa de ajustamento, disse Paulo Macedo”. link.
O pagamento das dívidas vencidas e/ou o aumento de capital social dos Hospitais EPE pomposamente declarados em ‘falência técnica’ tornou-se um expediente crónico para o MS proceder a todo o tipo de tropelias.
Em 2014, foram ‘injectados’ (como reforço do capital social) 451 M€ e no 3º. trimestre deste ano verifica-se que a dívida aos fornecedores voltou a sofrer um agravamento (desvio de - 175 M€)  link.
Com as dotações orçamentais para o SNS insuficientes e a caírem de ano para ano (em 2015 existe um saldo negativo nominal de 746 M€ - a despesa pública prevista do SNS é de 8.629 M€ e a transferência do OE de 7.883 M€  link), a gestão com a lei dos compromissos ‘à perna’, o que será de esperar para o próximo ano?
Mais do mesmo. Ou seja, o cíclico levantar do espantalho da sustentabilidade financeira encobrindo deliberadamente um subfinanciamento crónico, ardiloso e ‘programado’.
Por outro lado, a consequência directa e previsível deste modelo de financiamento é o endividamento progressivo e necessariamente o aumento de custos. Já não é possível continuar a endossar responsabilidades à vaga e indefinida rubrica dos desperdícios (desde 2011 a despesa caiu à volta de 15% link)
Mas existem outras ‘consequências’. Na verdade, para além do carrossel de dívidas que gera, o subfinanciamento, i. e., a suborçamentação sistemática, é um (não o único!) dos factores determinantes dos fracassos sucessivos de qualquer reforma hospitalar (como na prática se tem verificado) e de eventuais descontrolo das contas, pois o ‘navegar à vista’ no âmbito de uma gestão condicionada só pode conduzir a más decisões e erráticas execuções.
Todavia, na passada e considerando o caminho que falta percorrer, para completar o onírico quadro pré-eleitoral devem aparecer Passos Coelho e Paulo Macedo (a ordem será arbitrária) como uns ‘salvíficos protectores’ do SNS a cavalo de urgentes ‘rectificativos’ destinados a tapar recorrentes ‘buracos’, mas sem qualquer reflexo nos Orçamentos posteriores. Uma pescadinha de rabo na boca.
Pelo meio teremos de encaixar a promessa, feita por Passos Coelho, na discussão do OE 2015, de acabar com as dívidas dos Hospitais EPE até ao final da legislatura link. Acredita quem quiser (e serão poucos), mas o objectivo – com o actual Orçamento de Estado – é inverosímil. O que está de acordo com a postura governamental de maquilhar (‘torturar’) até onde puder a realidade e moldar a verdade.
Isto é, prepara-se no campo do SNS, mais um embuste que floresce à sombra das próximas eleições legislativas, na esteira idênticas propostas salvíficas feitas em 2011 cujo desenvolvimento posterior conhecemos (e sofremos na pele). Uma armadilha estafada.
Esta a monumental alucinação para aonde estão, mais uma vez, a ser empurrados os utentes do SNS, tratados como se fossem uns incautos e como se já não tivessem vivido a rábula dos prometidos cortes nas ‘gorduras do Estado’, sem mexer nos vencimentos, nas pensões, no 13º. mês, nos subsídios de férias e de Natal, etc. …
Trata-se de uma dívida política (paralela às dos hospitais EPE) que ainda não foi cobrada. Dispõe – aparentemente - de um período de carência de 9 meses (data provável das próximas legislativas). Altura em que serão feitos os balanços e contabilizados os créditos.

E-Pá!

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