Paulo Macedo, não deixa saudades
Representantes
do sector analisam prestação do ministro
A pouco mais de seis meses do final da legislatura e das
eleições legislativas, «Tempo Medicina» propôs aos vários representantes de
instituições da área da Saúde, bem como a um observador atento e informado, uma
reflexão sobre a política e a conduta de Paulo Macedo, como líder do Ministério
da Saúde. Embora as opiniões sejam
naturalmente divergentes, os aspectos negativos superam de longe o que de
positivo teve o seu mandato
«Como a avalia a prestação de Paulo Macedo como líder do Ministério da
Saúde? O que destaca de positivo e negativo no seu mandato?»
Carlos Cortes, presidente do
Conselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos
«O legado do Dr. Paulo Macedo é ter desumanizado a Saúde» «O
desempenho do titular da pasta da Saúde caracterizou-se mais pelo seu papel de
empresário da saúde do que propriamente pelas suas preocupações pelos doentes
ou pelas condições do trabalho dos profissionais. Concentrou-se, quase em
exclusividade, nas questões financeiras e esqueceu as preocupações essenciais
de um sistema público de saúde: o acesso aos cuidados de saúde, a equidade no
atendimento e os meios necessários para a prevenção, o diagnóstico e o
tratamento. A degradação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) é de tal ordem que
lançou milhares de médicos para a emigração, para a aposentação e para as
unidades privadas. Concomitantemente, os hospitais e centros de saúde
alistaram-se numa luta diária por adquirir meios de diagnóstico básico ou
medicação adequada para os seus doentes. Acrescento, aliás, que houve uma
importante poupança na área da Saúde que serviu para equilibrar o deficit de
outros ministérios prejudicando a sustentabilidade e o desenvolvimento do SNS.
Os cortes na Saúde, muito além do programado e desejado, puseram em causa a
confiança que os portugueses depositavam num sistema considerado como dos
melhores do mundo. Hoje, a grande perda do SNS é a sua humanização. As
estatísticas de números de consultas e cirurgia, as pressões exercidas sobre os
médicos, os programas informáticos disfuncionais, a ausência de dignificação do
trabalho dos médicos afastam, a passos largos, a Medicina do doente. Temos de
relevar a excepcional capacidade de trabalho e empenho dos médicos e dos outros
profissionais de saúde em condições tão adversas. O legado do Dr. Paulo Macedo
é ter desumanizado a Saúde e mercantilizado o seu funcionamento. Com graves
consequências para os profissionais de saúde e para os seus doentes.»
Rui Nogueira, presidente da
Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar
Ministro «não tem qualquer orientação estratégica clara para
a Saúde em Portugal» «Excluindo a tentativa frustrada de uma melhor gestão (o
maior controlo económico, incentivo ao mercado dos genéricos e a informatização
de alguns processos e actividades) não é fácil encontrar pontos positivos neste
mandato do ministro Paulo Macedo. Quanto aos negativos, a lista é imensa, desde
logo a falta de comunicação com os médicos de família e APMGF, a estagnação das
carreiras médicas, o drama que se instala em todos os concursos de MGF (o
concurso que abriu em Fevereiro passado está estagnado), a falta de
sensibilidade pela acessibilidade dos utentes com a centralização dos
hospitais, a falta de planeamento a longo prazo, o aumento do número de vagas
para o Internato de MGF que põe em causa a formação dos futuros MF e a
tentativa do regresso dos clínicos gerais. Também a pontuar de forma negativa
está a desvalorização e o desrespeito pelo trabalho do médico, com redução de
salários ou tentativa de transferência das actividades específicas para outros
grupos profissionais (até as receitas deixaram de dizer médico!). Depois, a
APMGF destaca a total estagnação e desinvestimento na reforma dos CSP, a
desqualificação dos cuidados de saúde de proximidade (o regresso da figura de clínico geral é um atentado!) e a
aberração de listas de 1900 utentes para todos. Em suma, Paulo Macedo não
planeia, reage depois de muita denúncia (injecção de capital nos hospitais,
contratação de pessoal, demissões hospital S. João, etc.) e o que é exigido aos
médicos é prestar cuidados de saúde de qualidade ao mais baixo preço. A
Associação conclui, por isso, que o ministro da Saúde não tem qualquer
orientação estratégica clara para a saúde em Portugal a não ser fazer cortes
cegos que colocaram/colocam em risco a saúde dos portugueses. Com um SNS
diminuto sem grande qualidade confrontado com hospitais privados e com uma
política de saúde neoliberal os médicos de MGF sentem-se em contraciclo.»
Marta Temido, presidente da
APAH
«Procurou-se o controlo da despesa pública mas não a reforma
da despesa pública» «A governação do Ministério da Saúde enfrentou, no último
quadriénio, um dos mais adversos contextos económicos de que há memória na
história do SNS. Os condicionalismos do PAEF dominaram as opções políticas do
actual executivo. A Saúde não foi excepção. Como tal, as virtudes e os pecados
que possam ser assacados às políticas da UE e do FMI são semelhantes aos
imputáveis às políticas para o sector.
Procurou-se o controlo da despesa pública mas não se procurou a reforma
da despesa pública. Não foi uma originalidade portuguesa. Análises sobre a
avaliação das respostas das políticas de saúde europeias à crise financeira convergem
na identificação do recurso a medidas de melhoria da eficiência, mais ou menos
bem-sucedidas, mas também na referência a que não se aproveitou o momento para
acrescentar valor, através de políticas dirigidas à efectiva melhoria do estado
de saúde das populações. E é esse, não outro, o objectivo dos sistemas de
saúde. Para os utentes, o aspecto mais
positivo deste ciclo radicou, provavelmente, na capacidade de redução da
despesa com medicamentos, sem afectar o consumo, obtendo um impacto positivo no
orçamento das famílias e no orçamento do SNS; o ponto mais negativo, e de
efeitos ainda não inteiramente observáveis, terá sido o aumento das despesas
out of pocket (especialmente das taxas moderadoras). Para os administradores hospitalares, o
aspecto mais negativo foi, inequivocamente, a perda de autonomia no exercício
profissional; como o mais positivo poderá ser identificado o desenvolvimento de
um conjunto de ferramentas de gestão, como o benchmarking hospitalar, e o
aprofundamento de algumas modalidades de financiamento, como o pagamento por
doente tratado em algumas doenças oncológicas.»
Alberto Abreu da Silva,
presidente da ANEM
«O Ministério da Saúde podia ter feito mais» para melhorar a formação médica «No que respeita ao garante da saúde, a ANEM acredita que Portugal ainda apresenta um excelente serviço à sua população. Assim, à parte das recentes notícias que enumeram várias situações, em que os serviços de saúde não demonstram o seu maior potencial, há ainda um longo caminho a percorrer na formação médica em Portugal. Esta melhoria não passa necessariamente por uma alteração das metodologias de ensino, quer universitário, quer pós-graduado, mas sim por um planeamento integrado da formação médica nestas duas valências. E, aqui, o Ministério da Saúde podia ter feito mais. Actualmente existe um desperdício de recursos na formação médica que se repercute numa diminuição das condições pedagógicas das escolas médicas e um excesso de recém-graduados que não contribui para a melhoria da saúde em Portugal. Quer a ANEM, quer a Ordem dos Médicos têm alertado para este problema há anos, sem que tenham existido adaptações por parte do Ministério da Saúde e da Educação com vista à sua resolução, que passaria por um planeamento integrado da formação médica em Portugal. Estamos, em última instância, a falar da qualidade da saúde, pois este excesso de estudantes de Medicina coloca, por um lado, centenas de doentes em situações desconfortáveis nos vários hospitais afiliados a escolas médicas e, por outro, augura a existência de médicos indiferenciados, porque a capacidade de formação especializar recém-graduados em Portugal alcançou, virtualmente, o seu limite. Esperamos então que deste governo transite para o futuro um conjunto de recomendações que permitam contornar esta problemática, que se assume como a maior preocupação da ANEM relativamente à saúde em Portugal.»
«O Ministério da Saúde podia ter feito mais» para melhorar a formação médica «No que respeita ao garante da saúde, a ANEM acredita que Portugal ainda apresenta um excelente serviço à sua população. Assim, à parte das recentes notícias que enumeram várias situações, em que os serviços de saúde não demonstram o seu maior potencial, há ainda um longo caminho a percorrer na formação médica em Portugal. Esta melhoria não passa necessariamente por uma alteração das metodologias de ensino, quer universitário, quer pós-graduado, mas sim por um planeamento integrado da formação médica nestas duas valências. E, aqui, o Ministério da Saúde podia ter feito mais. Actualmente existe um desperdício de recursos na formação médica que se repercute numa diminuição das condições pedagógicas das escolas médicas e um excesso de recém-graduados que não contribui para a melhoria da saúde em Portugal. Quer a ANEM, quer a Ordem dos Médicos têm alertado para este problema há anos, sem que tenham existido adaptações por parte do Ministério da Saúde e da Educação com vista à sua resolução, que passaria por um planeamento integrado da formação médica em Portugal. Estamos, em última instância, a falar da qualidade da saúde, pois este excesso de estudantes de Medicina coloca, por um lado, centenas de doentes em situações desconfortáveis nos vários hospitais afiliados a escolas médicas e, por outro, augura a existência de médicos indiferenciados, porque a capacidade de formação especializar recém-graduados em Portugal alcançou, virtualmente, o seu limite. Esperamos então que deste governo transite para o futuro um conjunto de recomendações que permitam contornar esta problemática, que se assume como a maior preocupação da ANEM relativamente à saúde em Portugal.»
Germano Couto, bastonário da
Ordem dos Enfermeiros
«Foram tomadas decisões ruinosas no que toma à emergência
pré-hospitalar» «A prestação do ministro da Saúde foi globalmente positiva. É
alguém de fora da área da Saúde que soube dirigir um dos ministérios cujas
medidas têm maior impacto na vida dos portugueses. Não é simples gerir uma
estrutura tão complexa, tão dispersa e com diferenças nas lideranças e nas
práticas clinicas e organizacionais tão marcadas, principalmente num momento de
crise. Os pontos positivos que identificamos foi o combate à fraude, cujo
sucesso é inegável; a promoção de genéricos e a redução de despesa do Estado e
das famílias com medicamentos; o controlo da derrapagem dos gastos públicos com
a saúde, ao mesmo tempo que foi possível ir pagando dívidas remanescentes.
Devemos ainda acrescentar a aprovação do diploma do enfermeiro de família, cuja
processo de implementação ainda irá demorar. Os pontos negativos prendem-se com
o facto de não ter sido capaz de alterar o acesso dos cidadãos a consultas
rápidas que respondam aos seus problemas emergentes, ainda que muitos destes
não sejam urgentes. Esta situação, que foi visível com a recente sobrelotação
dos serviços de Urgência, é antiga, mas foi agravada com o encerramento de
respostas locais alternativas. Não conseguiu igualmente realizar alterações
estruturais nos serviços de saúde que permitissem que os resultados em saúde
fossem os verdadeiros indicadores da produção do SNS e de financiamento. No âmbito do Ministério da Saúde,
nomeadamente com os secretários de Estado, foram tomadas decisões ruinosas no
que toca à emergência pré-hospitalar que colocam em causa a segurança das
pessoas e em que a Ordem dos Enfermeiros teve de intervir judicialmente na
defesa dos cidadãos. O planeamento de recursos humanos em saúde e a
rentabilização das competências dos diferentes profissionais, entre os quais os
enfermeiros e enfermeiros especialistas, foram igualmente pontos negativos do
mandato deste Ministério».
Bernardo Vilas Boas,
presidente da AN-USF
João Almeida Lopes, presidente da Associação Portuguesa da
Indústria Farmacêutica
«Desde 2011 que a Cadeia de Valor do Medicamento foi
claramente eleito o principal alvo para a redução da despesa do Estado na Saúde
e o resultado das várias medidas aplicadas foi a redução do preço dos
medicamentos em Portugal para valores abaixo da média europeia. Também, através
dos protocolos assinados entre a Apifarma e o Ministério da Saúde, as empresas
farmacêuticas contribuíram directamente para a redução da despesa do Estado com
cerca de 800 milhões de euros. O curto prazo em que se reduziu o valor do
mercado de medicamentos em Portugal, a par das contribuições extraordinárias
das empresas e da manutenção de valores elevados de dívida por parte dos
hospitais públicos, colocaram graves constrangimentos à actividade das empresas
farmacêuticas. Embora a Apifarma
reconheça o esforço do Governo em, nomeadamente no último ano, tentar reduzir o
valor da dívida dos hospitais públicos, o seu carácter estrutural, e que motiva
o contínuo crescimento, mantém-se. E vai manter-se enquanto os hospitais não
forem financiados de acordo com as necessidades dos doentes que acolhem. Por
outro lado, o nivelamento dos preços dos medicamentos para valores abaixo da
média europeia gera novos problemas para os doentes portugueses, como a falta
de medicamentos nas farmácias, devido à sua reexportação para países onde o seu
preço é mais atractivo.»
Tempo Medicina, 27.03.14
Etiquetas: Paulo Macedo
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home