sábado, novembro 12

SNS, a desmoronar-se

SNS Hospitais sem dinheiro para equipamentos. Gestores denunciam falta de camas, aparelhos de TAC ou de ressonância. Doentes esperam ou vão ao privado.  
Nos hospitais há dificuldades de aquisição e de renovação de camas, ressonâncias magnéticas, TAC, meios de diagnóstico em gastroenterologia ou até nas ecografias para grávidas”, denuncia Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares. O alerta surge em vésperas da discussão do orçamento da Saúde no Parlamento, segunda-feira, para que o ministro Adalberto Campos Fernandes não esqueça que “é urgente tratar a questão”. A incapacidade de manter os meios necessários tem uma consequência imediata: “Os profissionais não conseguem utilizar os equipamentos e os doentes não têm acesso”, garante o gestor. A demora não poupa até quem não pode esperar. “Na oncologia há uma eternidade entre a suspeita de cancro e o início do tratamento”, garante Alexandre Lourenço. 
 À Ordem dos Médicos têm chegado exemplos de falhas. “O que se está a passar nas áreas tecnológicas é dramático”, afirma o bastonário, José Manuel Silva. Um dos casos recentes é a inexistência de camas para separar doentes com infeções hospitalares no Garcia de Orta, em Almada, denunciada esta semana pelo “i”. “O SNS está a desmoronar-se”, avisa. 
 No Hospital de Beja a falta de verbas para repor aparelhos obrigou a cessar as mamografias e as ecografias mamárias e a enviar as doentes para o privado. “Os equipamentos têm-se degradado e não é possível assegurar a realização interna de todos os exames. É o caso da mamografia, tendo as utentes de ser referenciadas para os sectores convencionado ou privado em Beja. E as ecografias mamárias também estão condicionadas”, reconhece a presidente da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, Margarida da Silveira. A responsável admite ainda falhas nas tomografias. “O aparelho de TAC tem constantes avarias, que têm sido reparadas. Quando está avariado, os doentes são referenciados para os convencionados e privados ou para o Hospital de Évora, de noite e aos fins de semana.” 
 No Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, o diretor da Radiologia demitiu-se. “Vetos de gaveta sucessivos, querer médicos e não ter resposta, médicos jovens a irem embora, renovações de equipamentos sem resposta porque ‘não há cabimentação orçamental’ e decidi sair”, explica Caseiro Alves. O também presidente da Sociedade Portuguesa de Radiologia e Medicina Nuclear, não tem dúvidas no diagnóstico: “Os equipamentos estão velhos, são insuficientes, não garantem uma boa prestação clínica e a lista de espera aumenta, a capacidade está esgotada e é um problema gravíssimo.” Em Coimbra, um doente internado chega a esperar sete dias para fazer um exame e “isto não pode acontecer”. As consequências da falta de equipamento só não desastrosas porque “em Portugal conseguimos conjugar muito bem o verbo desenrascar e os doentes acabam por ir fazendo os exames”, ironiza Caseiro Alves. A solução requer dinheiro, mas também mais médicos e melhor organização. 
 O valor do investimento para equipar devidamente o SNS está por apurar, mas só na unidade de Beja, por exemplo, um aparelho de TAC, um raios-X convencional e um portátil, dois ecógrafos e uma estação digital de mamografia têm um custo previsto de quase 1,3 milhões de euros. “São precisos fundos comunitários, planos de utilização de equipamentos e responsabilização e isto consegue-se com reorganização”, diz o gestor Alexandre Lourenço. 
 O ministro tem prometido soluções e em 2017 terá mais 353 milhões de euros do que este ano. “Os contratos-programa serão reforçados de modo a permitir retomar uma estratégia de recuperação e de desenvolvimento dos meios técnicos disponíveis, com particular enfoque no interior do país, e sempre que aplicável feito recurso aos fundos comunitários”, adianta o gabinete de Adalberto Campos Fernandes. No plano organizativo, “será possível a criação de Centros de Responsabilidade Integrada que permitirão dar respostas mais adequadas com modelos de incentivos ligados ao desempenho”. E, “finalmente, o lançamento dos novos equipamentos hospitalares para uma modernização tecnológica sem precedentes”. 
Jornal Expresso, 12 de Novembro de 2016 
 Novos relatos preocupantes sobre o estado do SNS. Enquanto os privados anunciam novos investimentos quase todos os dias. 
«Os hospitais privados assumem-se como parceiros ativos do sistema português de Saúde. Segundo os mais recentes dados do INE, os hospitais privados asseguram cerca de 30% das camas de internamento do país e mais de 30% das consultas médicas nas consultas externas dos hospitais.» in mensagem do novo presidente da APHP, curiosamente ex-secretário de estado da saúde do governo Sócrates. link 
As urgências crescem nos hospitais públicos link e privados link devido às dificuldades crescentes do SNS e a proliferação de seguros de saúde. link 
Em 2015 a ADSE, um das grandes fontes de financiamento do sector privado, pagou 225,7 milhões de euros a 26 grupos privados de saúde (cerca de 71% dos pagamentos da ADSE do regime de convencionado). À Luz Saúde (controlado por chineses) coube 75 milhões do bolo (cerca de 23% de todos os pagamentos do regime convencionado da ADSE). link 
Com tudo a favor não espanta que o volume de negócios do sector privado da saúde tenha crescido mais do dobro em dez anos: em 2005 era de 750 milhões de euros, no ano passado chegou a 1750 milhões de euros. 
Perante este cenário o que faz o ministro da Saúde? Fala, fala, fala. Desdobra-se em intervenções, entrevistas e mais entrevistas aos meios de comunicação social. Idas sucessivas à AR. Para explicar o que toda a gente já compreendeu. ACF não está à altura dos acontecimentos. Não tem preparação, firmeza, nem convicção para delinear, levar a cabo uma política capaz de suster a crise profunda do nosso serviço público.
Clara Gomes

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