Empresarialização dos Hospitais
Estou com os que acham que a reforma do nosso Sistema de Saúde e a sustentabilidade de um SNS exige profundas reformas nas quais se inclui um novo modelo de gestão das unidades de saúde (hospitais e outras). Modelo esse de que não tem que se excluir a empresarialização, entendida como um modelo gestionário da moderna Administração Pública. Não se confunda, porém, empresarialização com privatização. E sob este ponto de vista nada impede que o modelo seja SA ou EPE. Num caso como noutro, ou até mesmo no modelo SPA, o Estado poderá sempre alienar ou não os estabelecimentos de saúde ou cometer a sua gestão a entidades privadas. Porém, não será a já badalada hipótese de "falência" das SA's que dará necessariamente lugar à privatização. Sendo o Estado o único accionista, cabe-lhe, sempre, financiar os défices dessas empresas e fá-lo-á se entender que as mesmas se devem manter totalmente Públicas. De resto os "credores" dos SPA's (cujas dívidas acumuladas são enormes e se calhar nem todas se conhecem!)não estão impedidos de exigir, pelas vias judiciais, o pagamento acompanhado da penhora de bens, sendo, como creio que são, os SPA's organismos dotados de personalidade jurídica.
E certamente o Estado não deixará de dotar os mesmos com as verbas necessárias à satisfação dos compromissos financeiros assumidos. Ou estarei enganado?
Por outro lado, são conhecidos casos de sucesso do modelo empresarial em vários países e não temos que ter complexos. Devemos procurar aprender com as experiências dos outros e procurar recolher ensinamentos para não cometermos os mesmos erros. Mas devemos evoluir de acordo com a realidade de um Estado-Providência em crise, de um modelo social europeu que nasceu e se desenvolveu num contexto sócio-económico e geopolítico diferente e que por isso carece de ser reformado. O que não significa (nem deve significar) abandono puro e simples.
Isto tudo para dizer o seguinte: não me surpreende que o "Gestor" Dr. Manuel Delgado acredite nas vantagens de uma medida estruturante como a transformação dos HH em SA's. O que me surpreende, ou talvez não, é que em tão pouco tempo o "AH" Dr. MD tenha mudado de ideias. Seria interessante "postar" aqui algumas das suas declarações de há um ou dois anos, para vermos as diferenças. No entanto, e para evitar ser injusto, também tenho ideia de que o que o "AH" Dr. MD mais criticou não foi o modelo SA como tal mas a nomeação dos gestores (que lhe deviam ter merecido, penso, mais respeito). De resto alguns dos AH que eram contra os SA's, desde que foram nomeados por CC, passaram exactamente a ter um comportamento semelhante ao de MD (não serão é tão notados publicamente).
tonitosa
E certamente o Estado não deixará de dotar os mesmos com as verbas necessárias à satisfação dos compromissos financeiros assumidos. Ou estarei enganado?
Por outro lado, são conhecidos casos de sucesso do modelo empresarial em vários países e não temos que ter complexos. Devemos procurar aprender com as experiências dos outros e procurar recolher ensinamentos para não cometermos os mesmos erros. Mas devemos evoluir de acordo com a realidade de um Estado-Providência em crise, de um modelo social europeu que nasceu e se desenvolveu num contexto sócio-económico e geopolítico diferente e que por isso carece de ser reformado. O que não significa (nem deve significar) abandono puro e simples.
Isto tudo para dizer o seguinte: não me surpreende que o "Gestor" Dr. Manuel Delgado acredite nas vantagens de uma medida estruturante como a transformação dos HH em SA's. O que me surpreende, ou talvez não, é que em tão pouco tempo o "AH" Dr. MD tenha mudado de ideias. Seria interessante "postar" aqui algumas das suas declarações de há um ou dois anos, para vermos as diferenças. No entanto, e para evitar ser injusto, também tenho ideia de que o que o "AH" Dr. MD mais criticou não foi o modelo SA como tal mas a nomeação dos gestores (que lhe deviam ter merecido, penso, mais respeito). De resto alguns dos AH que eram contra os SA's, desde que foram nomeados por CC, passaram exactamente a ter um comportamento semelhante ao de MD (não serão é tão notados publicamente).
tonitosa
Caro tonitosa, gostei do seu comentário.
No entanto, parece-me que há ainda uma discussão por fazer neste país. A empresarialização, tout court. Sim, porque começámos por fazer uma coisa apenas por ser moda. Maria vai com as outras. Nunca houve um debate nem antes nem depois sobre as vantagens e os inconvenientes da empresarialização. Para quando este debate? Porque não começa-lo aqui?
1º- Empresarialização: o que deve entender-se por este conceito? Não vem no dicionário. O que significa: tornar empresa o que não é? Porque é que os hospitais SPA não são uma empresa. O que lhes falta, então? 2º O que recobre o termo: um hospital passa a ser uma empresa se assumir apenas a forma de empresa, basta tão só poder utilizar métodos e técnicas de gestão empresarial, ou terá de asumir ambas as características? Neste caso, um hospital SPA a que fosse dada a possibilidade de utilizar regras e técnicas de gestão empresarial passaria a ser um hospital empresarializado ou não?
2º- Confronto entre as vantagens da flexibilidade de gestão e os inconvenientes do enfraquecimento do interesse público;
3º- Haverá mesmo empresarialização dos hospitais ou tão só uma «fuga para o direito privado»? Onde está a autonomia de gestão dos hospitais, pedra angular de qualquer empresa?
4º- Pode a Administração Pública alguma vez deixar de o ser? Não será a ausência de administração pública, entendida no sentido maxweberiano do termo (a boa burocracia)típica dos países sem Estado, dos países do terceiro-mundo, causa principal da corrupção, da ausência de regras,dos compadrios, da decisão pela cor dos olhos e do cabelo. Não era Voltaire quem dizia que a forma era irmão gémea da liberdade (donde, a ausência de forma, de regras, de princípios de gestão, á luz dos quais nasceu a democracia e a liberdade, um perigo de retorno à idade das trevas?. Não deveríamos discutir estas questões à luz, também, das preocupações de Dahrendorf, quando, no seu livro A Quadratura do Círculo (edições 70), questiona como combinar a coesão social e liberdade política. «Desenvolvimento económico na liberdade política, mas sem coesão social, ou desenvolvimento económico e coesão social privados de liberdade política: será esta alternativa que as sociedades modernas terão de enfrentar?», pergunta ele)
5º- Porque não, discutir estas questões também à luz da literatura e dos relatos recentes que lá por fora tem vindo a ser publicados/feitos e nem todos a favor do hospital- empresa;
6º- Por último, porque não faze-lo também à luz dos dados, informações e estudos que têm vindo a ser publicados? Porque não fazer um estudo (pelo método Delphi?)junto dos actores mais informados dos hospitais empresarializados (administradores, médicos, enfermeiros, técnicos.
Faça-se um debate, porque o que temos vindo a fazer (todos, responsáveis do Ministério incluídos) não é nada. É puro amadorismo.
vivóporto
No entanto, parece-me que há ainda uma discussão por fazer neste país. A empresarialização, tout court. Sim, porque começámos por fazer uma coisa apenas por ser moda. Maria vai com as outras. Nunca houve um debate nem antes nem depois sobre as vantagens e os inconvenientes da empresarialização. Para quando este debate? Porque não começa-lo aqui?
1º- Empresarialização: o que deve entender-se por este conceito? Não vem no dicionário. O que significa: tornar empresa o que não é? Porque é que os hospitais SPA não são uma empresa. O que lhes falta, então? 2º O que recobre o termo: um hospital passa a ser uma empresa se assumir apenas a forma de empresa, basta tão só poder utilizar métodos e técnicas de gestão empresarial, ou terá de asumir ambas as características? Neste caso, um hospital SPA a que fosse dada a possibilidade de utilizar regras e técnicas de gestão empresarial passaria a ser um hospital empresarializado ou não?
2º- Confronto entre as vantagens da flexibilidade de gestão e os inconvenientes do enfraquecimento do interesse público;
3º- Haverá mesmo empresarialização dos hospitais ou tão só uma «fuga para o direito privado»? Onde está a autonomia de gestão dos hospitais, pedra angular de qualquer empresa?
4º- Pode a Administração Pública alguma vez deixar de o ser? Não será a ausência de administração pública, entendida no sentido maxweberiano do termo (a boa burocracia)típica dos países sem Estado, dos países do terceiro-mundo, causa principal da corrupção, da ausência de regras,dos compadrios, da decisão pela cor dos olhos e do cabelo. Não era Voltaire quem dizia que a forma era irmão gémea da liberdade (donde, a ausência de forma, de regras, de princípios de gestão, á luz dos quais nasceu a democracia e a liberdade, um perigo de retorno à idade das trevas?. Não deveríamos discutir estas questões à luz, também, das preocupações de Dahrendorf, quando, no seu livro A Quadratura do Círculo (edições 70), questiona como combinar a coesão social e liberdade política. «Desenvolvimento económico na liberdade política, mas sem coesão social, ou desenvolvimento económico e coesão social privados de liberdade política: será esta alternativa que as sociedades modernas terão de enfrentar?», pergunta ele)
5º- Porque não, discutir estas questões também à luz da literatura e dos relatos recentes que lá por fora tem vindo a ser publicados/feitos e nem todos a favor do hospital- empresa;
6º- Por último, porque não faze-lo também à luz dos dados, informações e estudos que têm vindo a ser publicados? Porque não fazer um estudo (pelo método Delphi?)junto dos actores mais informados dos hospitais empresarializados (administradores, médicos, enfermeiros, técnicos.
Faça-se um debate, porque o que temos vindo a fazer (todos, responsáveis do Ministério incluídos) não é nada. É puro amadorismo.
vivóporto
Etiquetas: Vivóporto
3 Comments:
A análise do vivóporto vai no sentido das que tem feito anteriormente.
O texto do tonitosa é que nos surpreende.
Quem o viu e quem o vê !
Há indubitavelmente a registar francos progressos.
Mais solto e tolerante.
Até parece um AH.
É caso para dizer: junta-te aos bons ...
A criação do mercado da Saúde é um eufemismo para designar o processo de privatização em marcha.
O LFP neste matéria era muito mais claro. Lançar os hospitais empresarializados no âmbito do Direito Privado, prontinhos a serem tomados pelos credores privados (entenda-se os Bancos).
CC resolveu desacelerar o processo mandando avançar em primeira linha as PPP da Saúde.
A breve trecho vamos ter uma dúzia de hospitais públicos de gestão privada.
Os restantes serão transformados em HH EPE. Com o desenvolvimento do processo os mais eficientes transitaram naturalmente para os empresários privados com coquepite ou sem coquepite.
A posição do vivóporto, independentemente da qualidade dos seus textos está a milhas da realidade, fiel a um ideal de hospital público que mesmo em França sofrerá profundas reformas.
Ao ricardo
Surpreendido porquê?
Na verdade sempre estive aqui com espírito crítico (é este afinal o objectivo do blogg) mas com honestidade e transparência. Desde início expressei a minha discordância com teses "extremistas" em matéria de saúde, sejam elas relativas ao modelo gestionário dos HH sejam relativas à forma e princípios a observar na nomeação dos dirigentes. E mantenho a mesma posição. Sempre entendi que a empresarialização nada tem a ver com privatização. Sou dos que defendo que a Administração Pública é tão eficiente e eficaz como as empresas privadas sendo até verdade que estas, muitas vezes só sobrevivem à custa de expedientes e subsídio-dependência.
Os meios, a organização e o modelo de gestão é que são diferentes mas a par das "falhas do Estado" também existem e não podem ser menosprezadas as "falhas do mercado". Se os privados fossem o modelo perfeito, se oe gestores privados fossem tão capazes quanto se apregoa, então como se explicaria que tantas empresas vivam em crise e entrem em falência?!
O Estado-Providência segundo o modelo social europeu não precisa de provar nada. Já demonstrou a sua capacidade para promover a igualdade e a coesão social. Mas está defacto em crise (e são muitos os textos que defendem a ideia de que sempre esteve em crise, desde a sua criação) mas tal não deve conduzir ao seu abandono puro e simples. Em matéria de saúde sempre entendi que a mudança de SA para EPE é muito mais um caso de "slogan político" do que uma medida de política publica (sendo, como são as SA's, SACEP) e não faz sentido dizer-se como fez CC que o modelo EPE impede a privatização.
Só mais uma nota, sem pretenciosismo: quem ler os meus comentários sucessivos talvez perceba que não mudei tanto como diz. Mas meu caro, modestamente assumo que "só os burros não aprendem". Prezo-me de trabalhar há muito tempo na AP e nas áreas sociais e sempre defendi o Serviço Público como espírito de Missão.
Por isso tenho muita dificuldade em aceitar as "críticas" que os governantes "nos fazem" sempre que se trata de questões orçamentais, fazendo crer que são os funcionários públicos os causadores das dificuldades fianceiras do Estado, mas esquecendo-se de olhar para eles próprios e as suas mordomias.
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