domingo, fevereiro 26

O futuro do SNS


1. - As recentes declarações do ministro da saúde, António Correia de Campos, sobre o modelo de financiamento do SNS, devem constituir pretexto para os Portugueses efectuarem uma reflexão sobre a importância do Serviço Nacional de Saúde.
A saúde é um bem de consumo especial, diferente dos demais, pois está associado á vida humana cuja qualidade depende do acesso e da qualidade dos serviços de saúde, sendo por isso absolutamente necessária a protecção do estado para assegurar este direito.
Universalidade e equidade de acesso aos cuidados de saúde, princípios, segundo os quais, qualquer cidadão, independentemente do seu estatuto socio- económico, tem direito à prestação dos cuidados de saúde, na altura em que deles necessita, assegurados por uma rede nacional de instituições financiadas pelo estado, permitiu a realização dos objectivos mais efectivos de justiça social da sociedade portuguesa.
A Constituição da República Portuguesa, prevê “que todos têm direito à protecção da saúde” (art.º 64, nº1), sendo este direito garantido “através do serviço nacional de saúde universal e geral ” (art.º 64, nº2, al.a ). A criação do Serviço Nacional de Saúde, constituiu nesta perpectiva, o elemento chave do processo de democratização da sociedade portuguesa.

2. – A saúde é considerada um dos negócios estratégicos do séc. XXI.
Temos assistido desde há anos à canalização de muito investimento proveniente dos impostos pagos pelos portugueses, que poderia ser aplicado no aperfeiçoamento do Serviço Nacional de Saúde, para o desenvolvimento da actividade privada da saúde.
Todos sabemos que o sector privado pretende alcançar uma posição dominante no mercado da saúde e impôr as suas regras de jogo, traduzidas no aumento rápido dos custos dos serviços de saúde, fazendo vingar o princípio de “quem quiser saúde terá de a pagar". A consagração deste princípio levará à exclusão de milhares de portugueses do acesso aos cuidados por falta de recursos.
Neste contexto, o projecto de construção de novos hospitais em regime de parceria público privado (PPP) foi uma formula encontrada pelo poder político para fazer acelerar este processo.

CC, na oposição, em entrevista ao Diário Económico (19.04.04), criticava rudemente a política de saúde de LFP, alertando os cidadãos portugueses: "a selecção adversa está no princípio e vai avançar como nódoa de azeite no papel mata-borrão. O sistema está montado com incentivos à produção artificial. Se não se equaciona o financiamento por acto em função da intensidade de cuidados a selecção adversa vai avançar".
Agora que é ministro da saúde e, ao que parece, depois de a selecção adversa ter deixado de constituir um perigo, pressionado pela comissão europeia, CC parece ter descoberto a fórmula mágica para resolver o problema do financiamento do SNS: pôr os portugueses a pagar (50% e 25%) os cuidados de saúde.
Cabe-nos repudiar esta solução. O mandato político resultante da maioria absoluta obtida pelo PS nas últimas eleições legislativas não inclui, certamente, a liquidação do SNS.

6 Comments:

Blogger MBA said...

As declarações de Correia de Campos, no seminário sobre o financiamento dos hospitais, não foram felizes. O ministro quis, ao que parece, lançar a discussão ao mesmo tempo que garantia que as despesas iam ser controladas e que, portanto, a discussão que estava a lançar seria desnecessária (é costume dizer-se que quem tudo quer, tudo perde, e neste caso é mesmo verdade).

Mas o problema central é: se o maior Orçamento de sempre para a Saúde (que quase toda a gente disse ser realista e adequado) não chegar, quais são as alterações necessárias, possíveis, ou aceitáveis? Quais são as alterações ao financiamento que estamos dispostos a fazer, enquanto sociedade, se é que queremos mudar alguma coisa.

Estamos dispostos a permitir que as despesas na Saúde sejam cobertas sucessivamente por Orçamentos rectificativos? Preferimos aumentar as taxas moderadoras para que os que mais têm, mais paguem?
Queremos que os utentes escolham se estão no SNS ou apenas num subsistema privado?

As respostas a estas questões determinam o tipo de sociedade que queremos.

PS - Já agora, aproveito para dar os parabéns aos autores do blogue, esses anónimos tão badalados no sector...

6:05 da tarde  
Blogger ricardo said...

Temos o Xavier de volta com este excelente post.
CC sabe que a situação só está controlada até 2007.
O caminho mais fácil é a imitação do HNS, ou seja, a ca+itulação do nosso SNS.

9:25 da tarde  
Blogger helena said...

Há coisas com que não se brinca.
O Serviço Nacional de Saúde é uma delaS. Seja qual for a INTENÇÃO.

Quando era oposição CC tecia loas às virtualidades do SNS, que era da melhor prata e, apesar dos atropelos do LFP, bastaria um pequeno lustro para voltar a brilhar.
Agora que é ministro da Saúde quer mandar o SNS para a fundição para vender a prata aos privados.
É caso para dizer que o senhor ministro com a verdade nos engana !

9:26 da manhã  
Blogger tonitosa said...

Infelizmente o SNS não garante aos cidadãos o pleno acesso e a qualidade dos serviços de saúde.
Não garante o acesso e muito menos a equidade porque, como sabemos, enquanto houver listas de espera no SNS, haverá sempre uns que têm mais e melhor acesso do que outros.
Uns, porque são abastados, até dispensam o SNS; outros, menos abastados, podem mesmo assim e com elevados sacrifícios, recorrer à medicina privada; outros, ainda, bem relacionados (e para além da sua condição económica) conseguem a ajuda de alguém amigo que lhes abre portas no SNS; finalmente os eternos sacrificados continuam a não ter acesso (ou acesso adequado) ou porque não tem meios económicos ou porque, coitados, são pobres/excluídos e ninguém lhes "passa cartão".
Depois o SNS não garante, de um modo geral, um serviço de qualidade e muito menos de qualidade igual para todos. Quem tem meios pode sempre recorrer a "todos os meios" diponibilizados pela ciência e "estado da arte", quem não tem, sujeita-se. E até no atendimento somos todos diferentes. Uma alta personalidade entra num Hospital e tudo são atenções. Desde a Urgência até ao Internamento tudo é diferente no tratamento de um VIP. E VIP's há muitos!
A letra da Lei não tem correspondência na vida real e nem sequer o seu espírito. E até o conceito de gratuitidade começa a ver a sua "tendência" posta em causa.
A criação do SNS não passou, nesta perspectiva (na minha perspectiva) de uma medida de longo alcance mas que continua longe de satisfazer os objectivos que presidiram à sua criação.
Por razões várias, que não precisam de ser repetidas, sabemos que as despesas da Sáude tiveram e (continuam a ter?) um acentuado crescimento, e outra coisa não se poderia esperar. Se o sistema se "socializou", se a cobertura de cuidados se democratizou, se as técnicas evoluiram, se novas patologias foram sendo abrangidas, se a educação/mentalidade dos portugueses os levou a encarar de forma mais preventiva a assistência na saúde; se tudo isto, como sabemos, aconteceu (e acontece) seria um milagre que as despesas do sistema não se expandissem.
O SNS não é defacto o que todos desejamos que fosse, mas nas actuais condições e nível de vida dos Portugueses não se vê como possa ser sujeito a uma dimensão minimalista. Como já muitos de nós aqui escrevemos o sistema carece de revisão, de ajustamentos, de melhor gestão, de melhorias a nível de eficácia e eficiência. E cremos que pode na verdade ser melhorado. E a Saúde é, provavelmente, daquelas "áreas" que deve ser beneficiária de maiores recursos (se de todo em todo os actuais se mostrarem insuficientes)em detrimento de outras menos "universais".
Mas será que Portugal gasta na verdade mais com a saúde do que alguns países europeus tomados como termo de comparação?
Eu creio que não. E algumas comparações não me perecem representativas, podendo mesmo ser enganadoras.
E uma das variáveis que me parece padecer daquele mal é a percentagem das Despesas de Saúde em percentagem do PIB.
Como refere o Dino_Sauro, Portugal tem das mais elevadas despesas totais em saúde em percentagem do PIB. Ora na verdade uma análise mais rigorosa tem que nos levar a considerar outros factores. Desde logo as despesas de saúde de uma sociedade (num sistema universal) estão fortemente associadas ao desenvolvimento social, no qual pesam os hábitos alimentares, as condições de higiene, salubridade e habitabilidade, o poder de compra dos indivíduos e famílias, a educação/formação para a saúde e o grau de desenvolvimento da medicina preventiva. Estes factores,(e outros que se poderão acrescentar) muitos deles externos ao Sistema de Saúde, contribuem de forma acentuada para o incremento das despesas de saúde. Realce-se aquilo que todos sabemos que acontece em Portugal em matéria de acidentes de trabalho e redoviários e de dieta alimentar, levando muita gente a recorrer ao internamento hospitalar e consumo de medicamentos e serviços. Realcem-se, também o número elevado de pessoas que ainda hoje habitam em bairros de barracas ou em habitações sem adequadas condições de protecção contra o frio/calor, saneamento e águas canalizadas, com maior exposição à doença. E o elevado número de cidadãos que vivem com um rendiemnto abaixo do limiar de pobreza e impossibilitados de adoptarem comportamentos preventivos da doença.
São causas que levam, naturalmente a que em Portugal, quando comparadas em termos de PIB, as despesas de Saúde sejam relativamente elevadas, mas não se pode avaliar o nosso SNS por essa via (ou só por essa via, como pretendem alguns).
Depois, como também refere o Dino_Sauro, se a comparação se fizer em termos de despesas de saúde per capita (e paridade de poder de compra) já a situação é "mais favorável" (??) a Portugal. Mais favorável com duas interrogações, porque tal parece ser o resultado de uma inadequada cobertura de que o País ainda enferma e que (dino_sauro dixit) tenderão a exigir mais gastos em saúde.
Quando comparamos os custos "per capita" e os relacionamos com a "eficácia" ou qualidade dos cuidados, também devemos ser cuidadosos nas comparações. Com a devida vénia, permito-me citar o exemplo referido pelo colega Dino_Sauro. A Espanha gasta apenas mais 2,1% p.c. em Saúde que Portugal. Para uma avaliação adequada dos dois sistemas teríamos que começar por uma análise mais detalhada. Que resultará de uma comparação por patologias? E de uma comparação por grupos de risco? E por classes etárias?
Independentemente da exactidão dos valores referidos pelo colega (o Plano Nacional de Saúde 2004-2010 em www.dgsaude.min-saude.pt/pns/ apresenta valores de 77,1 para a esperança de vida à nascença em Portugal em 2001) a diferença de esperança de vida pode ter a ver exactamente com factores externos como os que acima referi. E tanto assim poderá ser quanto a taxa de mortalidade infantil parece não ser diferente nos dois países.
Vem tudo isto a propósito da repetida tendência para fazer comparações nomeadamente com os países e a média da UE em termos de despesas públicas, comparando muitas vezes dados conseguidos em realidades diferentes e dum modo geral desfavoráveis a Portugal. E essa comparações tanto surgem por parte dos nossos governantes como daqueles a quem interessa pôr em causa os Serviços Públicos.
E veja-se o que se passa quando a comparação se faz entre as contribuições dos OE's dos vários países (in Dino_Sauro) o que parece mesmo "desligitimar" as "ameaças" de Correia de Campos.
Ao Xavier e ao Dino_Sauro temos que agradecer os respectivos textos. Era bom que CC, FR e CP tivessem tempo para os ler ou que, pelo menos o seu "batalhão" de assessores o fizesse e deles lhes desse notícia.

10:36 da tarde  
Blogger xavier said...

Ao MB e Dino Sauro os nossos agradecimentos.
Aproveito para agradecer uma vez mais aos comentadores da SaudeSA os grandes obreiros desta coluna de discussão de Temas da Saúde.
Um abraço

11:50 da tarde  
Blogger tonitosa said...

Amigo Dino_Sauro,
Admiti, obviamente que houvesse lapso, pois tinha ideia de que o nosso índice era melhor e mais próximo do espanhol. Por isso o fui confirmar, nomeadamente no pns onde já o tinha visto. De resto é um valor que é apresentado pelo INE.
Mas, como se verifica, não eram os valores em si que interessavam ao meu raciocínio.
Um abraço.

1:08 da manhã  

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