Capitação ou Capitulação ?
Ultimamente muito se tem falado sobre Unidades Locais de Saúde (ULS) e financiamento dos cuidados de saúde por capitação. Sendo temas importantes para o futuro do SNS aqui deixo 4 questões para estimular a discussão.
1ª- Financiamento por capitação ?
O financiamento é um instrumento, não a solução mágica de que resultará o equilíbrio do sistema de saúde. O financiamento apenas substitui o mercado/sistema de preços viabilizando a oferta e o seu ajustamento à procura de cuidados, não substitui a racionalização do SNS ou a “boa” gestão das suas unidades. O financiamento deve ser o que melhor corresponde ao sistema de saúde e aos objectivos que o Estado pretende atingir – diferentes sistemas e políticas de saúde utilizam, naturalmente, diversos sistemas de financiamento (configurações, pelo menos).
1ª- Financiamento por capitação ?
O financiamento é um instrumento, não a solução mágica de que resultará o equilíbrio do sistema de saúde. O financiamento apenas substitui o mercado/sistema de preços viabilizando a oferta e o seu ajustamento à procura de cuidados, não substitui a racionalização do SNS ou a “boa” gestão das suas unidades. O financiamento deve ser o que melhor corresponde ao sistema de saúde e aos objectivos que o Estado pretende atingir – diferentes sistemas e políticas de saúde utilizam, naturalmente, diversos sistemas de financiamento (configurações, pelo menos).
O actual sistema de financiamento, caracterizado por contratos com as entidades produtoras de cuidados, ajusta-se à estrutura e ao papel desempenhado pelas diferentes unidades, organizadas em rede de CP e HH – não há rede de “outros cuidados de saúde”. O sistema funciona com incentivos para produzir: “mais é melhor”.
O financiamento por capitação (ajustada à população residente) supõe a integração vertical (unidades de diferente tipo, ex. CP e HH) numa entidade ou, no mínimo, soluções estáveis de integração virtual em entidade do tipo HMO. Quando os doentes recorrem a outros prestadores o beneficiário do financiamento paga os cuidados ao prestador, o que constitui um incentivo para aquele cativar os doentes com serviços de qualidade em tempo oportuno.
Neste sistema a entidade financiada é incentivada a produzir e gastar menos, “menos é melhor”, desejavelmente mantendo a população saudável e basicamente através de 3 mecanismos de actuação:
i. Aumentar a oferta de promoção da saúde e de prevenção da doença (meios com maior eficácia-custo);
ii. Promover uma maior coordenação e continuidade de cuidados (inter-unidades), como meio de reduzir custos e melhorar a qualidade da resposta clínica;
iii. Gerir a procura, com maior utilização de cuidados de proximidade (CP, continuados, sociais; “hospital ao domicílio”) substituindo cuidados inapropriados e controlando o acesso a Serviços sofisticados (ex. HH).
A alternativa neste sistema será adiar/racionar a oferta de determinados serviços o que, a ser detectado, conduzirá a penalizações e, não o sendo, gerará procura de outros serviços mais convenientes se os houver (concorrentes), o que penalizará a entidade financiada. A sub-utilização poderá não ser fácil de detectar porque estará mais difusa, localizada preferencialmente nos CP e não em HH (listas de espera, onde seria facilmente identificada).
Os benefícios essenciais deste sistema não são a maior ênfase na promoção e prevenção, os quais podem ser conseguidos por mecanismos mistos de regulamentação (obrigatoriedade de realizar um mínimo para poder aceder ao contrato) e de incentivo (pagar determinados actos e intervenções adicionais). São sim os decorrentes da pressão que impõe sobre a designada integração clínica e sobre a gestão de procura (ii e iii).
Porque este sistema pressupõe a integração vertical importa analisar a sua viabilidade e justificação no momento actual em Portugal.
2ª- Integração de CP e Hospitais?
A organização do SNS pode variar, entre outros, em: forma de organização (ex. por tipo de cuidados); propriedade dos meios de produção (ex. nacional ou local); autonomia da gestão/grau de centralização da decisão (ex. funcionamento como empresas ou como Serviços); maior ou menor articulação entre unidades.
A experiência/grau de maturidade e as condições concretas de funcionamento dos subsistemas de cuidados – ex. hospitais (HH) ou cuidados primários (CP) – aconselham opções diversas de organização e gestão do SNS. Ora os CP vivem em Portugal situação difícil, que prejudica a sua afirmação e eficácia plenas, fruto de alguns problemas iniciais/de carreira e de muitos anos de reformas adiadas em que se verificou contínuo reforço de orientação para profissionais mais que para as necessidades da população e para a coordenação de cuidados.
Parece por isso essencial começar por reforçar a sua credibilidade e prestígio (reafirmar), garantir total autonomia e capacidade para orientar e coordenar o tratamento dos seus doentes, ao mesmo tempo que, com a reforma dos CS/USF, se expandirá a oferta (maior quantidade e maior leque de serviços) e se promoverá a eficiência e acessibilidade em toda a rede. A promoção voluntarista de integração vertical enfraquece a posição dos CP e tenderá a reforçar apenas o hospitalocentrismo e a manter o desequilíbrio na distribuição actual de recursos, de que é exemplo o rácio, manifestamente excessivo, de médicos hospitalares/ de CP.
A produção de saúde de boa qualidade exige a cooperação e a integração dos diversos tipos de cuidados. A integração pode ocorrer em 2 modalidades distintas:
a)- Integração vertical – criação de uma entidade com gestão comum e poder efectivo sobre as unidades integradas (ex. 3 CS e 2 HH);
b)- Integração virtual – constituição de uma rede de entidades ou instituições autónomas suportada por contratos estáveis, com vista a assegurar: continuidade de cuidados; cooperação e prestação de serviços;
(integração horizontal: quando sob a mesma entidade ou gestão se reúnem duas ou mais unidades do mesmo tipo, antes autónomas, por ex., integração dos HH de Viana e Ponte de Lima)
No SNS verifica-se normalmente integração virtual com maior ou menor integração clínica e logística, mantendo a autonomia e capacidade de gestão das unidades (CP, HH) que estabelecem livremente os seus contratos, subordinados apenas ao orçamento e às regras técnicas/de “boa prática”. Os CP garantem o comando do sistema orientando os doentes para os prestadores com a melhor relação qualidade-tempo/custo, garantindo assim dois incentivos positivos para o Sistema:
– Tratar tão próximo do local de residência quanto possível e controlar a utilização de meios sofisticados;
– Incentivo para prestadores de cuidados diferenciados melhorarem continuamente o serviço prestado.
A integração vertical é suposto facilitar:
i. Integração clínica e eliminação de actos desnecessários ou inapropriados;
ii. Sinergias e ganhos de eficiência nomeadamente em: logística (farmácia, esterilização, aprovisionamento, manutenção e transportes); administrativa (informação, facturação, MKT e gestão); MCDT.
Porém as experiências nos EUA não comprovaram os substanciais ganhos antecipados pelos teóricos de gestão – diversas unidades conhecerem mesmo a falência no esforço de ganharem a escala mítica que ambicionavam. Resultado que não surpreende considerando a especial dificuldade que reveste a integração vertical em saúde:
– Complexidade da gestão dos hospitais isoladamente (como Peter Drucker reconheceu há décadas);
– Múltiplas unidades com diferentes práticas, valores e culturas (muitas unidades de CP e HH), frequentemente com dispersão geográfica e dando resposta a populações com características diferentes;
– Tendência para maior centralização, isolamento e burocratização da gestão, perdendo-se a motivação, o empenho e o incentivo para melhores decisões locais e para responsabilização em cada unidade.
Com a integração vertical ficará ainda seriamente limitada a liberdade de escolha e, desse modo, os incentivos para melhorar emanados dos CP. Reduz-se também o controlo/validação que a relação cliente-fornecedor confere podendo haver tendência para hospitalocentrismo e certa sobranceria hospitalar (agora que deixou de haver risco de perder doentes e financiamento).
3ª- Portugal: Integração vertical onde?
Estaremos nós em posição para conseguir melhores resultados da integração vertical em Portugal?
a)- Por experiência? Em Portugal conhece-se apenas uma experiência (HPH) com resultados dúbios: parece ter havido integração administrativa/logística e de MCDT mais que clínica; hospital classificado nos últimos lugares no “tableau de bord” de eficiência dos SA;
b)- Por superioridade de gestão? Mesmo esquecendo as limitações da gestão pública (face à privada que prevalece nos EUA), não consta que a gestão hospitalar seja superior em Portugal ou que tenha maior capacidade, sendo em contrapartida verdade que temos sérias limitações de conhecimento e experiência em áreas vitais para a implementação de integração vertical (ex. sistemas de informação; incentivos; gestão da mudança e integração de culturas diferentes);
c)- Por melhor enquadramento/regulação? Convém lembrar alguns aspectos: H. Amadora-Sintra e “quem deve a quem”; em 3 anos não se conseguiu concretizar um sistema de incentivos nos HH; ERS está há anos para funcionar; questões no licenciamento e auditoria de unidades privadas e sociais; Serviços do SNS funcionando sem as mínimas condições em ternos de saúde pública; etc.
Acresce que nalgumas áreas a integração vertical em Portugal iria conduzir a situação de chegada caracterizada por:
– Completo monopólio de saúde, de direito e de facto (CP e HH);
– Coincidência de esforços de integração vertical com horizontal de HH (ex. CHAM);
– Grande dimensão, complexidade e dispersão geográfica de unidades (ex. Viseu).
No SNS apenas em áreas localizadas, de baixa dimensão populacional e de reduzida dispersão geográfica (ex. Portalegre/Elvas) parece justificar-se efectuar novas experiências. Aí a dimensão/complexidade hospitalar não será um óbice à boa gestão, tão pouco o será o número de CS/extensões existentes. A promoção de liberdade de escolha justifica-se (ainda que a alternativa seja em Badajoz) para minorar os malefícios da situação de monopólio total.
4 ª- Que fazer então?
No financiamento é de apostar, cf. o defendido pela maior especialista de financiamento de saúde em Portugal (Margarida Bentes), no aprofundamento / alargamento do actual sistema “…integrado numa estratégia mais ampla, de longo prazo, com programas específicos, uma moldura de governance clara, uma gestão profissional e empenhada …”.
Em qualquer caso, e mesmo que doa, sempre será necessário actuar sobre: o sistema de saúde; a composição, organização e gestão das unidades integradas no SNS; a qualidade e eficácia dos cuidados prestados. O sistema de financiamento, como outros sistemas (ex. de informação, de retribuição, de avaliação), ficará subordinado às opções e objectivos que norteiem aquela actuação.
Dada a situação actual (significativa ineficiência macroeconómica da saúde) é necessário que nos próximos anos possamos garantir que as economias globais por melhor gestão permitam acomodar, no essencial, os crescimentos esperados (derivados da maior % de idosos e de novas tecnologias, por ex.). Este verdadeiro desígnio Nacional só pode ser atingido com conjugação plena de esforços de: SNS, seus gestores e profissionais; unidades privadas e sociais de cuidados; população e seus representantes. Do lado da receita apenas seria de prever pequenos acertos, como sejam o ajustamento automático anual das taxas moderadoras com o índice de preços do SNS ou a introdução de uma pequena taxa sobre cada prescrição de medicamentos (ex. 1 euro).
No que respeita à organização e gestão do SNS haverá que:
– Concluir a reforma dos C. Primários (USFs e o magnífico trabalho que vem sendo executado pelos Missionários), incluindo experiências não públicas nas grandes urbes onde há sérios problemas de oferta;
– Promover a rápida formação de uma rede de cuidados não agudos (continuados, crónicos e paliativos), sobretudo através de entidades da área social;
– Aproveitar para melhorar substancialmente os resultados dos HH que se revelem viáveis (a qualificar quanto for necessário para serem socialmente rentáveis) promovendo, em especial, o funcionamento eficaz dos seus sectores fracos (ambulatório programado, MCDT);
– Não capitular perante as tarefas difíceis e complexas de racionalização, que há que concretizar, do lado da oferta de serviços e rever o papel dos subsistemas públicos (ver neste blogue “Defender o SNS”).
Haverá que não capitular, isto é, trocar a necessária racionalização do SNS pela procura desaustinada de mais recursos, que só teria sentido se estivéssemos perante um SNS eficiente e a necessitar de reforço substancial de oferta, o que não é o caso.
Perante a magnitude da tarefa faz sentido, em minha opinião, procurar um acordo de regime que viabilize as modificações necessárias e que conduza à definição do montante global disponível no OE para a saúde num prazo de 3/5 anos (valor fixo em % do PIB).
Semmisericórdia
O financiamento por capitação (ajustada à população residente) supõe a integração vertical (unidades de diferente tipo, ex. CP e HH) numa entidade ou, no mínimo, soluções estáveis de integração virtual em entidade do tipo HMO. Quando os doentes recorrem a outros prestadores o beneficiário do financiamento paga os cuidados ao prestador, o que constitui um incentivo para aquele cativar os doentes com serviços de qualidade em tempo oportuno.
Neste sistema a entidade financiada é incentivada a produzir e gastar menos, “menos é melhor”, desejavelmente mantendo a população saudável e basicamente através de 3 mecanismos de actuação:
i. Aumentar a oferta de promoção da saúde e de prevenção da doença (meios com maior eficácia-custo);
ii. Promover uma maior coordenação e continuidade de cuidados (inter-unidades), como meio de reduzir custos e melhorar a qualidade da resposta clínica;
iii. Gerir a procura, com maior utilização de cuidados de proximidade (CP, continuados, sociais; “hospital ao domicílio”) substituindo cuidados inapropriados e controlando o acesso a Serviços sofisticados (ex. HH).
A alternativa neste sistema será adiar/racionar a oferta de determinados serviços o que, a ser detectado, conduzirá a penalizações e, não o sendo, gerará procura de outros serviços mais convenientes se os houver (concorrentes), o que penalizará a entidade financiada. A sub-utilização poderá não ser fácil de detectar porque estará mais difusa, localizada preferencialmente nos CP e não em HH (listas de espera, onde seria facilmente identificada).
Os benefícios essenciais deste sistema não são a maior ênfase na promoção e prevenção, os quais podem ser conseguidos por mecanismos mistos de regulamentação (obrigatoriedade de realizar um mínimo para poder aceder ao contrato) e de incentivo (pagar determinados actos e intervenções adicionais). São sim os decorrentes da pressão que impõe sobre a designada integração clínica e sobre a gestão de procura (ii e iii).
Porque este sistema pressupõe a integração vertical importa analisar a sua viabilidade e justificação no momento actual em Portugal.
2ª- Integração de CP e Hospitais?
A organização do SNS pode variar, entre outros, em: forma de organização (ex. por tipo de cuidados); propriedade dos meios de produção (ex. nacional ou local); autonomia da gestão/grau de centralização da decisão (ex. funcionamento como empresas ou como Serviços); maior ou menor articulação entre unidades.
A experiência/grau de maturidade e as condições concretas de funcionamento dos subsistemas de cuidados – ex. hospitais (HH) ou cuidados primários (CP) – aconselham opções diversas de organização e gestão do SNS. Ora os CP vivem em Portugal situação difícil, que prejudica a sua afirmação e eficácia plenas, fruto de alguns problemas iniciais/de carreira e de muitos anos de reformas adiadas em que se verificou contínuo reforço de orientação para profissionais mais que para as necessidades da população e para a coordenação de cuidados.
Parece por isso essencial começar por reforçar a sua credibilidade e prestígio (reafirmar), garantir total autonomia e capacidade para orientar e coordenar o tratamento dos seus doentes, ao mesmo tempo que, com a reforma dos CS/USF, se expandirá a oferta (maior quantidade e maior leque de serviços) e se promoverá a eficiência e acessibilidade em toda a rede. A promoção voluntarista de integração vertical enfraquece a posição dos CP e tenderá a reforçar apenas o hospitalocentrismo e a manter o desequilíbrio na distribuição actual de recursos, de que é exemplo o rácio, manifestamente excessivo, de médicos hospitalares/ de CP.
A produção de saúde de boa qualidade exige a cooperação e a integração dos diversos tipos de cuidados. A integração pode ocorrer em 2 modalidades distintas:
a)- Integração vertical – criação de uma entidade com gestão comum e poder efectivo sobre as unidades integradas (ex. 3 CS e 2 HH);
b)- Integração virtual – constituição de uma rede de entidades ou instituições autónomas suportada por contratos estáveis, com vista a assegurar: continuidade de cuidados; cooperação e prestação de serviços;
(integração horizontal: quando sob a mesma entidade ou gestão se reúnem duas ou mais unidades do mesmo tipo, antes autónomas, por ex., integração dos HH de Viana e Ponte de Lima)
No SNS verifica-se normalmente integração virtual com maior ou menor integração clínica e logística, mantendo a autonomia e capacidade de gestão das unidades (CP, HH) que estabelecem livremente os seus contratos, subordinados apenas ao orçamento e às regras técnicas/de “boa prática”. Os CP garantem o comando do sistema orientando os doentes para os prestadores com a melhor relação qualidade-tempo/custo, garantindo assim dois incentivos positivos para o Sistema:
– Tratar tão próximo do local de residência quanto possível e controlar a utilização de meios sofisticados;
– Incentivo para prestadores de cuidados diferenciados melhorarem continuamente o serviço prestado.
A integração vertical é suposto facilitar:
i. Integração clínica e eliminação de actos desnecessários ou inapropriados;
ii. Sinergias e ganhos de eficiência nomeadamente em: logística (farmácia, esterilização, aprovisionamento, manutenção e transportes); administrativa (informação, facturação, MKT e gestão); MCDT.
Porém as experiências nos EUA não comprovaram os substanciais ganhos antecipados pelos teóricos de gestão – diversas unidades conhecerem mesmo a falência no esforço de ganharem a escala mítica que ambicionavam. Resultado que não surpreende considerando a especial dificuldade que reveste a integração vertical em saúde:
– Complexidade da gestão dos hospitais isoladamente (como Peter Drucker reconheceu há décadas);
– Múltiplas unidades com diferentes práticas, valores e culturas (muitas unidades de CP e HH), frequentemente com dispersão geográfica e dando resposta a populações com características diferentes;
– Tendência para maior centralização, isolamento e burocratização da gestão, perdendo-se a motivação, o empenho e o incentivo para melhores decisões locais e para responsabilização em cada unidade.
Com a integração vertical ficará ainda seriamente limitada a liberdade de escolha e, desse modo, os incentivos para melhorar emanados dos CP. Reduz-se também o controlo/validação que a relação cliente-fornecedor confere podendo haver tendência para hospitalocentrismo e certa sobranceria hospitalar (agora que deixou de haver risco de perder doentes e financiamento).
3ª- Portugal: Integração vertical onde?
Estaremos nós em posição para conseguir melhores resultados da integração vertical em Portugal?
a)- Por experiência? Em Portugal conhece-se apenas uma experiência (HPH) com resultados dúbios: parece ter havido integração administrativa/logística e de MCDT mais que clínica; hospital classificado nos últimos lugares no “tableau de bord” de eficiência dos SA;
b)- Por superioridade de gestão? Mesmo esquecendo as limitações da gestão pública (face à privada que prevalece nos EUA), não consta que a gestão hospitalar seja superior em Portugal ou que tenha maior capacidade, sendo em contrapartida verdade que temos sérias limitações de conhecimento e experiência em áreas vitais para a implementação de integração vertical (ex. sistemas de informação; incentivos; gestão da mudança e integração de culturas diferentes);
c)- Por melhor enquadramento/regulação? Convém lembrar alguns aspectos: H. Amadora-Sintra e “quem deve a quem”; em 3 anos não se conseguiu concretizar um sistema de incentivos nos HH; ERS está há anos para funcionar; questões no licenciamento e auditoria de unidades privadas e sociais; Serviços do SNS funcionando sem as mínimas condições em ternos de saúde pública; etc.
Acresce que nalgumas áreas a integração vertical em Portugal iria conduzir a situação de chegada caracterizada por:
– Completo monopólio de saúde, de direito e de facto (CP e HH);
– Coincidência de esforços de integração vertical com horizontal de HH (ex. CHAM);
– Grande dimensão, complexidade e dispersão geográfica de unidades (ex. Viseu).
No SNS apenas em áreas localizadas, de baixa dimensão populacional e de reduzida dispersão geográfica (ex. Portalegre/Elvas) parece justificar-se efectuar novas experiências. Aí a dimensão/complexidade hospitalar não será um óbice à boa gestão, tão pouco o será o número de CS/extensões existentes. A promoção de liberdade de escolha justifica-se (ainda que a alternativa seja em Badajoz) para minorar os malefícios da situação de monopólio total.
4 ª- Que fazer então?
No financiamento é de apostar, cf. o defendido pela maior especialista de financiamento de saúde em Portugal (Margarida Bentes), no aprofundamento / alargamento do actual sistema “…integrado numa estratégia mais ampla, de longo prazo, com programas específicos, uma moldura de governance clara, uma gestão profissional e empenhada …”.
Em qualquer caso, e mesmo que doa, sempre será necessário actuar sobre: o sistema de saúde; a composição, organização e gestão das unidades integradas no SNS; a qualidade e eficácia dos cuidados prestados. O sistema de financiamento, como outros sistemas (ex. de informação, de retribuição, de avaliação), ficará subordinado às opções e objectivos que norteiem aquela actuação.
Dada a situação actual (significativa ineficiência macroeconómica da saúde) é necessário que nos próximos anos possamos garantir que as economias globais por melhor gestão permitam acomodar, no essencial, os crescimentos esperados (derivados da maior % de idosos e de novas tecnologias, por ex.). Este verdadeiro desígnio Nacional só pode ser atingido com conjugação plena de esforços de: SNS, seus gestores e profissionais; unidades privadas e sociais de cuidados; população e seus representantes. Do lado da receita apenas seria de prever pequenos acertos, como sejam o ajustamento automático anual das taxas moderadoras com o índice de preços do SNS ou a introdução de uma pequena taxa sobre cada prescrição de medicamentos (ex. 1 euro).
No que respeita à organização e gestão do SNS haverá que:
– Concluir a reforma dos C. Primários (USFs e o magnífico trabalho que vem sendo executado pelos Missionários), incluindo experiências não públicas nas grandes urbes onde há sérios problemas de oferta;
– Promover a rápida formação de uma rede de cuidados não agudos (continuados, crónicos e paliativos), sobretudo através de entidades da área social;
– Aproveitar para melhorar substancialmente os resultados dos HH que se revelem viáveis (a qualificar quanto for necessário para serem socialmente rentáveis) promovendo, em especial, o funcionamento eficaz dos seus sectores fracos (ambulatório programado, MCDT);
– Não capitular perante as tarefas difíceis e complexas de racionalização, que há que concretizar, do lado da oferta de serviços e rever o papel dos subsistemas públicos (ver neste blogue “Defender o SNS”).
Haverá que não capitular, isto é, trocar a necessária racionalização do SNS pela procura desaustinada de mais recursos, que só teria sentido se estivéssemos perante um SNS eficiente e a necessitar de reforço substancial de oferta, o que não é o caso.
Perante a magnitude da tarefa faz sentido, em minha opinião, procurar um acordo de regime que viabilize as modificações necessárias e que conduza à definição do montante global disponível no OE para a saúde num prazo de 3/5 anos (valor fixo em % do PIB).
Semmisericórdia
Etiquetas: Semisericórdia
3 Comments:
O semmisericordia tem desenvolvido um conjunto de reflexões dadas a conhecer aqui na SaudeSA dignas de assinalar da a profundidade e originalidade das análises efectuadas por este AH.
Penso que o Xavier deve proceder ao seu envio para o MS pois serão certamente úteis a CC e ao seu staff.
Já aqui se desenvolveu um "grande trabalho" sobre os modelos de financiamento e nomeadamente a propósito do modelo que Manuel Delgado defende (?)(pelo menos agora).
O financiamento por capitação pode defacto conduzir a selecção adversa. Como diz o SemMisericordia (penso que é esse o sentido) será um modelo onde "menos é melhor".
E menos pode significar "menos e bom" mas também pode significar "menos e mau". Menos e bom se formos capazes de "racionalizar" os cuidados e evitar o desperdício; prevenindo e "mantendo a população saudável". Mas pode haver limitação de recursos - capitação baixa - de tal forma que os cuidados necessários não possam ser prestados - menos e mau. O SNS gasta menos mas "é o corpo que paga"; são os utentes a pagar a factura.
No financiamento por acto (GDH) o Governo obriga-se a contratar à partida a produção que se espera das unidades de saúde tendo presente por um lado as necessidades estimadas da população e por outro a capacidade instalada. Aqui "mais é melhor" diz o SemMiseriórdia e o problema é estabelecer limites à "produção" que evitem a degradação da qualidade dos serviços.
Neste modelo, porém, quem produz (trabalha) recebe, quem não produz (não trabalha) não recebe. E estabelece-se por um lado a concorrência, por outro lado a liberdade de escolha.
O financiamento por capitação não pode ser cego. E ou é feito de acordo com a população residente da "zona geográfica" da unidade de saúde ou é feito de acordo com o "número de utentes" atendidos.
No primeiro caso coarcta-se a concorrência e a liberdade de escolha e exige-se que o valor "per capita" tenha em consideração as características sócio-económicas da população residente, indutoras de maior ou menor necessidade de cuidados e de maior ou menor capatação de taxas moderadoras. No segundo caso estimula-se a concorrência e a melhoria da qualidade pela liberdade de escolha. As melhores unidades (do ponto de vista do utente - que deve ter acesso a informação adequada) serão as mais procuradas. Mas também aqui há que ter atenção ao "controle" de qualidade pois pode haver a tentação de "atrair utentes" para um atendimento desnecessário.
Qualquer que seja o sistema de financiamento das unidades de saúde parece ser tarefa necessária e urgente a integração verttical (CP e HH) e a integração horizontal em situações onde a mesma permita economias de escala.
Mas a integração horizontal tem limites e, unidades "disfuncionais" quando integradas com unidades "modelares" poderão trazer mais desvantagens que benefícios.
Importa também que se estabeleça um sistema de "registo de dados" (base de dados nacional) que permita conhecer "sempre" (em qualquer unidade de saúde a que o utente se dirija) o seu percurso por forma a evitar a (desnecessária) repetição de "atendimento" em várias unidades de saúde e de realização de MCDT's com desperdício de recursos.
Parece não haver exclusividade de um ou outro modelo e pensamos que um e outro poderão coexistir e até conduzir a um modelo misto. Mas o mesmo modo de financiamento pode não ser adequado para todas as unidades de saúde e em particular os HH.
Parabéns ao semmisericórdia por mais este excepcional texto.
A questão do Pacto Social é pertinente numa altura em que Cavaco Silva toma posse como presidente da República.
No lugar de se envolver em conspirações contra o PS, CS dará por bem empregue o seu tempo se se dedicar à promoção dos concensos necessários entre os partidos do Bloco Central para a implementação destas medidas.
A sua experiência como primeiro ministro, no entanto, não nos faz acalentar nenhumas esperanças.
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