sexta-feira, junho 9

Retribuição de Profissionais (equidade)




I - O Tonitosa, nosso esforçado e prolixo colega de blogue, defendeu a fórmula “a trabalho igual, salário igual” (link)
Neste comentário explano porque defendo antes a equidade de retribuição dos profissionais de saúde.

1- Igualdade de retribuição tem sentido?

A resposta terá que ser positiva quando numa Organização:
– O enquadramento e o conteúdo do trabalho são genericamente semelhantes;
– Não houver lugar a proactividade e latitude de actuação significativamente diferente, para dado nível de responsabilidade;
– Não houver relação, directa ou indirecta, entre o trabalho desenvolvido por um profissional e os resultados da Organização.

É o que se passa em estruturas típicas de função pública (FP) onde o Serviço está completamente isolado do mercado, tem âmbito estável e desempenha funções de relevo nacional não compaginável com a gestão. Estas actividades caiem quase sempre nas designadas funções de soberania e o Estado vai bem quando para elas reserva o estatuto de FP.
Os funcionários são chamados a desempenhar um papel bem especificado e delimitado, suportado por regulamentação abundante e com separação clara de quem executa e decide (hierarquia em regime de comando e controlo). O mérito associa-se ao conhecimento das regras que o funcionário tem que aplicar e a promoção obtêm-se, por regra, através de concurso – a avaliação e a responsabilização aplicam-se com dificuldade. Falar em objectivos a atingir é tão estranho como pensar em incentivos ou em flexibilizar (muito menos despedir).

Este enquadramento (solução) falha quando aplicado a “produtores de serviços”, como são os hospitais. As manifestações desse falhanço são muitas:
a)- Resposta de baixa qualidade, dispendiosa e tardia (longas listas de espera, muito tempo á espera);
b)- Multiplicação de efectivos e consagração de regimes e regalias que os contribuintes pagam mas estranham;
c)- Centralização de decisões acompanhada de hiper-regulamentação asfixiante de iniciativas e talentos;
d)- Cultura de burocracia traduzindo orientação para o cumprimento de normas e para “dentro”, não para resultados a atingir e para a satisfação de clientes;
e)- Captura pelas corporações/grupos mais poderosos;
f)- Politização de cargos e ausência de avaliação/responsabilização de chefias e dirigentes;
g)- Etc, etc.

O falhanço da FP nos HH era previsível dado o enquadramento de saúde que convida/requer inovação e gestão:
a)- Produtor de serviços inserido em mercado com procura incerta e cada vez mais exigente (impõe inovação e adaptação de produtos/serviços conforme os clientes, suas necessidades e preferências);
b)- Ambiente muito exigente (vide alta qualificação dos profissionais e elevada especialização dos Serviços), de grande complexidade (ex. nº de produtos diferentes, necessidade de coordenação interna e externa) e em que a inovação é uma constante (ex. tecnologia médica e novos processos de tratar);
c)- Possibilidade de, com os mesmos recursos, obter melhores resultados (em eficiência, qualidade, tempo de resposta e satisfação) através de:
– Melhor gestão em geral – estratégia, adequação da estrutura, sistemas de gestão;
– Aperfeiçoamento/redesenho de processos;
– Diferente combinação de recursos (ex. equipamentos e pessoas);
– Melhorias na organização do trabalho;
– Melhorias em recursos físicos (ex. sistemas de informação e instalações) e, sobretudo, pelo desenvolvimento e melhor contribuição dos profissionais.

2- Mudanças na gestão e nos RH

As modificações verificadas no ambiente e nas condicionantes de gestão (ex. financiamento/contratualização, estatuto de hospital-empresa, requisitos de qualidade, monitorização externa de resultados) impõem alterações na gestão dos hospitais e dos seus recursos humanos (adaptação interna).ver anexo(link)
(Observação: pressupomos que se irá promover a passagem para o contrato individual de trabalho dos actuais funcionários públicos – de forma voluntária e pelo tempo que pretenderem)
Para aquela adaptação é necessário dispor de profissionais não apenas capazes (conhecimentos, “skills”) mas também empenhados – sugerindo, alertando, participando na decisão e na implementação, etc. Estamos então longe do quadro descrito inicialmente (ponto 1), o que justifica diferente forma de retribuição, também em função dos resultados conseguidos e das responsabilidades assumidas (retribuição equitativa).

3- Retribuição equitativa

A retribuição nos HH sendo igualitária está longe de ser equitativa:
a) Nível intra hospitalar: i) Independente da categoria e qualificação – ex1 entre especialidades médicas, entre pessoas colocadas no SU e BOC ou noutros serviços; ii) Função do cargo e da idade - ex2 pagar pela permanência e dedicação à instituição faz sentido mas parece haver duplo enviezamento - com a idade algumas pessoas desinteressam-se e “estão menos” no Serviço; porque têm mais idade ocupam cargos por vezes sem diligência ou resultado para o hospital (alguns pedem para passar para “42 horas/exclusividade para a reforma”);
b) Nível interhopsitalar: ex1 – por vezes num pequeno hospital com pouco movimento o nº de profissionais conduz a remuneração exorbitante (cf. referência recente nos “media”); ex2 – cf. o hospital está, ou não, em condições de aderir ao SIGIC e à remuneração no SU “como se fosse em exclusividade”.

Ora o sistema de retribuição deve:
i)- Mostrar aos profissionais o que é importante para o Serviço e hospital (atingir os objectivos e cumprir o contrato);
ii)- Evidenciar os diferentes contributos para os resultados e, simultaneamente, motivar para cooperação e melhoria contínua;
iii)- Reconhecer o direito a retribuição diferenciada, quando os resultados são melhores que o esperado/contratado e daí resultem benefícios acrescidos para os “interessados” (Estado, população, doentes, ..).

Quando é possível identificar (destrinçar) os contributos individuais têm sentido incentivos personalizados mas, de modo geral, estaremos em presença de um mix: retribuição fixa mais variável, sendo esta decomposta em incentivos ao Grupo (Serviço) e ao indivíduo.

Finalmente convêm não esquecer que um sistema retributivo equitativo dará um contributo assinalável para a mudança de comportamentos o que, progressivamente, provocará a modificação da cultura no sentido pretendido (nota: a conjugar com mudanças nos sistema de monitorização e de avaliação bem como alterações na estrutura/divisão de poderes e nas próprias pessoas – “the right people on the bus”).
Semmisericórdia

II - Retribuição de profissionais (horários e turnos)

O Xico do Canto num comentário ao 1º post sobre este tema (link) defendia que determinada organização de horários (por turnos) solucionaria o elevado nº de HE de médicos no SU. Sobre este assunto deixo 2 breves notas.

1ª Dedicação/”turboprofissionais”
No post que se irá seguir (“equidade”) defendemos a avaliação e a retribuição em função dos resultados, o desenvolvimento e o envolvimento cada vez maior dos profissionais na vida do hospital (ex. para redução da burocracia e do desperdício, para melhoria contínua de qualidade e participação em GT). Ao invés de apostar em soluções que convidem os profissionais ao pluriemprego (divisão do seu tempo e esforço por vários “patrões”, muitas vezes em concorrência directa com o empregador) defendemos o comprometimento e a dedicação com flexibilidade, carga horária semanal e horário variáveis em função das necessidades do Serviço e hospital (no respeito da lei e do ACT).

2ª Reduzir o nº de HE improdutivas no SU
O nº de HE no SU deverá ser ajustado, progressivamente e sem prejudicar a qualidade da resposta à população, nos seguintes níveis de actuação:

a)- Enquadramento do trabalho: i) Regular o acesso às profissões (ex. nº de estudantes, requisitos de admissão) a sua certificação/recertificação e o conteúdo de funções; ii) Clarificar o quadro de direitos e deveres (ACT); iii) O Estado deve retirar-se da gestão não cedendo à tentação de centralizar a decisão, de hiper-regulamentar e de intervir constantemente na vida das Organizações;
b)- Rede de Serviços: i) Oferecer novas respostas (ex. “call center”, atendimento telefónico por MF, novas iniciativas do INEM); ii) Ajustar o âmbito territorial e a oferta dos SU e SAPs (ex. nº horas de funcionamento, nº especialidades); iii) Encerrar os SU (e SAP) onde não se justificarem e para permitir melhor resposta programada e em SU (aqui cf. RRH);
c)- Na Instituição: i) Profissionalizar a urgência (emergência); ii) Aumentar a flexibilidade na utilização de profissionais para diferentes actividades; iii) Recorrer a formas diversas de contratação, garantindo a qualidade de resposta (ex. “part-timers”, tarefeiros); iv) Pagamento em função de resultados a todo o pessoal médico.
Semmisericórdia

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3 Comments:

Blogger tonitosa said...

Caro SemMisericordia,
Não posso estar mais de acordo consigo.
Os conhecimentos, a participação, a capacidade de inovar, a produtividade, a competência técnica, a responsabilidade, etc., etc., tudo deve ser tomado em conta em termos de retribuição.
Sinceramente já não me recordo bem quando defendi a ideia de "a trabalho igual salário igual". Julgo, no entanto, que o fiz a propósito do preço das horas extraordinárias realizadas em SU por médicos em regime de exclusividade e 42 horas e médicos sem exclusividade.
Pois bem, o que penso e deixei expresso foi que "a hora de trabalho de um médico realizada extra horário (trabalho extrordinário) não justifica só por si diferenças de "preço/hora".
Coisa bem diferente é a avaliação do trabalho desenvolvido, e nessa situação até podemos (devemos) admitir que um médico colocado num nível superior da carreira possa receber menos do que um assitente hospitalar, se for "calaceiro" ou "baldas". Não se trata, a meu ver do pagamento puro e simples da "disponibilidade para trabalhar" (presença física) mas do "trabalho efectivamente desenvolvido".
Assim, por exemplo, se um médico está de serviço (SU) mas no seu período de trabalho (por mera hipótese académica) não acorre ninguém à Urgência, nem por isso deixa de lhe ser devida a remuneração/hora correspondente.
Depois, tal como no desempenho normal de funções o mérito pode (deve) ser premiado. Mas, ainda assim, em trabalho de equipa (como nos SU) a diferenciação é complexa (mas não impossível).
Resumindo: acho que a hora extraordinária deve ser paga em função dos níveis de qualificação profissional e não em função do regime de trabalho normal de cada profissional. Por isso me parece que teria sido mais correcto fixar a remuneração (simples) do trabalho extraordinário com base no salário correspondente às 35 horas semanais, para todos os médicos e de acordo com as correspondentes categorias profissionais.
Não terei sido claro neste meu entendimento? Espero ter agora ter sido mais preciso.
Um abraço

12:05 da manhã  
Blogger tambemquero said...

A falta de equidade do sistema remuneratório cavou profundas diferenças de "estatuto" entre o pessoal médico.

Especialidades como otorrino, por exemplo, cujos médicos dos HH distritais ,normalnente, não são chamados a integrar as equipas da Urgência, embora lutando por atingir alto grau de especialização e dedicação, acabam por ganhar menos de metade dos colegas de outras especialidades que fazem Bancos.
Esta diferença remuneratória injusta tem contribuido para que haja en tre o pessoal hospitalar, médicos de primeira e de segunda.

10:51 da tarde  
Blogger Xico do Canto said...

Meu caro
SemMisericordia

Não me faça autor do que não sou.

Quando diz
“(...)O Xico do Canto num comentário ao 1º post sobre este tema (link) defendia que determinada organização de horários (por turnos) solucionaria o elevado nº de HE de médicos no SU.”

Deveria dizer que escrevi
“A análise do trabalho extraordinário médico deve ser enquadrada com outras vertentes que lhe estão associadas, nomeadamente a impossibilidade legal da organização do trabalho por turnos e a prática assumida de não alinhamento de horários com outros profissionais que fazem, com os médicos, equipa.”

Sobre este assunto, e sobre a generalidade dos assuntos de gestão hospitalar que se tem abordado, dir-lhe-ei que a generalidade das soluções apontadas, malgrado a sua bondade, esbarram num problema de fundo que lhe retiram eficácia e as transformam em meros paliativos.

E este problema emana da natureza da entidade que assume o papel de dono da coisa. Os HH são entidades empresariais, é um facto. Tal como outras empresas públicas que, apesar de core business diferente, têm o mesmo problema. No caso dos HH é ainda mais agravado pela sua forte ligação à administração pública e o seu enquadramento jurídico pelo direito administrativo, ainda que em vias de extinção.

No actual contexto de desenvolvimento da nossa sociedade o Estado não tem perfil para assumir, através das rotativas levas de políticos que vão assumindo o poder, a gestão destas entidades empresariais. E até que a iniciativa privada, e a sociedade civil, assumam o inevitável papel na gestão dos HH, sem resquícios de administração pública e suas vicissitudes de gestão de pessoal, estamos condenados à elaboração de soluções que configuram a tentativa, sempre frustrada, da quadratura do círculo.

12:22 da tarde  

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