terça-feira, setembro 26

Suspeições, Anátemas e Confusões




1. Levantaram-se recentemente uma série de suspeições sobre os gestores dos hospitais públicos: gastos fúteis e/ou sumptuosos, falta de rigor na gestão da coisa pública, benefícios pessoais exorbitantes, utilização de cargos públicos para distribuição de benesses a amigos e familiares, foram algumas das suspeitas que rapidamente percorreram a opinião pública.
Admito a existência de um ou outro caso em que este tipo de comportamentos possa ter ocorrido. Mas, confesso, não conheço nenhum. E, sobretudo, não é legítimo nem é correcto, generalizar para todos, com as consequências naturalmente previsíveis, tais comportamentos.
Tenho para mim que os actuais Conselhos de Administração têm feito um significativo e comprovado esforço para travar o crescimento da despesa, não vislumbrando atitudes ou comportamentos despesistas, ostentatórios ou nepotistas.
A facilidade com que a comunicação social dá voz à mais soez demagogia nesta matéria asfixia a verdade e contribui para a criação de bodes expiatórios.

2. Já agora, refira-se que associar o déficit dos hospitais, designadamente dos que apresentam situações mais complexas, com aqueles comportamentos, é, não só, uma rematada falsidade como provocará concerteza um profundo sentimento de injustiça e de revolta nos que se sentem directamente atingidos. Todos sabemos que a transição dos S.A. para os E.P.E., se deu em circunstâncias muito diferentes de Hospital para Hospital. A ideia, peregrina, de que os Hospitais S.A. constituíam uma vanguarda consistente e uniforme de hospitais eficientes, organizados, de qualidade e modernos, nunca teve qualquer evidência. Pelo contrário, foi sempre minha convicção de que o lastro que ditava melhores desempenhos no passado se manteve e que, por outro lado, profundas transformações registadas nalguns estabelecimentos, determinaram novos cenários, em matéria de oferta e de procura, com consequências não suficientemente acauteladas quanto aos custos e respectivo modelo de financiamento.
Lançar anátemas sobre os hospitais com base no déficit, não se preocupando com a sua história recente, com as heranças do passado e, já agora, com a sua actividade assistencial (afinal a essência da sua existência) está nos antípodas da seriedade intelectual e do mais elementar bom senso.

3. Os resultados da inspecção realizada pela IGS (Inspecção-Geral da Saúde) quanto às remunerações dos Conselhos de Administração dos Hospitais Públicos, salvo erro incluindo os anos de 2003 e 2004, mostraram não só divergências interpretativas sobre questões menores, mas também, e sobretudo, ostensivas formas de abuso de confiança quanto ao uso de regalias e de remunerações.

4. Não podemos confundir estas situações do passado com o estrito uso de benefícios remuneratórios que a lei confere aos titulares de cargos de gestão nos hospitais. Estes direitos não podem, ou pelo menos, não devem ser questionados. Fazer, por exemplo, um juízo ético ou moral sobre o uso de viaturas quando tal prerrogativa faz parte das condições remuneratórias definidas por lei e recentemente reafirmadas com a criação dos E.P.E., abrirá um precedente imparável na análise da gestão de todas as empresas e serviços públicos. Seriam sempre objecto de censura todos os gestores que, perante a situação difícil das suas empresas ou serviços, não abdicassem voluntariamente da remuneração ou regalias que lhes fossem legalmente devidas.
Se o decisor político, legislativo ou executivo, considera que certas molduras remuneratórias são manifestamente exagerados ou “imorais” tem apenas um caminho a seguir: corrigi-las. Transferir o risco do julgamento público para os gestores que ele próprio contrata é uma maldade inqualificável.
MD,GH n.º 20 set 06

8 Comments:

Blogger ricardo said...

Estou de acordo com esta intervenção do MD.

4:40 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Eu não acredito em bruxas, mas... lá que as há....
Com a não abertura de concursos para os lugares de topo da carreira administrativa (eu disse administrativa) e entrada de algumas mãos cheias de "doutores" para ocuparem as funções de 1 ou 2 chefes de repartição e outros que tais, os HH:
- melhoraram nos vários padrões de análise que se queira fazer?
- diminuiram a despesa com vencimentos?
- não vão induzir um indirecto despedimento de vários funcionários de mais baixo ordenado para manter os déficites e/ou despesa dos FP?
- quem vai exercer as actividades que estes desempenhavam?
... grão a grão enche a galinha o papo, e não é só nos pópós, nas aquisições feitas em farmácia de oficina porque o laboratório fornecedor já não fia, é também no aproveitamento do knowhow BARATO que está a ser desbaratinado e, em tantas outras pequeninas coisinhas que se encontram nos manuais do TIO PATINHAS

7:15 da tarde  
Blogger xavier said...

O melhor Editorial de MD, que eu me lembre.

11:43 da tarde  
Blogger tonitosa said...

MD não é o Presidente do CA do HPV?
Quem se lembra do que ele dizia dos "pópos" dos Gestores (recuso o uso da palavra Administrador para ests cargos) dos SA's?
Não era ele um dos que mais atacava as ditas "mordomias"? E que disseram alguns dos comentadores deste blog a esse propósito?
Para quem tenha a memória curta, relemvro o seguinte post:

"TACHOS SA 23 de Abril de 2004

Neste Portugal florescente de novelas da vida real, apitos dourados e crise económica persistente, os administradores dos hospitais SA são excepção. Prazenteiros e felizes, cirandam por entre Porto, Coimbra e Lisboa, cheios de motivação e entusiasmo.
E o caso não é para menos.

OS ADMINISTRADORES DOS 31 HOSPITAIS SA, GANHAM, MENSALMENTE, ENTRE 6415 E 5021 EUROS (ENTRE 1290 CONTOS E 1042 CONTOS), ACRESCIDOS DE 30% PARA DESPESAS DE REPRESENTAÇÂO, OU SEJA, AUFEREM DUAS VEZES OU TRÊS VEZES O QUE GANHAM OS GESTORES PÚBLICOS.

CARROS DE LUXO PARA GESTORES SA:

Depois do aumento dos salários dos gestores SA para perto do triplo, o governo decidiu alargar as benesses concedidas aos responsáveis pelos Hospitais SA, aumentando para mais do dobro o valor-limite para compra de viaturas, que passou de 20 mil (quatro mil contos) para 45 mil euros (nove mil contos).

A juntar a tudo isto, as restantes regalias : gasolina, telemóvel, etc.

Posted by Xavier at 4:29 PM"

E o Xavier pode relembrar-nos outros textos de teor idêntico.

Serão precisas mais palavras?

Um abraço, Xavier.

12:39 da manhã  
Blogger tonitosa said...

Xavier,
Deixe-me dizer-lhe, já agora, que aqueles 1042 contos e 1290 contos não correspondiam à verdade. Não era o salário da maioria dos gestores, com excepção dos vindos de outras empresas públicas.
Recordar é viver!
Mais um abraço, Xavier.

12:43 da manhã  
Blogger saudepe said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

12:58 da manhã  
Blogger saudepe said...

Mais uma vez o Tonitosa não percebeu nada.

O texto do MD é corajoso porque ataca o procedimento de CC que autoriza as regalias (mordomias, benesses, o que lhe queira chamar) e depois vem para o terreno ameaçar os CAs com despedimentos, caso tenham comprado os carros que o ministro autorizou.

Se CC entende que as regalias são muitas, o ministro o que tem a fazer é mudar a lei.

No caso dos SAs houve abusos. Atribuiram-se (a si próprios) regalias que não estavam previstas na lei.

Os tribunais condenaram uma série de SAs a devolverem elevadas quantias ao Estado.

Alguns SAs ainda andam por aí a arrastar-se pelos tribunal por causa do enriquecimento sem causa.

1:03 da manhã  
Blogger tonitosa said...

Meu caro Saudepe,
Olhe que percebi! Olhe que percebi!
Não lhe parece que MD visou também desviar atenções da má gestão dos HH EPE e do seu próprio hospital?
E meu caro, porque razão aquilo que agora não são mais do que direitos (refiro-me às regalias legalmente atribuídas aos gestores dos EPE's) eram mordomias no tempo dos SA's?
Não queira confundir as coisas.
E já agora deixo-lhe um desafio: cite lá quais os casos em que os gestores SA's se auto-atribuiram regalias não previstas na lei. Cite casos concretos (não precisa de identificar os prevaricadores).
Deixo-lhe uma dica: um médico que faz SU num hospital e recebe habitualmante uma remuneração mensal de mais de 2 mil contos, acha que aceita ser gestor (não exercendo medicina) para passar a ganhar pouco mais do que 4000 euros? E se ainda por cima o seu Hospital lutar com absoluta falta de médicos para assegurar o SU?
Mas olhe que CC não terá criticado a compra de carros em geral. Mas o caso do HSO não podia passar sem uma crítica. Feitam também aqui no Saúde SA.
Um abraço.

1:32 da manhã  

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