terça-feira, outubro 31

Não Pagamos


O governo decidiu "brindar" os portugueses com mais uma factura para pagar. Desta vez, são os internamentos e as cirurgias efectuadas nos hospitais públicos, sobre as quais também passará a incidir uma taxa. Para Correia de Campos, trata-se de generalizar o princípio e a cobrança de taxas moderadoras a mais cuidados de saúde. Portanto, simples continuidade com o que já se praticava no SNS.

Sucede que não é isso que as novas taxas representam e significam. Aliás, foi o próprio Correia de Campos que começou por chamar-lhes taxas de utilização (e não moderadoras), designação rapidamente abandonada, certamente por conselho de algum jurista mais precavido.
Hoje, é largamente consensual reconhecer que as taxas moderadoras não alcançaram o objectivo para que foram criadas e que o seu nome indica: moderar a procura dos serviços de saúde, desincentivar ou dissuadir o recurso desnecessário e abusivo aos hospitais e centros de saúde.

É igualmente consensual - até porque é óbvio, que no internamento e nas cirurgias não há lugar a qualquer moderação da procura, na exacta medida em que esta não é voluntária, não decorre da vontade da pessoa em ser internada ou operada. O que está em causa são decisões de médicos ou de outros profissionais de saúde e nunca dos doentes.

Então, se as taxas antigas já nada moderavam e, as novas, nada têm para moderar, então, a conclusão é evidente: as novas taxas moderadoras são de facto o pagamento de um serviço, situação não prevista nem autorizada pela Constituição e pela Lei de Bases da Saúde.

O que o governo pretende e com ele, o ministro Correia de Campos, é introduzir por via do orçamento 2007, uma alteração muito profunda no actual modelo de financiamento do SNS. O SNS é hoje suportado integralmente pelo orçamento de Estado, por via dos impostos pagos pelos portugueses. O que Correia de Campos procura é acrescentar-lhe pagamentos directos, saídos do bolso dos utentes do SNS, quando a ele recorrerem por motivo de doença. Na realidade isto não é mais que o conhecido sistema do utilizador-pagador, o que só pode acontecer alterando a Constituição e a Lei de Bases da Saúde.

Esta constitui a questão essencial sobre a qual se devem concentrar todos aqueles que defendem um SNS geral, universal e tendencialmente gratuito, prestando cuidados de saúde a todos independentemente da sua condição social e económica.

Estamos perante uma tentativa de subverter o princípio constitucional do não pagamento dos cuidados de saúde prestados aos cidadãos pela vasta rede de serviços do SNS. É uma fronteira que não podemos deixar franquear.

Se é uma taxa moderadora ou de utilização como alguns pretendem; se é um novo imposto como outros lhe chamam para chamar a atenção quer para a sua obrigatoriedade quer para o peso que pode vir a ter na bolsa de cada um, em tudo equivalente a um imposto, pode ser uma interessante e animada controvérsia mais ou menos académica, travada por essa blogosfera fora. Mas não é a discussão que o momento exige. Nem tão pouco altera o que efectivamente estas novas taxas acabam por ser: pagamentos, pagamentos, pagamentos. Contra a lei e a Constituição.

Já se ouve, aqui e ali, não pagamos, não pagamos, não pagamos. Muito justamente.
João semedo, site do BE.

4 Comments:

Blogger tonitosa said...

Nunca como agora seria oportuna a frase célebre do então PR Dr. Jorge Sampaio: HÁ VIDA PARA ALÉM DO DÉFICE.
Terá o actual PR, Professor Cavaco Silva, coragem para vetar leis que configuram que que não há vida para além do défice?!
Esperemso que sim. Esperemos que o actual PR venha dizer-nos que há vida para além do MONSTRO.

2:03 da manhã  
Blogger Clara said...

Sob o ponto de vista do combate político, levantar o problema da constitucionalidade das taxas de punição poderá ser um erro.
Poderá ser mais fácil do que pensamos a Correia de Campos e a este Governo provar em Tribunal a constitucionalidade desta medida.

O que elas são de facto é injustas, como referia recentemente aqui o Xico do Canto e passo a transcrever:
"o MS anda a esconder não referindo que o esforço das famílias portuguesas, para a sua saúde, já ronda os 3% do PIB, contra os cerca de 2% dos nossos parceiros comunitários. Por outros indicadores cada português paga, para além dos impostos que financiam o SNS, cerca de 40% do custo dos cuidados de saúde que recebe (taxas moderadoras, medicamentos, consultas e clínicas privadas, entre outros). Na CE a média é de cerca de 20%."

Com os novos encargos resultantes da descomparticipação de medicamentos, o aumento das taxas moderadoras, o custo das novas taxas, reforçamos a nossa posição de caso único na UE: Maiores contribuintes para a Saúde com mais baixos rendimentos.

1:23 da tarde  
Blogger ORTOPÉDICO said...

Mas estas taxas são ou não formas de tornar a saúde tendencialmente paga?
Estas taxas são ou não formas de tributar o cidadão?
Pretende-se com elas melhorar os serviços prestados?
Há muitas coisas a fazer do ponto de vista económico sem isso implicar sobrecarga de taxas para o utente.
Vide Mil Ideias para o SNS.

2:07 da tarde  
Blogger tonitosa said...

Pois é colega Clara. Na verdade este seu comentário e a análise do Xico do Canto deviam levar os nossos governantes e os apoiantes das taxas de punição a pensar. Mas esta análise não lhes interessa. Basta ver que CC quando abordou a questão do montante não se coibiu de referir que a taxa por dia de internamento na Alemanha era de (salvo erro dez euros dia). Esqueceu-se o Senhor Ministro de comparar o poder de compra dos portugueses com o dos Alemães!

8:56 da tarde  

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