Não é com Taxas Moderadoras
“Apesar de todos os constrangimentos e condições desfavoráveis, é forçoso reconhecer os progressos conseguidos nos últimos 30 anos na área da saúde… Neste contexto, o SNS teve um desempenho notável”. “A saúde tendencialmente gratuita, como se prevê na Constituição, parece-me bem”.
Foi isto que afirmei e que reafirmo. De taxas moderadoras nunca falei. Muito menos de taxas moderadoras no internamento ou nas cirurgias de ambulatório. Mas agradeço os comentários dos Colegas de Blog.
Por que não sou fã de taxas moderadoras, embora não me repugne a sua existência? Por duas razões:
Para mim, as taxas moderadoras, num contexto de SNS, retiram legitimidade da capacidade que tiverem de moderar, ou racionalizar, o acesso aos cuidados de saúde. Têm de ser de reduzido montante (para não correr o risco de dificultar o acesso aos cuidados necessários); de montante fixo porque não devem visar pagar ou comparticipar nos custos dos cuidados procurados; sobretudo, não devem existir se o acesso aos cuidados é decisão do médico e não do utente, porque, a partir da prescrição, não pode falar-se, de boa fé, no efeito moderador;
Segunda razão: para salvaguarda do direito de acesso e da equidade do SNS, 55% dos utentes são isentos do pagamento de taxas moderadoras e estas vão incidir apenas sobre os restantes 45%. Poderemos falar de um objectivo de moderação quando, se esta existir, atingirá apenas menos de metade dos utentes? Como se garante que os restantes não “abusam”?
Quando se fala de insustentabilidade do SNS, a conversa é totalmente outra e, para mim, não há nela qualquer espaço para taxas moderadoras, muito menos para a espantosa afirmação – que nunca acreditei que fosse possível! – de CC que terá dito “Taxas moderadoras: São a única forma para manter viável este modelo público”. Que CC se referia a viabilidade financeira, e não a qualquer efeito moderador do acesso, está fora de dúvida: basta ler o que se segue no seu discurso: “Pequenos sacrifícios imediatos são a melhor garantia do futuro do SNS … A taxa de cinco euros por dia não paga três quartos sequer de uma só refeição no hospital. A receita esperada com as taxas moderadoras de sete a nove milhões de euros vai permitir tratar dois mil novos casos de doentes de cancro.” Repito: é espantoso que isto tenha sido afirmado por CC, consensualmente considerado inteligente, conhecedor, bem informado, além de socialista. Totalmente de acordo quanto à necessidade afirmada de modernizar o SNS. Indiscutível que “um SNS insolvente é o que mais convém aos interesses privados”. Mas entrar em equívocos, não. Por que não parar um pouco e procurar as causas da insustentabilidade?
Porque, quando ela existe, ou falamos de recursos insuficientes do SNS – e penso que já foi esse o caso, mas deixou de ser – ou então o que existe é sub produtividade dos recursos afectados. Isto é, foi possível afectar mais dinheiro à saúde mas não fomos capazes de eliminar o desperdício. Aqui reafirmo que o principal problema do SNS é a sub produtividade e que boa parte dela deriva das características coladas no SNS que temos. Modernizá-lo significa eliminar essas causas geradoras de sub produtividade, e as mais pesadas são as que incidem na área dos recursos humanos. Para dar um exemplo, a Constituição deixou subsistir a prestação privada de cuidados de saúde, mas, que dizer de um regime legal que acolhe, como regra, acumulações no sector público e no privado? Qual a empresa privada que permite aos seus colaboradores que prestem serviços à concorrência? Como esperar motivação – sem a qual as medidas para evitar o desperdício, mesmo as que possam incidir noutras áreas, serão votadas ao insucesso – de profissionais cujos interesses são opostos aos do SNS para o qual também trabalham?
Há muita drasticidade nas medidas que tocam em interesses instalados, quer dos profissionais quer da indústria da saúde. Evidentemente que sim. Mas este é que é o desafio. Não vale menos de uma dezena de milhões de Euros, mas sim várias centenas de milhões. E CC e o Governo a que pertence são vistos como corajosos e parece que precisam de dinheiro.
AIDENÓS
4 Comments:
De acordo parecemos estar.
A sustentabilidade do SNS de que tanto se fala não é de forma alguma garantida por taxas moderadoras, salvo se existir a intenção de progressivamente as fazerem evoluir para "contribuições acrescidas" para o seu financiamento.
Daí que nem como "moderadoras" nem como "contributivas" devam existir pelas razões que muito bem expôs.
Mas o aumento da produtividade e o aproveitamento de recursos humanos e estruturais, pode ser "um pau de dois bicos" se não forem bem planeados e acima de tudo bem dirigidos, com grande responsabilidade, por todos os profissionais e bem compreendidos pelos cidadãos.
É que não devemos esquecer que o aumento da produtividade leva atrás de si um aumento de gastos acrescidos (programas de rastreio e de prevenção, medicamentos, materiais de consumo clínico médico e cirúrgico, MCDT, tempos de internamento, etc.).
O avanço científico no campo da Medicina com a consequente maior facilidade de diagnóstico precoce da doença; a evidente importância que é dada à prevenção da doença; a maior facilidade com que actos médicos e cirúrgicos conseguem dar uma melhor qualidade de vida aos doentes; a sempre criticável medicina defensiva e a procura muitas vezes "descontrolada" do acto clínico por parte do cidadão "não doente", para não falar do "inevitável" aumento dos cuidados médicos e de enfermagem a uma população cada vez mais idosa, tudo são factores que fazem aumentar a procura com o consequente aumento de gastos.
Não quero com isto dizer que este "combate ao desperdício", não seja importante para dentro do SNS se conseguir dar resposta às solicitações dos doentes e da população. Mas também têm estes o direito de não ver defraudadas as suas expectativas quando juntamente com os profissionais da saúde que têm a "vontade de tratar" e o doente o "direito a ser tratado" , se vejam ameaçados novamente com novos/antigos argumentos economicistas de "insustentabilidade do sistema"
Os Conselhos de Administração de alguns Hospitais continuam a falar em subfinanciamento.
Manuel Delgado defende a criação de um fundo de financiamento especial destinado a fazer a recuperação estrutural dos hospitais com atraso tecnológico ou problemas graves de instalações, equipamentos e organização.
Sem este investimento é muito difícil a estes hospitais obter ganhos de eficiência que lhes permitam produzir bens cujo custo possa ser coberto pelo financiamento assegurado pelo estado.
As reformas não são exequíveis sem investimento.
CC neste campo luta com enormes dificuldades, agravadas com o OE 2007 que impõe fortes restrições ao investimento público.
Ao Aidenós os meus parabéns pela clareza com que aborda a temática das taxas moderadoras.
As afirmações de CC não se enquadram no pensamento do Prof. CC, e ele, enquanto Prof e político na oposição, expressou-o publicamente.
As afirmações do político CC não foram proferidas de forma gratuita. Ficamos mais perplexos quando CC as tenta fazer passar com a sua fraca importância, quer para os pagantes, quer para o SNS. E é isto que me deixa de pé atrás.
Os políticos não dão ponto sem nó. E muito menos se expõem numa situação de alto preço eleitoral por uma coisinha de tão sem grande importância.
Só encontro uma explicação. CC está a preparar o terreno para inverter a situação do tendencialmente gratuito para o tendencialmente pago.
Quanto ao caminho a seguir estou totalmente de acordo e não vejo outro. Não é injectando mais dinheiro que se dá mais e melhores cuidados de saúde à população.
A resposta está na capacidade de se obterem ganhos de produtividade dos meios existentes, humanos e materiais, através da optimização da sua eficência.
Caro Semmisericordia
Primeiro parágrafo aparte, onde claramente exagerou, lisonjeia-me ter provocado o seu Comentário, com o nível de fundamentação a que todos os participantes do Saúde SA já estão habituados.
Congratulo-me não só pela concordância generalizada que verifico existir entre nós mas também porque o seu Comentário me dá oportunidade de algumas precisões que levem a melhor entendimento das minhas afirmações.
Assim:
1- No meu juízo, mais importante do que termos ou não um SNS, é que o respeito da personalidade humana implica, ou exige o direito fundamental aos cuidados necessários para manter, desenvolver ou recuperar a saúde. Todos devemos poder exercê-lo, sejam quais forem os meios de fortuna de que dispomos. Podíamos não ter, mas temos um SNS, universal, geral e tendencialmente gratuito, de acordo com a revisão da Constituição. Ainda bem porque, apesar do que, na sua concepção orgânica, na sua regulamentação e na sua prática tem estado errado, tem de reconhecer-se que, nesse contexto, foi notável o seu desempenho nos últimos 30 anos. Precisa de ser modernizado? Muitos pensarão que sim, mas foi CC quem o afirmou. E mais, afirmou-o em sede de justificação das “Taxas Moderadoras: São a única forma para manter viável este modelo público” (sublinhado meu), não em declarações de circunstância mas em discurso, obviamente, preparado.
2- As taxas moderadoras não dão um contributo para a sustentabilidade do SNS? Claro que sim. Existem para moderar ou racionalizar o acesso, moderam o aumento da procura, mas devem ser tais que não afastem a procura justificada. Por isso são compatíveis com a gratuitidade tendencial do SNS; a Constituição reconhece o direito ao uso e não ao abuso. Como é óbvio, esse efeito moderador trava um pouco o crescimento das despesas da saúde, e, sendo as TM pecuniárias, muito ou pouco, aumentam as receitas. Tudo como de forma inexcedível demonstra o Semmisericordia no ponto 6.º do seu Comentário.
3- Sendo assim, por que razão afirmei que “quando se fala de insustentabilidade do SNS, a conversa é totalmente outra e, para mim, não há nela qualquer espaço para taxas moderadoras”:
- porque ninguém reclama a extinção das TM já existentes; as agora anunciadas é que suscitam muitos protestos;
- porque CC disse: “TM: são a única forma de manter viável este modelo público”, omitindo que delas só é esperável um contributo mínimo, como o SemMisericórdia, eu e muitos mais pensamos;
- porque, não sendo a captação de recursos que, neste modelo público, legitima as T.M., procurar na receita acrescida que possam originar a forma de atingir a sustentabilidade parece-me distorcido, para não dizer ilógico. Teoria fiscal à parte, até admitiria que as TM revertessem para o Estado e não directamente para o SNS;
- porque tentar tamponar por essa via o problema é um equivoco, em si mesmo (varrer para debaixo do tapete, como diria o Semmisericórdia) e, principalmente, é alimentar o equívoco de que falta dinheiro, quando a saúde já dispõe de mais que a média da C.E. e o que lhe sobra é desperdício ou sub produtividade.
4 - Claro que é melhor fazer, não digo alguma, mas muita coisa para que o barco não continue a desequilibrar. Por que não (como simples exemplos):
- submeter a prescrição a validação (fácil, porque a maioria, se não a totalidade dos Serviços estão informatizados), só sendo concedida se o doente foi visto no dia em C.E ou S.U.?
- aprovar e por em vigor o Formulário para o Ambulatório - Proposta surgida no âmbito das 1000 Ideias?
- relevar para os efeitos que em cada caso couberem (remunerações variáveis – quando existam – estacionamento em parque, reconhecimento público de mérito, Congressos/seminários, etc.) o perfil do prescritor?
- penalizar o uso indevido (abuso do direito), tal como sugere nos pontos 5.º e 7.º do seu Comentário o Semmisericórdia?
5. Continuo, porém, convencido de que o mais importante é intervir ao nível das causas que fazem que os 10% não sejam suficientes para nos situar ao nível daqueles que suportam despesa semelhante. Embora reconheça que os políticos não podem dar-se ao luxo de ignorar a drasticidade das medidas adequadas, o que põe em destaque a importância do tempo, e da sequência em que são tomadas e apresentadas, a verdade é que, sem elas, a questão da insustentabilidade apresentar-se-á ciclicamente. Mas, também aqui, estamos de acordo.
Aidenós
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